31 agosto 2004

Vejam só que festa de arromba


Domingo foi dia de assistir a um show único (embora duplo): Tremendão - ele mesmo! - e Evandro Mesquita, num só show. O teatro estava lotado: das cerca de 300 pessoas, 250 deviam ser mulheres, a maior parte delas acima dos 40 anos. Imaginem só que festa de arromba.

Fiquei na fila do gargarejo, e gargarejei mesmo. Erasmo Carlos - de calça jeans desbotada, camisa de veludo molhado (ou algo assim) e colete de couro – comandava uma banda competente (um maestro/pianista, um baterista, um guitarrista, um baixista e um saxofonista), se não com o mesmo vigor de antigamente, com certeza com o mesmo talento - carisma, idem. Um pingo de choro engasgou na minha garganta logo no início, quando ele provocou: “Sei que você fez os seus castelos / e sonhou ser salva do dragão”. Essa frase sempre mexeu comigo, não sei bem por quê.

Relembrei as canções que minha mãe tocava no violão e cantava, e eu achava o máximo, quando era pequena. Pensei nos meus pais, na geração deles, em tudo que havia de surpreendente na tal da jovem guarda. E em quantos daqueles hits são pais dos nossos hits de hoje.

Lá pelas tantas, entra em cena o simpático, encantador e 1001 utilidades Evandro Mesquita. Um garotão, camisa de surfista, sorriso fácil. Pulinhos no palco. Aplausos e gritinhos na platéia. O gás do show aumentou, e a nossa participação também; afinal, ele tinha perdido um amor no paraíso. Quem poderia ficar indiferente?

Mais uma cena de cinema à minha frente: infância e adolescência, anos 80, Blitz - o início de tudo, para quem ousa acreditar em ser feliz tendo o rock brasileiro como pano de fundo. Eu confesso, sou uma boba; seja sob o sol, ou debaixo de chuva.

Depois que eu já tinha engasgado, pensado nos meus pais, nos meus tios, em mim, na besteira que fiz em resolver fazer da música a minha vida, e, finalmente, no prazer inexplicável que uma simples escala de blues acelerada causa em centenas de pessoas que sequer sonham – e nem estão interessadas – em saber o que vem a ser uma escala de blues... bom, aí eu pude vir para casa, com o coração meio bobo e descompassado, mas com um sentimento afinadíssimo que me dizia, e ainda insistia: é preciso saber viver.

24 agosto 2004

Sempre ele


Primeiro eu recebi um e-mail:

“Bi,
enviei-te uma caixa de Pandora. Se tiveres dificuldade para a elaboração dos xaropes, favor me ligar.
Boas melhoras.
Um beijo
O Pai”


Duas horas depois, o porteiro me entregava a caixa de Sedex. Abri, com todo cuidado. Dentro: dois limões (sim! Ele enviou limão por Sedex!), um pote de mel, três cartões-postais da minha cidade, uma foto dele (comendo churrasco com uns amigos), uma barra de chocolate, uma caixa de Amanditas, um saquinho de ervas (?) e uma pomada “Bayro Gel”.

Segundo ele havia me explicado dias atrás, por telefone, o kit pomada/limão/mel/ervas servia – ele jurava – para “curar o pé”.

- É pra fazer uma fomentação, filha. Fomentação! – ele repetia, e eu quase podia ver pelo telefone os olhos esbugalhados de entusiasmo.

- Fu... o quê?

- FO-MEN-TA-ÇÃO, tchê! Fiz na tua mãe, e foi o que salvou o pé dela. Falando sério!

Minha mãe rompeu os ligamentos, assim como eu, mas o caso dela foi ainda pior. Teve de encarar a bota ortopédica (o gesso moderno) durante trinta dias. Fora a tala. E o que salvou o pé dela, ele afirma, foi a tal mandinga. Tá bom.

Bastou eu gargalhar no telefone quando ele me perguntou se eu não queria que ele pegasse um avião e viesse, munido dos equipamentos, fazer a fomentação em mim, para ele se ofender. E, quando papai Da Pieve se ofende, sai debaixo.

- Tá bom. Não quer que eu vá, não vou. Mas vou mandar o equipamento pelo correio, sim senhora. Te dou as instruções, e tu fazes aí. Tou dizendo, cura o pé.

Aquilo era uma ameaça. Claro que não levei a sério. Mas ele levou.

E hoje, então, chegou o “kit fomentação”: equipamento mágico capaz de curar os ligamentos rompidos de qualquer um. Pomada, mel, limão e ervas.

- Pai, limão e mel não eram coisas para a garganta? (Passei 20 anos ouvindo isso dele, a cada pigarro – ele se preocupava muito com a minha voz, muito mais que eu: como é que ela vai cantar desse jeito? E vinha com uma colher de mel.)

- No pé, filha. Fomentação.

- Tá sugerindo que eu faça uma caipirinha do meu pé! Isso não vai dar certo!

- Caipirinha, nada. Fomentação. Fomentação. Fomentação!

Quando ele começa a repetir a mesma palavra obsessivamente, já sei que se trata de uma idéia fixa que não vai morrer tão cedo. E, se morrer, ele empalha. Portanto, eu me rendo. Vou seguir as instruções e aplicar a mandinga salvadora.

Mas vou comprar uma Vodka – e fazer, ao menos uma caipiroska!

22 agosto 2004

Eu e meus desligamentos


Meu pé já ficou roxo, verde, azul, amarelo e marrom. Já inchou e desinchou mil vezes. Já doeu, aliviou, fez que ia melhorar, piorou de novo, fez que ia piorar de novo, e melhorou outra vez.
Agora, deu para estar vermelho.

Só posso concluir: depois de tudo que me aprontou nesses últimos dias, está é morrendo de vergonha. Com toda razão.


Coca Light

Vocês viram a cor da nova garrafa de Coca Light???
Trata-se de um prateado meio cinza-azulado, fosco, impossibilitando que se veja o conteúdo. Não sei por quê, parece uma garrafa de astronauta.

É futurista e misteriosa demais para a minha bolinha. E se eu comprar coca light e vier outra coisa dentro? Como, por exemplo, algum suco natural bem saudável? Que garantia eu tenho?

Bah, sou muito ressabiada e prefiro, portanto, a transparência dos frascos.
Aliás, nos sentidos líquido e humano.


No salão

A moça que fazia as minhas unhas, depois de lixar as da mão esquerda, pegou a direita e levou um susto:

- Ué! Tá diferente!
- O quê?
- As unhas. De uma mão são maiores e mais bem formadas que de outra!
- Ah, sim. Isso é porque eu toco muito violão...
- E fica assim, é? (Incrédula)
- Fica. A função de cada mão é diferente, acaba gastando as unhas de modo irregular.
- Ah. (Olhando a mão). E você toca muito mesmo, né?
- Bastante.
- Mas você também canta?
- Canto, sim.
- Aaaah, bom!

Realmente, ela estava aliviada por saber que eu estragava as minhas unhas num violão, mas, pelo menos, cantava. Era como se uma coisa justificasse a outra. Se ela canta, está liberada.

Isso me lembrou de uma história que ouvi do Yamandú Costa, violonista gaúcho virtuoso. Ele dizia que, quando pequeno, tocava violão o tempo todo dentro de casa. A avó ouvia, e parecia mais intrigada que admirada. Certa feita, indagou:

- Tá tudo muito lindo, meu filho. Mas será que você não podia cantar, umazinha só?

21 agosto 2004

Rugas


Rugas são apenas rugas. O pensamento é que são elas.

Quando a gente pensa que o mundo é pesado, o olhar não se agüenta e apela: abre logo uma vala na pele. E a culpa é de quem, cara-pálida?

Hoje eu saí pisando duro e notei um projeto de ruga querendo autorização para se instalar no meu rosto. Não vou permitir. Não quero vala, que vala vira córrego, e córrego vira riacho - e, se choro, transborda. E ainda me dá mosquito.

Melhor tratar de aliviar o traço da sobrancelha, mas usando a pinça para outro fim: pinçando a leveza dos fatos, delineando os afetos.

Que venha o relevo da idade, no tempo exato em que os arquitetos de Deus acharem justo. Mas não me venham propor parceria.

20 agosto 2004

Cultura eleitoral gratuita


Com o início do horário eleitoral gratuito, já estou escolhendo meus ídolos. A primeira delas é uma candidata a vereadora em Duque de Caxias, de nome artístico Elinha. Leia com o “e” aberto, assim: É-linha.

Pois ela achou de fazer um slogan que é qualquer coisa:

“Não é corda, nem barbante
Elinha é quem garante!”

Tem meu voto.


Senhora do destino

Depois que tive a infelicidade de beijar o meio-fio e romper os ligamentos, estou de volta ao sofá em horário integral. Mas, que pena, não gosto dessa novela das 8h. Pra mim, uma novela pode ter bom autor, bons atores, bom argumento etc; mas, se não tiver carisma, dançou. E eu acho que essa Senhora do Destino está sem carisma.

A protagonista Suzana Vieira está uns dois tons acima; a interpretação é caricata e repetitiva. O pobre do José Mayer, de cujo charme sempre fui uma fã declarada, apagou-se totalmente. Está modestamente servindo de escada para a namorada fictícia, e o casal não convence de jeito nenhum. Até o charme dele fugiu das cenas.

Justiça seja feita: Zé Wilker é o que há de melhor na novela. Mas, com aquele núcleo (casa dele) mezzo-pastelão, mezzo-perdidão, não há cena que se sustente boa do início ao fim. Estou torcendo para que peguem o ritmo agora, já que o triângulo amoroso (Zé/Suzana/Zé) parece começar a engrenar. E as cenas de Zé + Zé ainda prometem boas risadas, agora que o jornalista deixou um pouco o lado sisudo e está se entregando ao tom irônico que o momento pede.

Acho eu, né.


Colegas de desligamento

Mamãe Aninha, que tivera os ligamentos rompidos também, no início deste ano, trata de trocar figurinhas com esta filha novata no assunto:

- Não te assusta, minha filha, com as cores do pé. É assim mesmo. O meu começou meio preto, depois ficou roxo. Depois, passou a assumir cores variadas ao longo do dia.

- Cores variadas?

- Sim. Roxo, violeta, verde, rosa, vermelho e azulado. E, vez por outra, um amarelo-fluorescente aparecia, do nada!

Sei. Já estou até vendo, na calada da noite, papai Da Pieve desenhando com marcador de texto no pezinho da bela adormecida, só para ver a cara dela de assustada ao acordar.
Papai não é mole. Hoho.

17 agosto 2004

Cuidado com o meio-fio


Como todos já sabem, torci o pé no sábado de manhã, e estou com gesso até o joelho. Só não estou torcendo para não ser nada mais grave porque, como todos sabem, já torci o suficiente... (hoho, o que acharam do trocadilho infame, logo na saída?)

Passei o dia quicando pra lá e pra cá, num pé só. Para detonar de vez com a minha superstição, ainda por cima o pé que ainda presta é o esquerdo, ou seja, não tem jeito.

Agora começou a doer a lombar (L4 e L5, para os entendidos do assunto), ali onde a minha rica hérnia de disco faz a festa, soberana. Por conta de andar torta, pisando como um ponto-e-vírgula desgovernado, ainda se acentuam as dores da minha escoliose, e... vocês imaginam a cena. A véia está que só geme. Mamãe Aninha, sarada e poderosa, que não me visse nesse estado patético. Ia me deserdar na hora.

Mas o pior nem é isso. O pior é explicar, a cada moço que vem entregar alguma coisa aqui em casa (estou mandando ver no delivery), o que foi que se sucedeu.

- Machucou o pezinho, foi? – Observou o rapaz da padaria.
- Pois é... (riso amarelo).
- E como foi?
- Bom, eu vinha andando pela rua, e... quanto deu mesmo? Trouxe troco pra 20?

Estou fazendo de tudo para não dizer que eu caí foi de madura mesmo. Até pode ficar com o troco, se quiser. Que me estabaquei, gratuitamente, foi por não ter enxergado o meio-fio (que está ali há mais ou menos cinco anos).

Mas, a vida é isto. De vez em quando, sem maiores explicações, a gente é atropelada por um meio-fio que estava ali há cinco anos – e só a gente não percebia.

Capiche?

14 agosto 2004

Agora sou uma mulher de Época

Clique na minha foto e confira a novidade!


BRRRRRRRRRRRRR!!!


Escute aqui: você não se cansa de rir para todo mundo?

Ah, eu canso. Não sei como é que pode você, comadre, andar por aí toda prosa em horário integral, sem pausa nem pro cafezinho, cumprimentando os vizinhos, o carteiro, as babás da pracinha, os porteiros da redondeza e mesmo o seu patrão. Tem hora que chega, né?

Eu tenho pra mim que esse dom de sair na rua mostrando os dentes é uma questão de freqüência: há dias em que tudo bem; mas há dias em que, francamente, vibramos uma oitava abaixo. Dá uma vontade de responder – bom dia por quê?

Nada pessoal, mas tem um sujeito me acordando sistematicamente, essa semana, com uma britadeira ordinária que entra no meu sonho e não escolhe gênero: fura tudo. Romance, suspense, tudo. Se estou sonhando que o Marcelo Anthony enfim está, enfim, cortando salsinha na minha cozinha, entra a máquina e perfura a minha vida. Não me deixa nem provar o sabor da comidinha dele, que dirá o resto.

Ontem eu abri a porta da varanda, furiosa, mirei o assassino de sonhos e sua geringonça demoníaca, pigarreei três vezes. Nem me notou, claro. Seguiu entretido em sua tarefa bizarra de achar um esquilo ou um japonês, o que vier primeiro - só pode ser isso, e rezo para que ache logo, que assim o Marcelo e eu podemos terminar o que havíamos começado. Infelizmente, meu protesto silencioso resultou em absolutamente nada, e o sujeito segue furando o que vê pela frente.

Se a prefeitura quer mesmo mostrar serviço, deveria providenciar um silenciador gigante para essas engenhocas, ou então um concreto não perfurável, ou um barulho não audível. Ou, em último caso, homens sem braço. Qualquer coisa.

O que não pode é eu, uma pré-balzaquiana de hábitos incorrigivelmente noturnos, ficar sendo importunada às poucas da madrugada por um ruído maquiavélico desse calibre. O prefeito sabe quanto custa uma bisnaga de creme antiolheiras? Sabe?

Bom, as eleições estão aí.

13 agosto 2004

25 mil visitas


Buenas!

Desculpem o mau jeito; não fiz sorteio com direito a crônica encomendada para quem fosse o visitante número 25 mil, não fiz cartazes, não fiz filipetas, não contratei carro de som... enfim, não promovi o evento como ele merecia. Mas o fato é que vocês vieram. E o contador registrou.

25 mil vezes, eu escrevendo minhas agruras do cotidiano, da insônia à mesa quebrada ao meio – e vocês aqui, fiéis, habitando minhas ranzinzas linhas. E freqüentando o espaço para comentários para discutirem tópicos relevantes, tais como a dificuldade em se desenhar um bonequinho de mãos para cima com o teclado do computador. Só falta combinarem um cineminha.

Ainda que eu não seja mais o motivo da vinda, orgulho-me de meus dispersivos, poucos e bons leitores. E agradeço, se é que alguém ainda passa os olhos aqui no corpo do blog – e não se dirige direto ao fórum dos “comments”, sedento por uma discussão realmente motivadora. Hoho. Como eu sou má.

Ironias à parte – se é que eu consigo me desvencilhar delas nalgum raro momento de lucidez -, adoro vocês por aqui.
25 mil beijos!

11 agosto 2004

Meu nome é...

- Bom dia, eu queria pedir um táxi.
- Pois não, senhora. Qual o seu nome?
- Bíbi.
- Lídia?
- Bíbi!
- Mirian?
- BÍBI!
- Como?
- Bibiana.
- Viviane?
- Bibiana!
- Lidiane?
- BIBIANA!
- Miriana?
- Meu Deus...
- Quem?
- Patrícia! Meu nome é Patrícia.
(pausa)
- Senhora Patrícia, o cadastro está em nome de quem?
(respiro fundo)
- Em nome de Bíbi.
- Lídia?
- É a tua mãe, ô &*)$&* #*(@#$!!!

(Também não sou de ferro).

***

Mulher é bicho triste...

- Querida, como você esta linda hoje!
- Como assim, “hoje”? Quer dizer que normalmente sou feia?
- Não! É linda sempre. Mas hoje está mais!
- Só porque estou com a cara toda rebocada de maquiagem? Quer dizer que, de cara lavada, sou uma bruxa?
- Não, amor!

Etc e etc, até que ele a convença de que, misteriosamente, ela é o único ser do planeta que consegue estar sempre linda, e, “hoje”, estar mais linda ainda.


... mas homem é bem pior

- Querido, o que você acha desse vestido?
- Curto.
- Não estou falando de comprimento, mas da cor. Prefere esse tom, ou aquele mais puxado pro creme?
- Quem? (Palitando os dentes e zapeando no controle remoto ao mesmo tempo, enquanto pensa na preguiça de levantar para pegar a próxima cerveja).
- Creme!
- Tá ótimo, amor, não precisa de mais creme. Minha mãe só usa creme em dia de domingo, e até hoje está com uma pele de pêssego...
- Creme, a cor, amor! A cor!
- Ah, não entendo de cor. Vam’bora logo! Tu já passou aquele reboco?
- O quê?
- Re-bo-co, aquela massa corrida que você usa no rosto...
- Base, amor!
- Base, creme, reboco...
- Não acredito que você apertou o tubo de pasta de dente no meio outra vez!
- ...tubos e conexões... tudo a mesma merda.

10 agosto 2004

Na rua

Em Ipanema, ontem à noite, estacionei e fui conversar com uma tia que vendia churrasquinho na esquina:

- Oi... será que pode estacionar ali?

E ela, casual:

- Você estacionou no meio da rua?
- Não!
- Então pode.

Quem mandou eu fazer uma pergunta idiota?

***

No salão de beleza

O papo era sobre cachorros. A dona do salão se gabava do Brutus, fiel, amigo, enorme – batia no ombro dela, quando “em pé”. Mas dava um trabalho... E ela gastava um salário mínimo por mês, só em ração!

E a manicure:

- Pois o meu, vira-lata mesmo, quase morreu outro dia. Foi envenenado. Já imaginou, que judiaria? Só se salvou porque eu botei um ovo na boca dele.

E eu, péssima de entrar de bunda no assunto alheio por educação:

- É mesmo? Desintoxica?

E ela:

- Não, OVO! Ovo mesmo. (Como se eu estivesse surda). Puta simpatia. Salvou o cão.

Sabia não.

***

No posto

Desci do carro para abastecer (gás), veio o moço puxar papo:

- Cadê o...?(faz gesto de cabelo comprido)

- O cabeludo?

- Esse!

- Tá em casa.

- É seu irmão, né?

- É.

- Reparei. (Olha para os meus pés). ‘Cês não são daqui, né?

- Não. Do sul.

Ele continua olhando para os meus pés.

- Reparei. Lá se usa isso, né?

- Botas??? (Eu, já intrigadíssima)

- É, botas.

- Sim, lá se usa...

- É cada coisa, hehe. Mas eu também, quando era moda, usava “kichute”.

- Completou, né? Quanto deu?

(Antes que aquele papo evoluísse...)

08 agosto 2004

Vivendo no gerúndio


Fiquei sabendo hoje, depois de 26 anos, que o meu nome significa “vivendo”. Será que é assim, no gerúndio mesmo - vivendo?

Gostei do gerúndio - apesar da forma estar tão gasta, mal usada, mal falada e mal paga -, porque sugere uma certa continuidade que me conforta. Passar a vida inteira no particípio é que deve ser dureza; e, de mais a mais, a verdade é que a gente vai levando.

Muitas vezes, temos a impressão de que a vida está definida; os planos estão traçados, o emprego está garantido, o amor está sacramentado. É só manter o prumo e não fazer nenhum movimento brusco – transar com o cunhado, tomar um porre na frente do chefe etc -, que tudo estará cristalizado no presente, até que a morte nos transforme em passado.

Mas o particípio não se sustenta nas próprias pernas – desaba, quando menos se espera, e caímos de novo na incerteza do crescendo, aprendendo, reinventando. O gerúndio segue reinando, absoluto, como um cavalo em movimento incansável.

Acho que a grande sacada deve ser aprender a dançar em cima dele.


PS: Já reparou como alguns substantivos parecem verbos no gerúndio? Exemplo: mundo. Que, se tirar a terminação de gerúndio (ndo) e colocar a do particípio, fica mudo.

06 agosto 2004

Filme: Encontros e Desencontros (Lost in Translation)



O filme me pegou de jeito. Não sei se foi o meu momento, a madrugada solitária que resolvi usar para este fim, ou alguma outra coisa. O fato é que me vi totalmente abobalhada diante da tela. Cenas sensíveis, cortes interessantes, questionamentos não pretensiosos sobre a condição humana. A paisagem frenética e colorida de Tóquio em contraste com a solidão dos quartos de hotel. Uma menina de 20 e poucos anos e um homem cinqüentão. Ternura, afeto, suavidade. Entrelinhas.

Descobri por que o filme me pegou.

04 agosto 2004

Rápidas


Essa novelinha das 6h é uma gracinha, e eu vou querer um daqueles Tobias (Tubía, como eles dizem) pra mim. Alguém sabe onde vende, a granel?

Vou querer, igualzim. Bem xucro, mess. Às vezes a gente também quer só um tra-bíceps-vesseiro pra encostar a cabeça e babar, tá? Numa noite fria de chuvinha fina. Quem disser que não, é mentira.

***

Minha faxineira é uma fofa. Perguntando, hoje, se eu tinha a tampa daquela panela de pressão. Não tenho. Que, se tivesse, ela podia cozinhar um feijão pra mim da próxima vez, enquanto fazia a faxina, e depois separar tudo em potinhos e pôr a congelar.

Agradeci, sensibilizada. E, orgulhosa, disse ter cozinhado o feijão mesmo sem panela de pressão (ou sem a tampa, o que dá no mesmo). E ela, no ato:

- Eu percebi. Comi hoje. Feijão bem duro.

***

Meu irmão me incomodando para achar a página dos quadrinhos no jornal de domingo, em meio àquela bagunça de jornal espalhado – que, diga-se de passagem, ele faz e eu condeno.

- Não vai achar! Não vai achar! – eu disse, pondo a mão em cima da pilha.

Ele procurou mesmo assim, e achou. Ao que me surpreendi com a minha atitude de mulher madura, enquanto ele ia levando os quadrinhos:

- NO FINAL, O CEBOLINHA VAI PULAR N’ÁGUA E A PISCINA ESTÁ VAZIAAAAA!

Depois me arrependi. Não se faz.

***

Ele saiu, e, na volta, ouvi um barulho embaixo da porta do meu quarto. Era um almanaque da Turma da Mônica, todinho só pra mim.

Tapa de luvas.

***

Hoje, pagando o extrato do meu cartão de crédito, observei a seguinte ironia: pago R$ 40,00 para receber todos os dias, na porta da minha casa, assassinatos, assaltos, desrespeito ao cidadão e ao meio-ambiente, roubo de dinheiro público, chacinas e impunidade.

Quanto será que me cobrariam para assinar só o João Ubaldo, hein?
Pai é pai

26 anos na cara, morando fora (noutro estado) desde os 20. Sexta-feira, depois de ter suado em bicas durante o show, fui comer pizza na varanda do bar e peguei um resfriado. Contei à minha mãe, por e-mail, entre um espirro e outro. E ela, lá, contou pro meu pai, que não hesitou em observar:

- A falta que um pai faz...


Pai é pai - II

1992. Eu tinha recém começado com essa história de banda. Tocávamos na praça de alimentação do shopping da cidade – que, por sua vez, também tinha recém começado com esse negócio de shopping. Eu tinha torcido o pé jogando basquete um dia antes, mas estava ótima, não tinha sido nada.

Minutos antes do início do “show”, a galera já reunida, abarrotando as cadeiras da praça de alimentação; a banda, naquele nervosismo e silêncio pré-primeiro-acorde. Contagem regressiva.

Lá detrás, afoito, meu pai vem abanando alguma coisa no ar. Não quero crer que é ele. Quanto mais se aproxima, mais reconheço o grave esbaforido da voz:

- Filhaaaaa! Filhotaaaaaa! Pera!!!! O pai trouxe um Gelol pro teu pezinho!!!

Como eu queria que houvesse outra filha, outra filhota, outro pezinho, e outro pai maluco que não fosse o meu, a gritar sandices à beira do palco. Como eu era a única menina de banda, olhei para os lados, mas não adiantou disfarçar. O jeito foi sorrir amarelo:

- Não precisa, pai. Pode ir. Não precisa, estou bem. Vai...

Ele não se intimidou diante da minha cara feia (afinal, foi ele quem fez!), e me tirou do sério: com a outra mão, sacou, de súbito, um Toddynho (!):

- Então pelo menos pega o Toddynho que o pai trouxe, faz tempo que não te alimentas...

Bufei, e ele sumiu no vapor da minha bufada. Quem não o conhecesse poderia até dizer que fui áspera com o pobre pai cuidadoso. Que nada.

Cheguei em casa e fui tirar satisfações. Ele se refestelava no sofá, às sonoras gargalhadas:

- Quáquáquáquáquáquáquáquá!!! Essa do Toddynho eu tinha planejado há uma semana! Mas aí pintou esse improviso do teu pé, e eu não tive dúvida: comprei um Gelol e aperfeiçoei o número! Quáquáquá! Foi ou não foi de mestre? Quáquá! Morreu de vergonha! Bem feito! Quáquá!

01 agosto 2004

Minha mesa meia-lua de vidro


Estava aqui, diante do micro, atualizando meus contatos cibernéticos e dando de comer aos vícios virtuais. Foi quando, de repente, um bom pedaço da minha mesa de vidro se foi ao chão, sem a menor cerimônia, como criança que quer alguma coisa e não ganha. Só faltou bater os pés.

O barulho produzido pelo suicídio da mesa foi tamanho, que só não me grudei no lustre porque não tenho lustre. Susto passado, fiquei me perguntando o que teria feito a metade da mesa se indispor com a outra metade desse jeito tão dramático, rompendo abruptamente num divórcio certamente sem chance de volta. Uma pena. Juntas, as metades formavam uma bonita lua cheia. Agora, tenho apenas uma mesa meia-lua de vidro.

Está certo que eu nunca havia entendido direito como encaixar uma mesa redonda nalgum canto da sala, de modo a criar um ambiente (não é assim que os decoradores dizem, ambiente?) charmoso, à minha altura. E ficava arrastando, de lá para cá, a pobre da mesa arredondada, girando, girando, até que ela me parecesse um pouco mais... quadrada. E nada.

Com o divórcio das partes, ao menos consigo encostar a parte reta na parede também reta, e a meia-lua parece estar embutida no concreto. Posso fazer minhas refeições solitárias de frente para a parede, ou até pendurar um quadro com o rosto do Richard Gere para me fazer companhia.

Do café da manhã à ceia, estarei apoiada sobre a metade cheia da mesa, e Richard preencherá lindamente a outra metade.

Quando eu estiver de dieta, inverto a mesa.