05 agosto 2001

Defeito é defeito
Bíbi Da Pieve

Tenho ouvido algumas pessoas se referirem às próprias virtudes como se defeitos fossem. E vice-versa.

- Tenho o péssimo hábito de persistir em tudo o que eu quero, até o fim. Ai, como eu sofro por isso. Nunca desisto! Até que consigo. Mas é um defeito, eu sei, tenho consciência disso.

- O meu pior defeito é ser prestativa demais. Impressionante, as pessoas acabam extrapolando, porque sabem que eu nunca digo não. E é verdade, não adianta, eu sempre acabo dando um jeitinho de ajudar os outros... que defeito horrível, mas, fazer o quê? Sou assim, tá em mim.

- Tá vendo esses meus enormes olhos azuis? Que defeito horrível... ninguém presta atenção no que eu estou dizendo, nunca!

E por aí vai. Garanto que você já ouviu esse tipo de "confissão", várias vezes, principalmente dos amigos mais próximos.

Ou será que você também faz isso?

Há duas maneiras muito comuns de "assumir" defeitos: uma delas é essa, acima citada. A outra, o famoso "pedir elogio":

- Ai, como estou gorda...

- Que isso!, olha aqui, a calça está até folgadinha! Deixa de ser boba!

Enfim, sinceridade, que é bom, nem pensar. Depois, reclamamos das dificuldades nas relações interpessoais.

A humanidade está cada vez mais hipócrita, e sequer assume a culpa. Nós, brasileiros, reclamamos "do brasileiro" - como se ele fosse uma terceira pessoa.

Aquela mulher que se acha gorda, lá no fundinho, se orgulha de não ser uma tábua. Mas trata as qualidades como defeitos, e os verdadeiros defeitos - ela é egocêntrica! - como qualidades: ela se orgulha da "boa autoestima", e ainda fala mal da vizinha, que, além de ser uma tábua, ainda não se gosta.

- Você viu? Ela não passa nem um batonzinho!

Todos nós somos especialistas no batonzinho alheio. Se é vermelho demais, tá carente; quer coisa. Se é de menos, não se gosta.

A psicologia de boteco tem dúzias de capítulos referentes a bundas, batonzinhos e trejeitos. Dos outros. Sempre dos outros.

Se houvesse um pouco mais de transparência nas cabeças modernas, talvez tudo ficasse menos complicado. Inclusive o casamento.

Ele reclama, por exemplo, que ela não consegue dizer por que ficou chateada e brigou com ele. Mas é meio difícil - ela reclama - falar com uma ostra.

Volta e meia, como boa ostra, ele larga uma pérola. Aí ela se derrete, mas, horas depois, ele reclama que ela já está grudenta demais; ela então fica revoltada, ele não sabe por quê, pergunta, ela não responde, e ele se fecha como uma ostra. De novo.

Quando estão fazendo as pazes, às vezes, ele até assume que é muito fechado. Mas, na verdade, orgulha-se de ser reservado. E quer morrer assim.

Ela, com jeitinho, assume que poderia ser mais direta e objetiva. Mas, no fundo, pensa que a culpa é do animal insensível, que já está com ela há dez anos, e ainda não consegue adivinhar os seus pensamentos.

Defeito é defeito, e ponto final. Defeito é pessoal e intransferível.

Eu, por exemplo, pinto as sobrancelhas com lápis marrom, e fico me iludindo, pensando que assim você não vai reparar nas manchas que eu tenho nos dois lados do rosto, próximas às orelhas. Besteira. Não adianta disfarçar os buracos da bochecha colorindo a sobrancelha.

Não me leve a mal, mas, se você me disser que tem algum defeito, seja lá qual for, eu vou concordar. Não espere que eu vá dizer que a calça está folgadinha, porque não está. Já chega de tanto rodeio, tanto disfarce. Não vou compactuar com a hipocrisia.

Até porque este é meu maior defeito: sou muito sincera. Modéstia à parte.