07 abril 2009

Importância e farelos

O sujeito que pesa os legumes finge que se distrai limpando farelinhos de alface lá no outro canto, a quilômetros da balança. Fico abanando minhas cenouras daqui, nada acontece. Sacudo também as abobrinhas e os tomates, lanço mão das batatas: nada, nada. Uma senhora para atrás de mim; outra avalia o preço das cebolas e comenta, bufa e estala os beiços se dirigindo a ninguém, depois vem se unir a nós nesse exercício do nada. O moço da balança finalmente se vira e faz cara de quem está surpreso porque acaba de nascer um pé de senhorinhas enfileiradas desejando pesar legumes. E a cara de importância do cretino?

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Bom, não há quem empacote as compras. Essa notícia a moça do caixa me dá com um gesto nada discreto: empurra as sacolinhas de plástico para onde eu alcance e continua passando os produtos, pi, pi, pi, como se me dissesse “mexa-se! estou fazendo a minha parte!”, pi, pi, pi.

A farinha de trigo está estranhamente empapada de alguma coisa. O açúcar está melado com alguma coisa. O sal está úmido de alguma coisa. Na importante sequência da minha tarefa de empacotar, descubro que a água sanitária é esse “alguma coisa”. Vaza, livremente, através da tampinha de rosca amarela que promete conter até pensamento. E a garrafa de álcool líquido – que já veio furada – é o outro “alguma coisa”. Pronto, há dois itens de limpeza profunda se alastrando pelos meus sacos de alimento numa total falta de cerimônia.

Após breve reflexão, concluo: ao diabo!, eles que se entendam!, já estou fazendo a minha parte. Pi, pi, pi.

E finjo que me distraio limpando os farelinhos do meu pensamento - que, aliás, não veio com tampa de rosca amarela.

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