20 outubro 2005

Colo


Os filmes na estante em desordem alfabética, a janela sem cortinas filtrando raios intensos do dia que já se acabou, os cabelos esparramados em lisos cachos de um louro meio azul, meio carvão, a televisão chiando (em silêncio) repetições inéditas e velhos anúncios de lançamentos sem previsão de estréia – todo caos é uma questão de ângulo.

Um giro de 90 graus à direita - as orelhas paralelas ao teto, o horizonte perpendicular à razão. Bochecha esmagada em jeans.

Deitada no colo dele: foi assim que ela corrigiu o mundo.

11 outubro 2005

Futuro


Ameaça chover. Jantarzinho de última hora com uns amigos. Ei, essas pessoas que inventam de um tudo: quando é que vão inventar uma pílula que você toma, espera uns 20 minutinhos, e as unhas aparecem feitas?

Comprimidinho vermelho para unhas vermelhas. Comprimidinho café para unhas café. Comprimidinho chocolate para unhas chocolate...

Esse último podia vir com gostinho.

E diet, please.


Dia dos fedelhos

Amanhã é feriado - as ruas, as praias e os shoppings estarão lotados de diabinhos cheios de vontades esperneando gritando batendo pé exigindo sorvetes balas doces Mac’comidas sintéticas cama-elástica pula-pula escorregador laptop da Barbie e do Homem-Aranha mamãe eu quero eu quero eu quero eu quero ficar em casa Deus me livre sair na rua ou almoçar em algum restaurante e levar de brinde um nugget com maionese no meio da testa tô fora.

06 outubro 2005

Erro de gênero


Quando pequena, eu imaginava que meu sobrenome continha um erro de gênero. Em vez de Da Pieve, deveria ser Do Pieve – afinal, Pieve é como todo mundo chama meu pai, que é muito homem. Não entendia o Da. E mais: achava, por conclusão infantil, simplista e doce, que os sobrenomes de todas as pessoas serviam para isto - dizer de quem elas eram.

Assim, um Maurício que fosse filho de um Lopes se chamaria Maurício Do Lopes, e uma Beatriz que fosse filha de um Antunes, Beatriz Do Antunes.

Mas e as mães? Não seriam igualmente proprietárias?

Minha mãe se chama Aninha. E não é que ficaria interessante – Bíbi D’aninha?


Deutschland


E me vem à memória um episódio de infância. Tinha 10 anos, fiz uma viagem à Alemanha com um grupo de 30 colegas e uma professora de música. Minha melhor amiga foi junto, e passamos o primeiro semestre (que precedeu a viagem) fazendo planos - que delícia ia ser aquilo, viver um mês longe dos pais, morando juntas, como faziam as americanas superadultas que iam para a faculdade.

Já no vôo de ida, quebramos o pau. Terminamos aquela amizade de uma vida inteira, ou seja, dois anos. (Dois anos, naquele tempo, valiam muito mais do que valem hoje. O câmbio do tempo é implacável).

Cheguei na Alemanha com dor de cabeça, confusa do fuso, enjoada do estômago, exausta do vôo e da briga com minha ex-melhor-amiga. Pior de tudo: ia ter que dividir o quarto com aquela inimiga mortal por longos 30 dias, já que tudo estava marcado e não tinha volta. Troço desgastante.

No primeiro dia, fomos dar um lindo passeio pela cidade. Impliquei com ela o quanto pude, e ela não revidava, ou porque era mais sensata, ou vai ver que tinha poderes para prever o que eu não conseguia. Lá pelas tantas, não se agüentou e veio me arrancar os cabelos, isso em pleno solo europeu.

A maioria da turma incentivava, outra parte tentava apartar, e a professora se viu desesperada. Os alemães comportados se horrorizavam com a algazarra brasileira, Deus que me perdoe, só de lembrar me arrepio. Gritaria, balbúrdia, gargalhadas altas. Coitada da tia Fulana, uma senhora tão boazinha.

Depois de nos embolarmos no chão – a Alemanha é ótima para isso, porque os carros param na faixa de pedestres -, aos puxões das tranças e bofetões nas orelhas, além das mordidas em casos extremos (há alguma ética nisso tudo, tá pensando o quê?), por final respingamos, uma para cada lado, não sei se por cansaço ou porque o momento implorava uma pausa. Artisticamente, eu digo.

Era a deixa para a única pessoa adulta impor alguma ordem, usando de princípio mais sóbrio, afinal. Deu nem cinco segundos, senti a sóbria mão da tia Fulana pinçando minha orelha esquerda e puxando como quem vai pendurar num varal. O mesmo ela fez com aquela traíra mirim - que me insultava ainda mais, agora ferida e humilhada gravemente diante das outras crianças.

E fomos nos arrastando, conforme as orelhas apontassem o caminho, sei lá por quantas esquinas daquele velho mundo cruel.

Claro que fizemos as pazes em dois tempos, mas aí já era tarde: sofremos as devidas punições. Passamos o dia seguinte enfurnadas numa saleta de fundos, concentradas na árdua tarefa de escolher duas enormes bacias de feijão. No próximo almoço, sairia uma típica feijoada brasileira, para apreciação dos simpáticos alemães que nos hospedavam.

Acho que eles nunca comeram tanta pedra na vida.

05 outubro 2005

Estiagem


Adoro o “almoço executivo” de um restaurante japonês aqui perto. Baratinho, rápido e caprichado. Faço uma cara de cão sem dono (no caso, cã), e ainda faturo uma entrada de sashimi com salsinha e gergelim – afinal, não se deixa uma moça sozinha esperando comida. Hoho, eu e minhas tranças.

- Aqui, dona, um passatempo pr’ocê...

Outra coisa valiosa é ouvir conversa de garçom. Sai cada uma.

- Mulher só dá trabalho. E tem mais, começa já na primeira olhada. Se a beleza resolve olhar pra você, sei lá por que diabo, sendo que está acompanhada pelo namorado, é encrenca. Pode escrever que o corno é forte e vem tomar satisfação.

E o outro:

- É por isso que eu já começo a selecionar na olhada. Não é qualquer mulher que pode me olhar, não.

Olhei pra ele (curiosa).

- Só deixo me olhar se for bonita e rica.

Olhei de novo. Baixinho, atarracado, meio sem queixo, cabelo espetado. Como é?

- Só se for as duas coisas: bonita E rica. Só uma não serve.

É, vai bem chover na horta dele. Galã desse jeito.

04 outubro 2005

Estímulo


- Que coisa. Não é estranho receber um cartão com validade de 06/2008? Parece tão longe...

E meu irmão:

- Não é. 2008 chega rápido.
- Pensa bem! Dois mil e OI-TO!
- Chega rápido.
- Tá, pode ser... mesmo assim, será que até lá esse cartão não vai estar todo escangalhado?
- Nada, esse troço é resistente (dando uns petelecos no cartão).
Pausa. Refletiu um pouco.
- Tu vais chegar mais escangalhada que ele... hihi.

Botoques, rápido.

03 outubro 2005

Tecla “mute”

Tô te volta à terra dos merrmão. Gostei. Fui recebida com um lindo dia de sol. No táxi (Band News FM), já fiquei sabendo que o Garotinho vai fazer uma cirurgia nas cordas vocais e vai ter que ficar 10 dias calado.

Oba, cheguei em boa hora.


Não sei puxar assunto com taxista

Falar em calado, muda eu estava quando entrei no carro, muda permaneci o trajeto inteiro. Não adianta, não sei puxar assunto com motorista de táxi. E olha que adoraria. Fico imaginando palavras, inventando frases e deletando mentalmente em seguida. Fiasco. Direita, esquerda, atrás daquele Corsa - isso não conta, né? Zero a zero.


Pizza

Essa nem eu acreditei, mas é verdade. Uma noite, estávamos cansados e resolvemos pedir a melhor pizza da cidade (que eu já conhecia, mas não tinha o número da tele-entrega). Pedimos uma ajuda ao rapaz do hotel. Não sabia. Ligamos 102. Não havia. Achamos um catálogo telefônico na mesinha de cabeceira, oba!

Procuramos em “pizzarias” – mas cadê a página? Tinha sido arrancada.

Pensamos que algum hóspede mal educado tinha arrancado a página de pizzarias do catálogo. Por sorte, havia outro. Qual não foi nossa surpresa quando verificamos que também a outra lista tinha sido desfalcada da página das pizzarias!

Moral da história: como o hotel também fornece pizzas, deu-se ao trabalho de arrancar as páginas de pizzarias de todos os catálogos telefônicos de todos os apartamentos. Para que nenhum hóspede faminto caísse na tentação da melhor pizza da cidade (que certamente não é a deles).

Que barbaridade!