11 junho 2002

SEU ZEQUINHA E SEUS PROBLEMAS


O seu Zequinha é o senhor que corta a grama aqui de casa. Volta e meia ele aparece, com sua carrocinha e seu cavalinho, e pergunta se quer que corte a grama, vizinha? Quero, sim.
Então ele entra, liga a máquina barulhenta na tomada, e faz barulho e cheiro bom no pátio todo. Mas não pode estar chovendo, como agora.
Entretando, seu Zequinha me apareceu hoje, com chuva e tudo. Não quis fazer barulho nem cheiro bom, a vizinha entende, olha o mau tempo, e parece que a coisa ainda vai longe, tem visto a previsão? Quis foi um dinheirinho adiantado, que lhe falta para comprar o remédio da perna.
A perna do seu Zequinha sofre de um inchume crônico, por conta de uma mordida - segundo ele - de aranha. Já quiseram operar, mas ele não deixou ninguém meter a mão ali, com medo de que dê alguma zebra e acabem decidindo arrancar a perna fora, imagina, como é que ele vai cortar a grama? Não confia.
Então, o jeito é passar um remedinho cada vez que a perna ameaça explodir de tão inchada.
Se bem que a perna nem vale muito, ele comenta, porque já falta um dos dedos do pé. Que a máquina barulhenta pensou que fosse grama, passou em cima, e levou embora junto.
O filho dele, o mais moço, Juquinha, também tem problemas de saúde. Asma, o doutor disse. A Mariana, filha do meio, volta e meia fica anêmica, pobrezinha. E trem problemas de estômago, seu Zequinha acha, porque não pára comida nenhuma lá dentro. Só o filho mais velho, cujo nome nem sei, é que goza de plena saúde. Vai preso de vez em quando, mas, quando solto, é um bom moço. Até prenderem de novo, e aí o coitadinho fica obrigado a pensar besteiras, lá na cela, junto de maus elementos.
Este último, que costuma se hospedar nesses lugares não convencionais, tem até uma filha. Mas a mulher morreu, e o seu Zequinha cuida também da netinha, que ainda precisa de fraldas, muito leite e cuidados especiais. Imagina cuidar de tudo isso, vizinha, só com o dinheirinho que vem da grama?
Seu Zequinha nem sabe, mas acaba fazendo uma bela e utópica metáfora, afirmando que o dinheiro vem da grama.
Na verdade, na verdade, eu nunca via a perna dele, nem o dedo que não tem, nem o Juquinha, nem a asma, nem a Mariana, nem a anemia, nem o estômago, nem o moço que vai preso, nem a netinha, nem o leite, nem as fraldas: nada. Mas contribuo, mesmo assim. Pode ser que ele esteja sendo sincero.
Ou tudo isso é verdade, ou o seu Zequinha acha que o meu dinheiro também dá em grama!!

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