24 janeiro 2003

Uma mulher sozinha e ociosa, numa noite de sexta-feira chuvosa, pensa em pedir uma pizza.

Observa a porta da geladeira, onde pequenos objetos pecaminosos disputam espaço, insinuando que a solução para esta noite estaria num código de sete dígitos. Do cofre, geralmente localizado em alguma esquina próxima, saltará um motoqueiro com capa de chuva e botas, que trará na garupa aquela peça redonda e gordurosa, coberta de queijos amarelos - alguns tão furadinhos quanto irão se tornar as coxas e as nádegas daquela que tiver a audácia de saborear a massa do pecado.

A mulher recua, hesitante. Carboidrato, depois das seis da tarde? – ela ouve vozes , sente um arrepio. Esquenta um pouco de água. Camomila e aspartame.

Meia hora depois, impaciente, cruza e descruza as pernas. Camomila, o cacete. Meia calabresa, meia portuguesa... meia-noite? Já??

Sujou. Se não pode carboidrato depois das seis, depois da meia-noite a pena deve ser dobrada. Imagino que todos os furos da lua na minha bunda, assim, por baixo. Nem pensar.

A mulher sobe na esteira e anda muito rápido, parada, como se quisesse fugir do moto-boy – que nem foi chamado. Ela anda em direção à televisão, onde vê propagandas de liquidação de biquínis, adoçantes dietéticos, clínicas estéticas e uma redonda pizza Sadia. Só pode ser um complô.

Num pulo, agarra o telefone sem fio e digita os sete números da perdição. Antes de atenderem, no entanto, ela tem a idéia que a salvará de todos os pecados, e a levará direto ao reino dos céus.

- Boa noite, faça seu pedido, por favor.

- Boa noite. O senhor tem salada de frutas?

- Não, senhora. Só entregamos pizza.

- Ah, que pena. Então me manda uma gigante, de calabresa com cebola e queijos, muitos queijos.

- Pois não.

A pizza chega, ela devora num tapa, sem culpa. Já é quase uma da manhã.

Ela bem que tentou, mas não pôde fazer nada. Onde iria achar salada de frutas a essa hora?