12 abril 2002

Mudei de idéia. Vou deixar mais esse texto, antes de viajar. Beijos!
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Quanto vale uma escova grátis?



Bíbi Da Pieve



Imagine que o seu casamento esteja meio sem graça. Precisando de um
tempero - que você cisma em chamar de "investimento".

O Adelmo anda distante, e, quando resolve chegar mais perto, você não quer
saber.

As afinidades evaporaram depois do primeiro ano de convivência. Faz três anos
que vocês se enfiaram nesse quarto-e-sala com paredes descascando. Tudo ia muito
bem, ele até fazia as suas unhas de vez em quando. Mas, hoje em dia, o clima é de
cortar com a faca: mal se olham.

Antes que as paredes desabem de vez - você pensa -, é melhor eu investir no
meu relacionamento.

Pronto. Parece que o mundo inteiro adivinhou suas necessidades: internet,
televisão, revistas, livros e sex-shops oferecem rápidas e práticas soluções para o seu
problema.

Será que isso é um sinal? - você questiona -, ou toda essa indústria já exisitia
antes do Adelmo, e já torcia para que eu o encontrasse um dia, casasse com ele, e,
depois de três anos, decidisse investir num relacionamento mal das pernas?

Não importa. O Adelmo vale o investimento; você saca meia-dúzia de manuais
sobre casamento, uma camisola de rendinha, faz o pé e a mão no salão mais caro, e
ainda sai achando que está no lucro - ganhou uma escova grátis.

Devorados os livros, decoradas as dicas práticas, entendidos os fundamentos
psicológicos das diferenças entre os sexos, alisado o cabelo e lixado o pezinho - você
está pronta para mudar de vida. Afinal, o Adelmo é o príncipe que todas as suas amigas
pediram a Deus (lindo, alto, louro, vinte e tantos), e você prometeu a si mesma um
happy end digno de Hollywood.

Mas faltou um detalhe: um bom vinho, para brindar à lua-de-mel do
investimento.

Atrasada, você passa na delicatessen mais próxima ao quarto-e-sala
descascado, desce do ônibus num pulo, quebra o salto, e cai de joelhos na sarjeta.
Chove muito. O cabelo empaçoca e espiga.

É quando aparece, do nada, o gaúcho Kleiton - que você não vê há uns quinze
anos -, e lhe dá a mão. Você levanta, gagueja; não sabe se ri, chora, abraça, beija ou
engole o salto quebrado.

E você também não sabe há quanto tempo não sente isso, mas desconfia que
faça uns quinze anos - desde que o Kleiton, seu amor platônico de adolescência,
resolvera ir tocar percussão no Canadá.

Agora ele deve estar com quase cinqüenta; é baixinho, careca, meio
barrigudinho, mas continua com o mesmo olhar: desconcertantemente percussivo.
Durma-se.

Mas como, se você não deixou passar uma linha? Se você decorou todas as
dicas, comprou os melhores perfumes, usou os melhores esmaltes - como é que pode,
agora, um batuqueiro sulista vir atrapalhar o seu investimento no Adelmo?

Acontece, minha cara. Esse tipo de Kleiton não escolhe suas vítimas. E a
maioria dos manuais de "felicidade" não vêm com a letra "k" no índice.

Nada contra os Adelmos, os livros de auto-ajuda e as pedicures. É que -
particularmente - tenho uma quedinha pelos saltos quebrados, pelos encontros
inusitados, e pelas tempestades - que são intensas justamente por serem naturalmente
crespas, sem investimento algum.

E sem escova grátis.

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