27 maio 2004

Em tempo: está inaugurado o View Master , o blogfólio dos amigos Luís Saguar e Marcelus Gaio, dois feras em design. Ilustrações, fotografia e arte em espaço dinâmico, freqüentemente atualizado. Para quem gosta do lance, é um achado. Para quem não sabe se gosta, uma boa oportunidade de começar a gostar.

Visite!
A minha casa mal assombrada


Quem vai daqui para a praia, mais ou menos no meio do caminho, tem uma casa mal assombrada. Tem, porque tem, porque tem.

É um sobrado com janelas grandes, daquele tipo com madeira em cruz. A grama não é cortada, as paredes são descascadas, as plantas espirram pátio afora, tipo cabelo de orelha de velho, sem ordem nem medida.

Na calçada em frente há umas árvores e uns arbustos crescidos que formam uma espécie de túnel verde – no meio, só um caminho curto de pedra úmida contorna aquela esquina. Coisa de cinqüenta passos. Mas é para os corajosos.

Já vi muito marmanjo atravessando a rua para não encarar o túnel verde. A sorte é que, do outro lado, tem uma reserva ecológica, com plaquinha no portão e tudo. Dá para disfarçar fingindo interesse.

Eu, não. Desde o primeiro dia, optei pelo caminho obscuro, porque dá pra espiar melhor lá dentro. E espio mesmo. Quero saber quem é que vive lá; porque as janelas estão sempre semi-abertas, e há um cachorro preguiçoso do tipo mudo, mas que tudo observa. Alguma coisa se passa naquela casa mal assombrada.

Pois hoje eu atravessava tranqüilamente o túnel verde, entretida em pular poças d’água como fosse amarelinha, foi quando levei um susto: um casal de velhinhos, sentados na varanda! Igualmente mudos e observadores. Não moviam uma pálpebra.

Meu coração gelou, errei as contas e enfiei o pé na água. E uma questão me assombrou mais que tudo: será que eles estavam ali mesmo, eu digo, de carne e osso?

Pelo sim, pelo não, fui visitar a reserva.
Coisas de uma prenda desgarrada


Agora dei para acordar cedo – mas cedo mesmo, hoje levantei às 5:30! –, preparar meu café e vir ao micro pegar o finalzinho do programa Pátria Y Querência (apresentação: Glênio Fagundes) na Rádio Cultura FM – Porto Alegre, 107,7.

Vocês podem imaginar. Trata-se de uma programação exclusivamente gaudéria, com pérolas da música nativista – clássicos do Rio Grande; coisas da época em que não existia o rótulo “Tchê Music”, e as baterias e as guitarras elétricas não haviam ainda invadido a nossa doce e bela canção rural. Também toca coisa “muderna”, mas, como diz o Glênio (um gaudério impagável, personificação do tradicionalismo): não precisamos nos descaracterizar.

Reparem só nesses versos (abaixo), refrão da milonga que me embalou o raiar do dia hoje. E tenham uma ótima quinta-feira!

Da terra nasceram gritos
(Jayme Caetano Braun)

Meu canto é rio
meu canto é sol
meu canto é vento

Eu tenho verde
eu tenho pátria
eu tenho glória

Eu só não tenho
terra própria
porque a história

que eu escrevi
me deserdou
no testamento.