E o peru, onde vai?Não responda. Ninguém sabe. O peru é uma coisa fadada a encalhar na ceia, a verdade é dura: ninguém gosta de peru. Por quê? Ele é duro, ué.
Nunca vi bicho para morrer seco e duro como o peru. Mas é tradicional, Natal tem que ter peru, para... enfeitar a mesa. Ninguém come. É assim porque é assado, acabou-se.
Na minha família, todo mundo começa a discutir o cardápio do Natal uma semana antes, só porque não tem outro jeito.
- Alguma coisa a gente tem que fazer, né – alguém comenta, coçando o queixo, como quem diz que é inevitável.
- É... coisinha simples. Só para não passar em branco.
Cada um sugere uma bobagem, podia ser algo diferente esse ano, uns belisquetes, uma mesa bem colorida (a gente come é com os olhos, não é mesmo?), o importante é estarmos juntos, hoje em dia vendem tanta coisa pronta...
- E o peru?
Silêncio.
- Tem que ter peru. Senão não é Natal.
Sempre tem uma voz que pronuncia a sentença, trazendo à tona o peru que todo mundo fingia esquecer. Mas, como é Natal, não pega bem recriminar o chato que se lembrou – e nos lembrou! – do triste bicho seco.
- Poxa, gente. Senão não é Natal.
Ai, todo chato redunda. Que venha o peru, pois.
Acaba entrando como astro da noite, mas não tem saída alguma. Encalha. Os chamados “acompanhamentos” vão sendo bicados, aos poucos, pelos comensais que fazem a típica cara de “vou começar por aqui”, e terminam também por ali. O peru vai ficando.
O máximo que vi levarem foi uma perna - e o peru perneta, no final da noite, é ainda mais patético.
Secretamente, todos culpam o sem-mãe que tocou no assunto do peru. Boa oportunidade de ficar quieto. Engolisse o peru, guardasse para si! Na certa é quem mais está se entupindo de salpicão, e ainda vai roubar a rodela de abacaxi que eu vi primeiro...
Mas ninguém fala nada, porque é Natal. A ceia some e o peru persiste, intacto, vitorioso. Ano que vem ele aparece de novo, como se nem tivesse pego vento, só para confirmar que é Natal.
Tenho para mim que é sempre o mesmo bicho.
FELIZ NATAL!