27 fevereiro 2003

COMPRIDAS

Hoje estou assim, de compridas.

Deve ser porque meu cabelo acordou de bom humor, leve e sedoso e organizado, que também eu estou faceira, cheia de viço, prevendo sorte grande.
Eu disse viço? Foi mau, nem sei direito o que é isso.

Afinal, onde já se viço?

Foi-se o viço do cacho castanho escuro que desenha no travesseiro, que se deita no ombro esquerdo, que amanhece amassado e duro.

Viu-se no espelho o cacho inteiro; como se viu caído, achou-se muito maduro.

Serviu-se de escova enorme, armou-se um primeiro penteado, mas que não servia, não surtia brilho, não havia viço, que agonia!

Serviu-se então de uns lenços, uns rolos e uns grampos, que escondia, que enrolava, que prendia. Quem olhasse de longe via até uma alegria, mas quem olhasse de perto via certo que sofria.

Viu-se um cacho de cabelo seco, cabisbaixo. Servia-se de tudo que aparecia, mas nada lhe rendia viço, e quase desistia.

De súbito, achou uma graça qualquer naquela batalha estética patética, e ouviu-se um riso relaxado e franco: era o próprio cacho que sorria, debochando.

E ali surgiu o viço - justamente no timbre do riso, no gesto impreciso da boca do cacho.
Era só isso.