27 abril 2004

O dia da minhoca


Um dia você está se arrastando pelo chão feito uma minhoca descabelada, um tanto perdida da vida, filosofando porcarias e comendo biscoito recheado sabor vazio – aquele que não importa, porque você nem está sentindo o gosto. É o hábito.

Pouco melhor seria se você tivesse um nome a zelar, um trabalho importante a fazer, uma festa à noite. Mas você não tem nada disso; você é apenas uma minhoca fútil, coitada, que acordou e deu com o dedinho no pé da mesa mais próxima e gritou um palavrão bem cabeludo. O dia estava só começando.

Minhoca não tem dedinho, eu sei, mas aqui a minhoca é minha e eu ponho nela o que quiser.

A pobre da minhoca gosmenta se põe a pensar na vida, na dela e na dos outros, que ninguém é de ferro. No quanto são sórdidas as relações humanas, sobretudo quando acabam sem deixar vestígios palpáveis, ou seja, em todos os casos. E, meu Deus, quantas vezes a minhoca já passou por isto: um fim fantasmagórico, um evaporar de fatos, de beijos, de atos corriqueiros que se tornam parte do passado sem passar por nenhuma roleta, sem fazer um “bip” que avise aos mais interessados.

Até mesmo os ruídos em forma de gente – pondera a minhoca, enquanto o biscoito esfarela o vazio -, até essas peças perturbadoras da vida nos fazem falta, sobretudo quando vêm com “delay” embutido, aquele efeito que deixa um eco soando, lembrando, incomodando, ando, ando...

De repente a minhoca passa perto de um espelho, e, involuntariamente, ajeita o cabelo despenteado com as mãos, logo depois achando graça daquele instante de vaidade em meio a suspiros e filosofias pessimistas. Um riso fora de foco aparece refletido em sua frente. Uma sonora risada então tira o lugar dos ecos do passado, e uma alegria infantil toma conta do presente – que, afinal, é o único momento infinito de que a minhoca dispõe.

Você, minhoca rasteira, das atividades vulgares do dia-a-dia, dos pensamentos medíocres, das provocações internas, da autocrítica cruel e devastadora; você se traiu lindamente ao espiar no espelho o que a sua razão autófaga não lhe deixava perceber. Ainda que meio fora de foco ou propósito, minhoquinha ordinária, você tem o riso espontâneo. Uma manifestação que vem à tona nos momentos mais impróprios, e derruba por terra toda sua conspiração contra si própria.

Você descobriu o sabor do biscoito recheado que comia: era doce deleite.

25 abril 2004

Um domingo mais que londrino no Rio


Graças ao bom Deus, o Rio de Janeiro amanheceu com chuva e uma temperatura de agradar gaúchos e troianos. Menos os cariocas, claro.

Acordei inspiradíssima. Não, mais que isso: apaixonada. Abri bem a porta da varanda, deixei o ventinho me balançar os cabelos borgonha, foi quando me ocorreu: sou uma cidadã feliz!

Pensei em sair e aproveitar o dia lindo – afinal, não é sempre que São Pedro nos proporciona um ar de Londres no Rio -, e assim fiz: peguei o carro e fui dar umas voltas. Quanta inocência.

Já na primeira esquina, água por cima e por baixo. O meu “clima londrino” era mais que uma paisagem romântica, conforme minha espiada (otimista e abobalhada) pela sacada diagnosticara. Era um toró, mesmo. E dos piores.

As ruas estavam alagadas, e nisso minha inocência acertou, mesmo errando: parecia a Europa. Mais precisamente, Veneza.

Desprovida de remos, e com um pânico absurdo de aquaplanar – que trago desde a infância, sob forma de trauma -, resolvi encarar a Av. das Américas a 40km/h. Mas os demais motoristas, certamente pilotos de anfíbios-blindados-importados-impecáveis, não curtiram muito o meu, digamos, passeio. E fez-se uma sinfonia de buzinas, constituindo um rastro sonoro atrás de mim, como se eu fosse presidente da república, ou ainda mais célebre: um big brother.

Muito bem, eu estava atravancando o trânsito numa das maiores avenidas do Rio de Janeiro. Havia dezenas de motoristas atrás de mim, lançando ruídos de protesto, indignados. O último deles, provavelmente, temia ser encaixotado por um desavisado que viesse a 80km. Os que passavam pela minha esquerda, não raro, convidavam-me para momentos íntimos em suas companhias – ou assim interpretei.

Neste momento, fiz o que qualquer cidadã consciente de suas fraquezas faria: liguei o rádio no último volume. E segui.

Quando, a muito custo, consegui chegar ao hipermercado mais próximo, sofri um misto de alívio e desespero: enfim, havia encontrado uma vaga. No entanto, um outro sujeito tinha a pretensão descabida de enfiar sua lata velha no mesmo espaço que eu avistava. E com a vantagem de ter chegado antes – afinal, eu viera a 40km/h.

Cavalheirismo, nessas horas, é coisa da vovó. Mas eu tentei. Abri meu vidro insul-filmado, joguei um sorriso meio Rachel - do Friends -, passei a mão no cabelo borgonha, suspirei. Levantei a sobrancelha, como quem diz, foi tão difícil arrumar essa vaga, que azar, ela já estava “reservada”, mas será que você não poderia...?

Não. O elemento me brindou com um esguicho de água empoçada, e, antes que eu percebesse, já estava balançando o chaveirinho na cintura, rumo à porta de entrada.

Fiquei dando mais umas voltas, até que consegui uma vaga longínqua que me fez chegar às dependências do supermercado com aparência e bufadas de quem viera a nado. Fora a raiva, que era de morder o cabo do guarda-chuva que eu não tinha.

Feitas as compras e pagas as contas, voltei para casa, sempre seguida pelo coro fiel dos anfíbios automotivos. E me pus a contabilizar as perdas de uma linda tarde de outono no Rio de Janeiro, quando obtive um consolo quase filosófico: quando perdemos, nunca estamos sozinhos.

Consolo esse que me veio da observação de um singelo rótulo: comprei um queijo vencido.

22 abril 2004

Rio

Coisas engraçadas estão mais raras na cidade onde os criminosos dispõem de arsenais bélicos muito bem escondidos, mas que vieram de algum lugar, sim. E ninguém sabe, ninguém viu. Aliás, cada vez mais: não se vê, não se ouve e mal se fala no Rio de Janeiro.

Hoje eu fui andar na rua, fez um dia lindo, e o Recreio é mesmo um privilégio. Não em segurança, que eu mesma já fui assaltada aqui em frente ao prédio. Isso foi em outubro de 98; levaram nosso carro. Mas o Recreio é um privilégio em praia, paisagem, verde, brisa. Dá vontade de comprar logo uma casa enorme com piscina, construir um estúdio na garagem e começar tudo de novo, do primeiro acorde.

Mas, como todo privilégio que se preze, o Recreio é caro. E como.


Moto

Sonhei que tinha uma moto, e olha, eu jamais teria. Não confio em nada com duas rodas e um motor. Mas, no sonho – que é lugar onde tudo pode -, sabe que foi bem legal? Eu aprendia a pilotar aquela tralha em menos de meia hora – sonho é sonho! -, e depois saía deslizando pelas ruas, subia calçadas etc. Levei uma trouxa de roupas para lavar numa lavanderia, e vibrei quando estacionei na calçada, sem ter que brigar por vaga.

Talvez eu esteja querendo ser mais ágil, e não ter que brigar por vagas.


Dica

Quem quiser visitar um fotolog recheado de imagens dos anos 80 clique aqui.

Brinquedos da época, artistas em evidência, novelas, costumes, moda... quem teve infância ou adolescência nos 80 não vai se arrepender de dar uma boa espiada!

21 abril 2004

Absurdo (substantivo masculino)
Contrário à razão e ao bom senso


Me apaixonei por um padre
Fugi da missa aos prantos
Pedi que Deus me absolvesse
Pela absurdez que era eu.

Deus ouviu minhas preces
Veio um anjo me consolar
Me apaixonei pelo anjo
Pela absurdez que era ele.

O anjo virou gente boa
Perdeu a metade do encanto
Desapaixonei em dois dias
Pela absurdez que era aquilo.

Virou uma bela geléia
Do sentimento à magia
Me apaixonei por um bruxo
Ou pela absurdez que sentia.

O bruxo fazia absurdos
Mas não me dava alegria
Desapaixonei de novo
Pela absurdez que não vinha.

Passou um louco na rua
Dizendo só porcaria
Me apaixonei pelo bobo
Pela absurdez que ele tinha.

E assim pela vida eu seguia
Contrária à razão e ao bom senso
Me apaixonava e casava
Desapaixonava e fugia.

Absurdo
(substantivo masculino)

O padre
O anjo
O bruxo
O louco.

Graças a todos eles
E ao artigo bem definido
Trago comigo a certeza:
A culpa nunca foi minha.

18 abril 2004

Da série “Mulher é Bicho Triste”

I - Atrás da perfeição

No banheiro do Barrashopping, uma mulher se olhava insistentemente no espelho. Uns trinta, trinta e poucos anos. Tipo da mulher caprichosa, alinhada; calça e blusa combinando, tudo muito verdinho. O cabelo-farmácia fazia o telhado cor de barro vermelho. Assim, falando, parece gozado, mas o todo era bem comportado. Magra e baixa, ainda.

Entrei, fiz o que eu tinha que fazer, olhei no espelho. Ela continuava naquela. Pose pra lá, pose pra cá, biquinho, mão no cabelo, sobe a calça, ajeita o decote, e tudo de novo. Estou quase saindo, ela me ataca:

- Tá legal, hein?

(Legal, o quê? Se eu estava legal? Ou ela? Ou a roupa? Ou o batom? Ou o cheiro do banheiro? Na dúvida...)

- Sim, muito legal.

- Mas eu digo a calça...

- Justamente. Muito, muito legal. A calça.

- Mas você nem viu atrás!

- Vira, então.

Virou. Até onde eu entendo de bunda de mulher, tudo certinho.

- Continua legal.

- Tem certeza?

- Tenho.

Acho que ela não se convenceu.

- Você não viu, o... o... problema? (De cantinho, cochichando).

O problema, eu já desconfiava, era de ordem psíquica. Mas não quis contrariar. Paciência:

- Que problema?

- Não viu mesmo?

- Na bunda? - arrisquei.

- Meu Deus, você viu!

- Vi nada! Só perguntei, mas não vi problema nenhum. Tem?

- Então, como é que sabia que era na bunda?

Cansei:

- Deus, eu não sabia que era na bunda! Eu não sei da sua bunda, do seu problema, eu não sei de nada! Pra mim, tá tudo jóia: bunda, calça, blusa, tudo! O que há com você, afinal? Tá menstruada? Pode ficar tranqüila que não vazou. É celulite? Imperceptível! Sua bunda me parece uma bunda bacana, normal, uma bunda quase zero km...
- Aí é que está! Você percebeu! Aí é que está!

- Onde? Onde?

- Minha bunda é... eu uso aquelas... comprei ontem, sabe? Aquelas calcinhas que já vêm com a... bunda.

Não é que a bunda era quase zerinho, mesmo? Quase ri.

- Você usa uma bunda falsa. Postiça, é isso? Mas pra quê?

- Porque eu não tenho bunda.

- Ah, não é possível. Bunda, todo mundo tem.

- Menos eu. Minha bunda é reta.

Uma mulher de trinta e poucos, quase chorando na minha frente. A bunda era reta. Eu quis consertar:

- Por outro lado, seus seios não são nada retos, são? Estou vendo que não, hein? Hein? (Risinho de incentivo, como quem elogia criança).

- Eu uso enchimento, também.

Pronto. A mulher era de osso e almofadas! Com sorte, alguma carne. Parei de arriscar; sabe lá o que ainda pode haver de mentirinha nesse corpo. Quis entender:

- Olha, se você usa enchimentos, é porque deve se sentir bem assim. Não?

- Não! Claro que não!

- E por que usa, então?

- Porque sou toda reta. (Me puxou de cantinho de novo) Ninguém em casa!

- Sim, mas agora você tratou de resolver o problema! Não ficou bacana?

- É, acho que sim, mas sinto como se eu estivesse totalmente disfarçada, sabe? Assim, camuflando os erros da natureza.

Sentei. Contou a vida toda. Separou no mês passado. Frágil. Carente. Ainda gosta do ex, que é um canalha. A mãe – uma coroa enxuta, tipo gostosona - vive dizendo que ela é uma tábua, que puxou ao pai: que é uma porta, de burro.

Judiaria. A mulher é super jeitosa! Mas não se gosta.

- Mas você é super bonita, ô...

- Fátima.

- Fátima! Lindo nome. Só tem que se sentir bem, pra ficar mais bonita ainda. E dar um fora nesse canalha de uma vez por todas! Escuta, Fátima, não é possível que você pense mesmo que o seu bem-estar é diretamente proporcional ao tamanho dos glúteos. Não, não é assim que funciona. Funciona você se sentir bem, com ou sem as almofadas - saiu! -, e levar a vida adiante. Pra frente!

Fiquei mais uns minutos, e a convenci a sair dali. Disse-me que já estava há um bom tempo, antes de eu chegar. Senti que melhorou um pouco, mas foi direto ligar pro bundão do ex-marido, com a desculpa porca de pedir que ele fosse trocar uma lâmpada no apartamento que era deles.

- Não é justo, só porque estamos separados, eu ter que trocar as lâmpadas! Não alcanço!

Fiz que concordei, já aproveitando pra me despedir e vir embora.

Divisão de tarefas. Sei.
Queria mesmo era mostrar a bunda nova.

17 abril 2004

Passagem de som no Olimpo - RJ. Setembro/2001



Essa foto foi tirada durante a passagem de som no Olimpo, no dia em que fizemos abertura pro show dos Engenheiros do Hawaii.

Resolvi postar aqui porque foi um momento super legal para mim e para a Analógica, e também para quem não me conhece poder ver como eu sou quando estou feliz.

Em tempo: esse microfone é um Sure Head Set, que eu já usava muito antes da Sandy pensar em ser popstar. Portanto, o primeiro que disser que eu "uso microfone da Sandy" estará sujeito a me ver com menos, bem menos sorriso no rosto. É um risco que se corre.
Hehe.

Outra coisa: essa "pulseira azul" que eu uso na mão direita não é uma pulseira de mal gosto, tá? É só a credencial...

Quem tirou essa foto foi o Master, com câmera de Denise Mieko Insoletrável Yamassake. Beijos!




11 abril 2004

Tive problemas com o blogger nos últimos dias... sorry.

Meus DVDs desse feriado:

Carandiru
(já foi comentado)

Como perder um homem em 10 dias
Título Original: How to Lose a Guy in 10 Days
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 110 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2003
Obs: Comédia romântica com Kate Hudson e Matthew McConaughey. Beeeem bonitinha e engraçadinha, vale o saco de pipoca!

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As confissões de Schmidt
Título Original: About Schmidt
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 124 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2002
Obs: Filme cuja única parte boa é a atuação de Jack Nicholson no papel principal. A idéia também é válida, mas o roteiro podia ter sido apresentada em 30 minutos.

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A última profecia
Título Original: The Mothman Prophecies
Gênero: Suspense
Tempo de Duração: 119 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2002
Obs: De todos, o que mais gostei. Ok, não chega a ser um filmão, mas vale o tempo passado. Estrelado por Richard Gere, trata-se de um daqueles filmes em que “fatos estranhos ocorrem numa cidadezinha lá não sei onde”. Pessoas vêem coisas estranhas, e têm premonições sinistras... você sabe.

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Flashdance
Título Original: Flashdance
Gênero: Musical
Tempo de Duração: 94 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1983
Obs: Eu sei que você já viu, e eu também já vi mil vezes, afinal, o filme é um clássico dos anos 80! Mas deu vontade de ver de novo e ouvir aquela trilha sonora... para quem (por acaso) não viu: um filmezinho ingênuo e doce, musical sobre uma menina apaixonada pela dança.

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09 abril 2004

Sexta-feira da Paixão Solitária


Acordei com o tiroteio na Rocinha – calma, lendo n’O Globo! O dia foi cinzento no Rio, talvez em todos os sentidos.

Ontem eu fui à praia, estava insuperável: vazia, lá perto da pedra. Está certo, cheguei às 16h, e carioca não vai à praia em horário recomendado pelos dermatologistas... eu vou! Até porque sou gaúcha e branquela, com muito orgulho.

Uma dupla de adolescentes não me deixou ler em paz a minha revista, e assim foi ainda melhor. Duas meninas de 14, 15 anos, com aquele sotaque que só as jovens cariocas têm – salvo patéticas exceções – me divertiram por 40 minutos, enquanto eu tomava o solzinho tímido do fim da tarde.

Fiquei sabendo que uma gosta do Guto, outra treme só de pensar no Dado. Ambas vão ao show do Jota Quest – ninguém é perfeito –, e querem comprar os ingressos na área onde se pode ficar de pé.

- Porque ver o show do Jota Quest sentada, ninguém merece!!! - Concordavam.

Hoje, conforme foi dito, não deu praia. Sabe aqueles dias em que você olha pela sacada e parece que vai chover dali a cinco minutos, mas nunca chove? Foi assim.

Me deixei enganar. Nem doeu, sabe? Fiquei o dia todo atirada no sofá, assistindo DVD e alguma novela....

Enfim, uma sexta-feira da paixão solitária.

08 abril 2004

DVD: Carandiru


Vão me desculpar. Eu sei que é politicamente incorreto falar mal do cinema nacional, mas não posso deixar de expressar minha leiga, humilde e despretensiosa opinião: que abacaxi!

Peguei alguns filmes para o feriado. Um deles foi Carandiru, porque gosto de cinema nacional, apesar de tudo. Gosto, me interesso, observo, futrico, sou curiosa e cheia de boa vontade. Não saio metendo o pau de graça, não. E, de mais a mais, não tenho o olhar dos críticos.

Não saco nada de cinema. Sou movida pelo “gostômetro” – gosto mais, gosto menos, e só. Sou também, como qualquer mulher, provida de marés emocionais – o que torna qualquer afirmação minha passível de discordância, mais dia, menos dia, por parte de meus próprios botões.

Isto posto, vou lhes dizer: que abacaxi! (De novo).

Uma hora e meia de filme, o que tínhamos? Uma adaptação grosseira do livro do Dráuzio – esse, sim, vale a pena! -, feita como se fosse às pressas, para gerar logo um filme.

Sabe aqueles discos que o artista grava em cima da hora, por pressão da gravadora? O esquema de marketing já está todo pronto, a mídia devidamente engatilhada, os entrevistadores já têm suas perguntas formuladas – aquelas, que saem da assessoria de imprensa do próprio “artista”.

Ou seja: com essa mesa toda posta, o prato principal acaba sendo um mero detalhe. O que vier é lucro, chuta-se para qualquer lado e o gol é certo. E assim foi.

No caso de Carandiru, pela relevância social do tema e pelo brilhantismo do médico-autor do livro, só por isso, no mínimo, deveria ter sido dada maior atenção à obra cinematográfica. Um roteirozinho, por exemplo, não ia mal.

Sim, porque a espinha dorsal do filme simplesmente não há. Parece mais uma colcha de retalhos, com fatos e frases pinçadas do livro, numa exposição de histórias completamente sem ritmo, sem o mínimo feeling, sem nada. O que salva é, vez por outra, uma atuação satisfatória do elenco – bem escolhido, embora desperdiçado nessa aventura quase non sense, meio denúncia social, meio documentário vestido para festa.

Eu sei, ainda vou enfrentar muitos amigos me dizendo que eu não entendi nada do filme, que estou fazendo um comentário leviano e equivocado. Que venham.

Vai ser difícil entrar na minha cabeça que um filme possa ser realmente bom quando, em vez de nos questionarmos sobre o tema abordado - ou em vez de darmos boas risadas, ou de nos emocionarmos, ou de apreciarmos a arte, que seja! -, de 15 em 15 minutos nos questionamos sobre que diabos estamos fazendo parados em frente a uma tela, com cara de idiotas.

Enfim, eu diria que Carandiru- O Filme daria um ótimo livro. E deu.

07 abril 2004

Sarta um borgonha em camadas aê!


Como seria maravilhoso se assim fosse. Ao meter os cotovelos no balcão de um boteco qualquer, eu pediria:

- Sarta um borgonha em camadas aê!

E, como num passe de mágica, meu cabelo apareceria como está agora: a cor, borgonha. O corte, em camadas.

Tudo bem, nada é perfeito; o processo é um tantinho assim mais demorado. Mas nem doeu, vai. E valeu a pena, muitíssimo.

Um palmo (ou mais) da minha vida ficou na mão da generosa Márcia, que ainda perguntou se eu queria levar aquele rabo-de-cavalo – ok, de pônei! – para casa. De jeito nenhum. E o rico dinheirinho que gastei em terapia, vale o quê? Se eu não souber deixar para trás um naco de cabelo velho, pelo amor de Deus.

Dado o devido sumiço àquele punhado de fios falecidos, permiti que a Márcia deitasse e rolasse com sua tesoura em minha crina: foi aí que o visual reto/simétrico que sempre cultivei em (quase) tudo caiu do cavalo. E ganhei um cabelo em camadas, sem juros, no cartão.

Por fim, aplicaram um tonalizante borgonha no que restou. Pra quem não sabe, borgonha é um vermelho escuro, levemente puxado para o roxo. Quando bate sol, o roxo se assanha mais um pouco. É bacana.

Mas a versão do cotovelo no boteco seria imbatível, admita.
Cinema: alguém tem que ceder


Você já viu? Eu vi ontem. Comédia romântica bem legal, rende boas risadas e admiração aos atores principais – Jack Nicholson e Diane Keaton -, impagáveis nas cenas de comédia, honestos nas emotivas, sem cair na canastrice. Taí, gostei do filme.

Ok, a cena em que Erica (personagem principal) envereda numa crise de choro que acaba se transformando numa espécie de transe é, no mínimo, dispensável. Soa como “pelo amor de Deus, riam!!!”. E já estávamos rindo antes disso. Whatever.

No cinema, comigo, meia-dúzia de casais. E a solteirona aqui, única cabecinha que não aparecia com o respectivo par ao lado.

Quando saí, um consolo: uma dupla de cabecinhas que estava logo atrás de mim não era um casal, mas uma dupla de duas. Mulheres.

Se bem que, hoje em dia, não quer dizer que não fossem.


Estética e paciência

Hoje eu vou cortar o meu cabelão, que já está abaixo da cintura, e seja o que Deus quiser. Claro que não farei um corte estilo (new look) Giovana Antonelli, que tenho pavor de imaginar meu cabelo um dedinho acima dos ombros, jamais ousaria. Vamos devagar com isso.

Cortar o cabelo é coisa delicada. Ir a um salão de beleza já é complicado. Um mal necessário, eu diria.

Não sei de você, mas eu jamais me senti à vontade em meio àqueles espelhos todos, mulheres falantes, ruídos suspeitos – como o do secador de cabelos, por exemplo -, cadeiras esquisitas e velhas Caras revistas (em todos os sentidos).

O assunto geral vai de Giseles a Lumas, passando pelas vicissitudes diárias – um marido preguiçoso aqui, uma filha saliente ali, uns quilos a mais, uns reais a menos. E hoje, mais do que nunca: a babá Gecilda, que ganhou o Big Brother.

Além do básico, o acontecimento mais repetido na minha vida desde que me mudei para esta cidade maravilhosa:

- Oi, eu marquei uma horinha para cortar o...
- Seu nome?
- Não, o cabelo.
- Seu nome?
- Bibiana.
- Hein?
- Com “B” de bola. Bibiana.
- Gozado, não tô achando aqui...
- Tenta Viviana ou Viviane. Soletrei ao telefone, mas, às vezes... (sempre)
- Nadinha.
- Já sei: Fabiana. Deve ter aí, marquei para as 16h.
- Ah, correto. Achei. Desculpe, Fabiana, eu...
- Bibiana.
- Hein?
- Com “B” de bola. Bibiana.

E então vem a clássica:

- Seu nome é esse mesmo?

Minha resposta de sempre, com um sorrisinho: “Sim”.
Comentário dela: “Nossa, que diferente...”.
Minha vontade de responder:

a) Não. Bibiana é o nome do meu marido, eu me chamo João.

b) Nada! Estou fazendo uma pesquisa para melhorar o áudio na telefonia, por isso soletro esse nome e depois venho conferir se ouviram certo. Raramente conseguem ouvir. Não é um absurdo? Prazer, eu sou Maria, melhorando o áudio na telefonia.

c) Não, Bibiana é um nome falso, porque sou procurada pelo FBI, tal como nos filmes. Meu crime? Chacinas em salões de beleza. Acertou: o que eu tenho aqui dentro não é um violão.

Escolha a sua preferida, ainda dá tempo.

06 abril 2004

As sobras


Viva a intensidade de cada momento. Viva cada dia como se fosse o último. Viva agora, já.

Se me permitem a ousadia: um pouco a gente vive no ato, outro pouco deixa pra depois. É assim, assim sempre foi, e assim será. E que nos perdoem os livros de auto-ajuda e os consultores de felicidade.

Ninguém sabe dar de si a quantia exata do que seria o “ideal” para aquele momento. Do contrário não haveria os nadadores – que, não podendo encurtar o caminho a percorrer, tentam espremer o instante, e insistem nessa auto-superação ad infinitum.

É o jeito. Fazer planos, criar expectativas, esperar. A última que morre vem daí; esperança tem quem espera. Embora se saiba que a única certeza é a morte, a verdade é esta: ninguém sequer cogita o próprio fim – porque somos humanos, falíveis e, graças a Deus, bastante tolos.

Todas as vezes que estive num momento importante, apenas me virei como pude. Para conter as lágrimas, para não querer engolir alguém de alegria, ou mesmo tentando “aproveitar ao máximo”: tão somente me virei, dei meu jeito. E passou.

Depois fiquei revivendo o recém-ocorrido, com a quantia que sobrou de mim naquele ato. E digo mais: às vezes o que sobra na panela, remexido, requentado, é ainda melhor que o próprio almoço servido ao meio-dia. Tem o gostinho do nosso aprendizado, o tempero de alguma fantasia, uma ou outra frase acrescida de última hora – mesmo que não a tenhamos dito antes, mas caberia muito bem ali, que mal há? Pode vir com alguma saudade (condimento capaz de transformar o trivial em banquete).

Tudo isso é graças à capacidade que temos de burlar o instante, e levar pela vida algumas sobras de nós mesmos. Aquilo que não foi totalmente usado naquele momento, e que, apertando um pouquinho ali perto da tampa, ainda sai.

Ou alguém pode dizer que não sentiu o mesmo arrepio quando ouviu no rádio a música de ontem à noite?

Sem querer fazer um elogio ao ficar-esperando-sentado, ou ao famoso “quando eu me aposentar, serei feliz”, nada disso. Apenas poderíamos nos livrar um pouco dessa obrigação de ir a todas as festas, estar em todos os lugares, ler todos os cadernos de todos os jornais de todos os dias, seguir todas as tendências, e ainda meditar para ficar (acredite!) zen.

Sei que é difícil; que a roda não pára e, às vezes, ameaça passar por cima. Ainda assim, insisto nas sobras. São aquelas respiradas, as pausas, uma ou outra bobeada: os momentos em que “saímos” do momento. Ali, nos guardamos um bocadinho para depois. São elas, as sobras, que nos permitem passar pela vida e observar, refletir, contemplar. Não só correr, fazer, passar.

E, se nada disso lhe parecer convincente: são elas que nos permitem ser jovem aos 80.

04 abril 2004

Rapidinho, enquanto o frango termina de descongelar

Estou melhorando da coluna. Também, já fiz cinco sessões de RPG! Quando parecia que o inferno nunca ia terminar, enfim, saí animada da última sessão. Parece que as dores estão mesmo diminuindo. Não tá morto quem peleja.

DVD

Sex and the City – Divertidíssimo! Assisti aos episódios com a participação da Sônia Braga. Só não entendi por que ela fala português de Portugal, se a personagem é uma artista plástica brasileira.

A isca perfeita (“Birthday Girl”, com Nicole Kidman e Ben Chaplin) – a história se arrasta durante os primeiros 40 minutos, depois melhora e acaba. Filmezinho para passar o tempo, só.

Chocolate com Pimenta

Quando é que os produtores de elenco da Globo vão se dignar a colocar a (lindíssima) Mariana Ximenez no único papel em que ela realmente arrebenta - o papel fotográfico?

Da cor do Pecado

Impressão minha, ou eles estão mesmo queimando cartuchos valiosíssimos – como Vanessa Gerbelli, Francisco Cuoco e Matheus Nachtergaele numa caricata fórmula de sobrenaturalice pastelão, batida e sem graça nenhuma?

Pai Helinho, quanta criatividade...

Celebridade

Enfim, uma novela que dá para assistir do início ao fim. Com escorregadas, claro, que ninguém é de ferro.

Volta e meia, parece que a trama dá uma rebolada e sai dos eixos. Depois volta, mas esquece alguns pedaços.

A Laura, por exemplo, não tinha decidido conquistar o Fernando? Nunca mais falou no assunto... e olha que não se pode dizer que é uma moça que desiste fácil das coisas!

01 abril 2004

Reprise


Dirty Dancing




Quando o Patrick Swayze me olhou com aqueles olhos de quem sabe alguma coisa que a gente não sabe, achei que nunca mais seria a mesma. Enganei-me: estava era começando a descobrir a pontinha do topete das anteninhas do iceberg daquilo que, ora bolas, já nasci sendo: uma mulher comum, fruto da flor que me pariu na primavera de 77.

Uma guria que usou Havaianas no tempo em que ainda não era moda. Uma fedelha que jogava futebol de botão e brincava de Playmobil com o irmão, enfim, uma seja-lá-quem-fosse, apenas e orgulhosamente qualquer mulher, como você e as outras – e até aquelas, ainda outras.

Patrick foi um amor fugaz, admito. Nem cheguei a colecionar meia-dúzia de fotos da revista Capricho. O que mais me abalou naquele verão que não era meu, com aquelas danças que não eram minhas, foi o sopro que veio junto com She’s like the wind.

Aaaah! Esse, sim, era de todas nós.

Dirty Dancing, um filme bobinho e comercial - com uma trilha sonora, ora melosa, ora dançante, com atores tecendo a história munidos de expressão corporal, coreografias e algum carisma. Só.

Não para nós, quaisquer meninas da época. Para nós era o clima: um sopro entorpecente que nos tirava de onde quer que estivéssemos e nos punha dentro de um lago, nos braços de Mr. Swayze, ao primeiro acorde de She’s like the wind.

Outros Patricks vieram, noutros lagos mergulhamos – em muitos, nos afogamos. Tivemos que endurecer um tanto, em respeito aos sutiãs que nossas mães queimaram, ou por necessidade mesmo.

Algumas de nós estão por aí, cravejadas de piercings e com o cabelo vermelho espetado para assustar o Patrick mais ortodoxo. Outras, mais contidas, enfiadas em suas teses de mestrado ou num chat de namoro. Somos meio antenadas, meio fashion, meio siliconadas. Algumas estão casadas com eles; outras, com elas – aquelas, que também somos nós.

Muitas de nós estão atarefadas demais para pensar no Patrick de suas vidas. Preferem o sexo sem compromisso, doses de caipiroska e anos de análise.

Mesmo assim eu duvido que, na calada da noite, alguma de nós ainda não tenha sido atropelada pelo furacão em que aquele humilde sopro é capaz de se transformar – passados 15, 20 anos.

Bobagem de amor romântico, dirão as mais céticas. Tanto faz. Eu prefiro chamar de sopro – ou vento, ou furacão. Um bocadinho de ar que assume a dimensão que damos a ele, mas se movimenta à nossa revelia.

E te digo mais: sou do time que ainda acha que um sopro a mais não faz mal.