Pelos tubos!
Ressonância magnética da coluna vertebral.
Segmento: lombar.
Data: 16/03, às 21h.
- Senhora Fab... Bab... Bibiana, por gentileza. Por aqui, senhora.
- Pois não (desconfiada. Era a terceira ou quarta pessoa que gaguejava e chamava o meu nome em menos de vinte minutos. Tudo em vão.)
- Seu vestiário, senhora. É por aqui.
- Sei.
- Um minuto. Pode esperar aí dentro, que eu já vou trazer sua roupinha.
Roupinha? Quem esse médico pensa que é? Olha o meu tamanho! Roupinha?
- Aqui está. Pode vestir o roupão, a abertura é para frente. Fique de calcinha, mas sem sutiã. E tire os metais que tiver pelo corpo. O médico já virá falar com a senhora.
O médico virá? E quem é esse cara de branco, então?
Ah, claro: nas clínicas médicas, os médicos são sempre os últimos a falar conosco. É como no mundo do showbiz, sendo que, aqui, o médico é o artista.
Antes dele, há dúzias de pessoas fingindo ajudar, mas que, na verdade, estão é escoltando – ainda que elegantemente – o “artista”. “Posso ajudar?” “Pois não, senhora?” “Por aqui, por favor.” “Tire a roupa.” “Fique só de calcinha.” – tudo são subterfúgios utilizados para que não perturbemos o doutor-artista antes da hora certa: a última.
- Boa noite, moça!
Aquele era o médico. Só pela cara de quem tinha recém saído do camarim. Roupinha enxuta, engomada, sorriso de cabide.
Eu, em desvantagem: só de calcinha, sim, mas com um envelope branco – que eles chamam de roupão – por cima. E só de meias. (Eles fazem a gente se sentir a última das mulheres, acho que é de propósito).
- Oi, doutor.
- Então, o que houve?
Explico o problema. Em 30 segundos, ele se vai. Para todo o sempre – como os artistas. Fica só o perfume.
Volta o moço que me orientou sobre a calcinha:
- Senhora, tranque seu vestiário e traga a chave.
Lá vou eu, devidamente envelopada.
- Deite-se aqui, de barriga para cima. Vou te dar uma campainha na mão. Se você precisar, é só apertar que eu tiro.
- Tira o quê??? De onde?? (Apavorada).
- Tiro você. Do tubo. Você tem fobia?
- Não sei, vamos descobrir juntos. (Ele ri amarelo).
- Olha só. Vou apertar um botãozinho, e você vai entrar naquele tubo.
- Ali eu não caibo...
- Cabe, sim (impaciente). É melhor que não se mexa. Respire calmamente, sim?
- Quanto tempo eu vou ficar entubada?
- Uns 25 minutos, isso se a senhora me ajudar.
- Vin-te-e-cin-co-mi-nu-tos?
- Sim. Não se preocupe, tudo vai correr bem. Qualquer coisa de que precisar...
Nisso, eu já ia adentrando o tubo do moço, sem muito poder de argumentação. Suspirei.
- Evite suspirar.
- Desculpe, não está mais aqui quem...
- A partir de agora, não se mova, não fale, não suspire. Apenas respire calmamente.
Essa gente é engraçada. Primeiro, testam a paciência da pessoa, chamando para mil perguntas, fichas e assinaturas. Depois, humilham, ordenando: “por aqui”, “por ali”, “só de calcinha” etc. Envelope branco. Médico relâmpago. Finalmente, colocam a pessoa num tubo estreito, ouvindo estalos e ruídos mil, e proíbem qualquer movimento ou atitude característica de um ser vivo.
E tome meia hora lá dentro, fazendo e refazendo mentalmente a lista de compras da semana, contando os estalos, imaginando que se está numa rave ouvindo música eletrônica – tomando o devido cuidado para não xingar o DJ, senão a respiração se altera!
(Meia hora depois)
- Prontinho, senhora!
- Graças a Deus...
- Foi muito ruim?
- Por quê? Foi bom pra você?
- Bom, o exame ficou ótimo. A senhora se manteve calma, o tempo que utilizamos foi o mínimo necessário, e...
- Eu sei, já me disseram: eu fotografo muito bem.
Esperança ou a falta dela
Há 3 anos
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