23 outubro 2002

ESTRADA

A estrada que somos na tempestade, a estrada que temos nas veias, a estrada que tece a arte, a estrada de Deus e do diabo a quatro - onde tudo se registra, onde tudo se alcança com sonho e alguma pegada; onde tudo aqui fica, mas também tudo lá passa.

A estrada das migalhas de pão de João e Maria - ilusão de retorno -, a estradinha de papel do primeiro caderno - ilusão de adorno. A estrada imaginária que sai da casinha e leva ao lago, convencional e bidimensional infância, sem ganância, ainda sem aquela ânsia do preto no branco racional.

A estrada giz-de-cera, aquela curva colorida certeira - o ponto de partida ideal.

A estrada que para dentro se embrenha - a estrada-entranha -, uma senha abstrata e estranha do interno de todos nós. A estrada a sós, eterna montanha-russa sem trilhos, vida, ida, vinda, ida, vinda - inferno e céu.

A estrada-trajetória do tiro, a estrada-história da guerra, a estrada-suicídio abismo: a droga.

E a estrada-folga, a pausa; à beira da certeza, a surpresa desagrada: causa errada.

A estrada se contorna, mas não se retorna. A estrada se torce, mas não se move. A estrada se passa, não se pára; não se sabe se terra, se barro, se pedra – nunca se sabe se a estrada é pronta, porque a estrada não se pensa, e não se espera nada.

A estrada é a recompensa.

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