13 março 2003

JOGUEI FORA

Esmaltes secos, brincos sem par, pomada para tendinite vencida, revistas velhas, Guia do Músico 2001 (sindicato), embalagens vazias, pedrinhas que guardei como lembrança de algo que já esqueci (truque falhou), chaves de cadeados que não tenho, recortes de jornal de cursos que nunca fiz e restaurantes que nunca freqüentei, anéis de gosto duvidoso, cacarecos de cabelo com defeito (os cacarecos, não o cabelo), versos mal feitos (meus, claro), listas de compras que já comprei, já usei e já gastei, guardanapos de avião com frases cujo significado expirou, notas fiscais amareladas, cartões de visita não visitados, grampos enferrujados, objetos decorativos inclassificáveis e muita, muita poeira.

Amanhã vou para a gaveta de roupas íntimas. Mas prometo não entrar em detalhes.


SONHAR COM O CAVALO

Noite dessas eu sonhei que tinha um cavalo. Fiquei pensando.
Sonhar com o cavalo. (...)
Seria porque cansei de sonhar com o príncipe?


OLHA O PASSARINHO

Hoje eu vi um passarinho que era o passarinho mais lindo do mundo. E não era verde.
Era um bichinho pequeno, talvez pouco maior que um beija-flor - não que eu entenda de pássaros, mas imagino. Branco e preto, design perfeito, bico delicado, asinhas apressadas, vôo preciso, pouso certeiro. Uma poesia de ave, eu diria. Com métrica e tudo.

Eu vinha andando pela rua, entretida com cálculos mentais de vencimentos, juros e dívidas, quando aquela preciosidade cruzou meu caminho. E estacionou sua beleza incalculável numa folha comprida que se deitava pela calçada.

“Olha o passarinho” – pensei, mudando de assunto com meus botões financeiros. “Olha o passarinho”, repeti a eles.

Minha testa finalmente soltou um pouquinho a ruga do meio, mas nem durou muito. Logo aquele versinho alado alçou vôo rumo a outra endividada qualquer, decerto para lhe dar o mesmo recado que deu a mim.
Que a beleza existe para quem está disposto a dispensar, por uns segundos, os seus próprios botões e umbigos.