26 março 2005

Coelho etc

Eu gosto de Páscoa. Tinha aquele negócio de procurar os ninhos - meus pais enfeitavam caixas de sapato e enchiam de ovos de chocolate, depois escondiam pela casa e punham a culpa no coelho. Era divertido; eu quase não dormia na noite anterior, imaginando que o bicho, distraído, podia não me ver e passar correndo pelas minhas costas – aí eu ia morrer de susto, e o bicho idem, coitado, de nervoso, vai ver até que podia evacuar chocolate em cima de mim. Fresquinho!

E eu, que sou gente, ia evacuar coisa de gente mesmo. Sempre tive a barriguinha sensível para sobressaltos - puxei a meu pai.

Aliás, eis aqui um dado importante que talvez explique muita coisa. Diz-se que, quando minha mãe começou a sentir que eu estava querendo sair da barriga dela, meu pai sumiu e não houve quem o encontrasse nas próximas horas. Foi achado, tempos depois, vigiando a porta de um banheiro público. Se alguém se aproximasse, ele punha a mão no trinco, do lado de fora, e fazia uma cara de quem diz – “está ocupado há hoooooras, haja paciência... tem certeza que vai querer?”

Estava ocupado, nada. Estava era ele com medo de que o sujeito usasse o banheiro por, sei lá, cinco minutos, e aí o azar teria sua chance. Melhor era garantir o lugar vago; nunca se sabe exatamente a periodicidade do, digamos, do nervoso da pessoa.

Chegou a tempo de me ver estrear neste mundo, é verdade. Mas não abandonou o banheiro amigo antes do terceiro sinal.
Dão sei o que foi que eu fiz bara berecer isso

Santo Deus, como chove neste feriado santo!
E eu peguei aquela gripe. Aquela, sabe? Eu espero, sinceramente, que você dão saiba.
Atchim!


Ponto P

É muito bom aquele programa “Ponto P.”, da MTV. A voz da Penélope é esganiçada, o jeitão dela é escancarado, as tatuagens são exageradas, os decotes são... enfim, tudo combina com tudo ali: tudo é over-sexy-plus-a-mais. Hilário.

Para quem não sabe, trata-se de uma espécie de nova versão (sem trocadilho com Penélope Nova) do Erótica MTV. As pessoas ligam para lá pedindo conselhos e dicas sobre sexo. A Penélope foi escalada, sabe Deus por quê, para ajudar os aflitos. E mais atrapalha que ajuda, claro.

Mas hoje eu fiquei com pena de uma moça. 23 anos, nunca havia beijado na boca. Disse que ainda não encontrou um cara legal para namorar, e não está a fim de beijar qualquer um. Penélope não ouviu nem mais um pio. Desandou a esculachar a menina, dó nem piedade.
“Na boa, você não é desse mundo!”
“Você devia entrar, sei lá, para um convento!”
“Porra, você é BV (Boca Virgem), gíria de adolescente!!!”

Sacanagem, isso. No mau sentido.


Dino, eeeeu???

Nunca me esqueço, faz uns dois anos, eu estava em São Leopoldo – RS, minha terra. Encostei o cotovelo no bar e me pus a trocar uma idéia com um guitarrista, amigo de outros carnavais - tocávamos juntos na noite, rivalizávamos entre as bandas, falávamos mal das canções alheias, enfim, essas coisas de músico. O papo estava bem gostoso, até. Foi quando chegou um rapaz, e nos reconheceu a ambos. Apontou com o dedo, admirado:

- Mas olha só, que super coincidência! Dois dinossauros do rock se encontrando nesse bar hoje! Data histórica, hein? Vamos tirar uma foto?

Sorri amarelo, enrugado, desidratado, opaco, insosso. Murchei. O pior (e o que mais envelhece) é o não-poder-dizer.

Camarada, dinossauro é a senhor sua mãe.

Não sei por que me lembrei disso agora. Maldita memória jurássica, a duelar com minhas cosméticas boas intenções. (Será que o creme não compinsa?)


Visita de mamãe

Minha mãe me encoraja a fazer as coisas. Acho que este é mesmo um papel fundamental da maternidade: ao ver que o filho está à beira de um abismo, ajudá-lo a dar um passo adiante. Hoho.

Mas ela em muito me ajuda, é verdade. Ultimamente, tem me estimulado a gastar. Indireta e suavemente, claro, como toda mãe deve proceder. Jogou metade das minhas coisas fora, praguejou sobre as minhas panelas, botou defeito na vassoura, veio abanando a pá do lixo no ar: “isso aqui não presta, filha, põe fora e compra outra!”.

Realmente, a pá do lixo não se prestava a recolher a poeira mais fina. Faz sentido substituí-la, e eu vinha pensando no assunto. Havia meses. Confesso, quase um ano. Mas era um pensamento que ia e vinha, ia e vinha, ia e... minha mãe veio e acabou com a brincadeira. Mãe serve para a gente parar de pensar na pá do lixo. Põe fora e compra outra, pô. E ela diz isso com um desprendimento que só as mães têm.

Para ser sincera, a única novidade na minha casa que mereceu elogio foi uma cumbuca de louça branca... que eu ganhei de presente. Linda, é vero, mas eu não achava outra utilidade – além de fazer molho para saladas, e não sou craque nisso. Nem um pouco. Está bem, meus molhos empelotam. Ou ficam aguados. Ou os ingredientes não se dão bem entre si, não pegam amizade, sei lá, que inferno, não se entrosam – e me perdoem, mas não tenho paciência para discutir a relação com temperos temperamentais e azeites escorregadios!

Pois bem, minha mãe achou umas dez utilidades para a tal cumbuca. Assim, ó, com o pé nas costas. Ê, raiva!

Mas não tem nada. Ainda cresço e apareço, vou bem botar defeito lá na pá da casa dela, vai ver só.

E ainda meto a mão na cumbuca.

20 março 2005

Entrevista

Saiu uma entrevista comigo no site Webwriters Brasil - edição de março.
Para acessar, clique em mim aqui embaixo.

18 março 2005

História de taxista


O motorista desandou a falar feito uma matraca. Contou que, quase 20 anos atrás, foi levar uma cantora famosa (não digo o nome, ando pegando tudo que é gripe, vai que pego também um processo, Deus me livre) até a casa dela, que era aqui no Recreio, e quase morreu de arrependimento. Diz que a mulher bebeu todas e veio aprontando da Lagoa até aqui, passou na gravadora (Barra) e xingou meio mundo, depois xingou a mãe de três policiais que pararam o táxi – e ele, claro, morrendo de medo.

Resumo da ópera: saíram da Lagoa às 3h da tarde, chegaram no Recreio perto das 5h da manhã. Ela o mandava parar em tudo que era boteco, e arrumava uma confusão maior que a outra. Sem contar que fazia xixi na rua, na frente de todo mundo. Váááárias vezes.

Quando, finalmente, ele parou o táxi em frente à casa dela e pensou que tinha cumprido a missão, ouviu o seguinte:

- Seu filho da puta, some daqui e eu não vou te pagar nada!!!

Foi embora. “Queria mais era me ver livre dela mesmo”.

No outro dia, ele teve que passar na gravadora para devolver umas coisas que ela havia esquecido no táxi. Ela estava lá, pediu mil desculpas e pagou a corrida. Umas funcionárias foram consolá-lo, dizendo que ela era assim mesmo. Aprontava todas, bebia fiado, brigava com todo mundo. No dia seguinte, fazia todo o trajeto de novo – pedindo desculpas e pagando o povo.

No fundo, era gente boa.

Trata-se de uma mulher que usava drogas pesadas, como era sabido. Hoje em dia, parou com tudo. Benzadeus.


?Hein?

- Uma coca light e um guaraná diet, por favor.
O garçom vai lá dentro e volta:
- Olha, o guaraná diet só tem do normal.


Chico

Ela veio passar uns dias aqui no Rio conosco. Meu pai, marido atento:

- Cuidado aí com o tal de Chico. Foge desse cara, que ele não tá respeitando mais ninguém!
Hoho.

13 março 2005

Não sei explicar

Mas é muito legal. Clique aqui e confira.

***

Calor tremendo por aqui. Meu irmão disse que, em vez do ônibus, tomou uma van para o centro da cidade. Adorou. Diz que é ótimo ficar ouvindo as conversas das pessoas dentro da van.

Um sujeito fazia o seguinte discurso:

- A pior classe é a classe média. Nunca vi. Comem sardinha e arrotam salmão. Um horror. Tá vendo esses carros na rua? Tudo classe média. Compram carros a perder de vista, sabem que não podem pagar, mas compram assim mesmo. Olha esse, olha aquele outro! Tudo no carnê!!!

E o outro emendou:

- É por isso que eu gosto da morte. Não faz diferença de raça, classe social, cor. Leva todo mundo embora do mesmo jeito.

E esbanjava tal intimidade com “a morte”, quem olhava dizia até que já havia estado com ela.

***

A tristeza é senhora
Desde que o samba é samba é assim
A lágrima clara sobre a pele escura
A noite e a chuva que cai lá fora

Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece no quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora

(Caetano)

11 março 2005

Sina


A Cíntia me contou que saiu na rua um dia, de bicicleta, e tinha tanta tristeza por dentro que imaginou que as demais pessoas do mundo tinham a obrigação – ela gritava, obrigação! – de consolá-la. O que fazia aquele estranho garoto de dez anos, arrastando um skate, perdido, suado e desgrenhado, que não estava lhe oferecendo colo? Por Deus, ela só queria um colo!, e tinha tanta gente na rua. E nenhum consolo, nenhum colo.

O que é que fazem as pessoas lá na rua, afinal, enquanto a gente sofre aqui por dentro?

Ela saiu pedalando, assim, do nada, por desaforo mesmo. Quero ver a cara do povo numa hora dessas. Quero só ver a cara deles. Quem vai ter a explicação, quem vai me pedir desculpas por estar distraído olhando as árvores – enquanto eu, tonta de ódio, choro, perda, inconformada, insana, tresloucada, doida varrida, eu não consigo sequer desviar os olhos de mim - e, mesmo assim, fixa e obcecada em mim, sigo não enxergando absolutamente nada?

O pior do sofrimento é a cegueira repentina que ele provoca. Some o chão, some o céu, somem as árvores. Sumiu a vida, sumiu a bicicleta. E a Cíntia sofria de uma terrível falta de tato. Coitada, além de cega era míope.

Não achou consolo nas entranhas nem nos estranhos, não encontrou razão, motivo, nem uma pista, indício. Botou a culpa na sina. Sua avó dizia, é sina, tudo era sina, e a Cíntia também tinha essa doença, então estava resolvido, era como um vírus: pobrezinha, está com sina. Que pecado, uma guria tão bonita.

Voltou para casa, às cegas, mal e porcamente tateando o portão, o caminho, as grades, a porta, o cachorro e a caixa de correspondência. Não havia correspondência alguma. Nada correspondia, ninguém era correspondido. Zero.

O caminho era escuro, o cão era mudo, a porta era dura. As fechaduras que a Cíntia nunca soubera mesmo manipular. Não sabia se abrir, não cabia se fechar. Sentou-se então na varanda - à beira da rua e à beira de casa, no meio, onde não é lá nem cá, no quase, no praticamente, no não concluído e nem começado, no caso abortado, na desistência da experiência, ali onde a vida se insinua e se renuncia ao mesmo tempo, egoísta, não oferecendo chance de avanço ou retrocesso aos mortais.

Ali não existia ninguém, e nem poderia, porque ali não há. Ali se aguarda, nunca se parte. Ali já se partiu, mas ninguém pôde provar. Não há rastro, poeira, dor, história. Ali se anestesia, e só.

Ali a Cíntia encontra paz.

E as pessoas da rua nunca mais a viram por lá.

10 março 2005

As pontas do tempo


Vieram muitas coisas à minha memória nesses dias. Sempre tive a sensação (ilusão? - eu gosto igual) de que, em determinados momentos da vida, as pontas dos lençóis vão se encontrando - e a gente vai dobrando o tempo, aqui e ali, unindo passado e presente num só gesto, numa só reflexão, sacada. Às vezes, num só golpe.

Mas tudo isso é fazer a cama dos dias. Não importa se mais ou menos doces, mas dias, dias e dias – é o que temos por aqui.

Em alguns dias, parece que a coberta encolhe a ponto de se tornar um lenço - e aí se aproveita para chorar. Noutros, sentimos como a navegar por lençóis d’água tão imensos, tão frescos e tão macios, que nos resta relaxar e gozar o balanço. Sem questionar a estrutura da cama, se há cama, se há guarda, se há chão, céu, qualquer porcaria que se crie para submergir de um sonho bom. Épocas de lençóis d’água, das quais herdamos memória aquática - aquela imagem sutil, azulada, tenra, difusa. Bêbada. Algumas coisas eu nem sei se aconteceram de verdade, em qual verdade se deram, em qual colchão ou espuma de realidade. Mas juro que vivi.

Unir as pontas do tempo é lembrar uma fantasia de infância, sem pé nem cabeça, que um dia então inventa de cair – cabeça, pé, corpo, saias, rendas e babados – na sua fase adulta, na maturidade, na velhice. Você arruma um emprego qualquer e o lençol apresenta suas pontas: cai uma pluma do passado no agora, e o barulho produzido é coisa que não se explica. Se apavora, se estranha, se reza, se benze, se admira e se convence. Ou não se convence. Mas a cama vai se fazendo igual, independente da crença.

Eu já me peguei tropeçando nas minhas tranças de menina. Desavisada, achei que eram cobras. Atrevida, quis matar no tapa mesmo.

Só percebo
que são as pontas do tempo
quando abro o berreiro
e não sei mais se sou
a mulher
que chora pelo medo das cobras que não morrem
ou a menina
que chora pela dor dos tapas que não matam.

08 março 2005

Felicidade:
O quadro perfeito
sem a moldura

Às vezes espalha
por tudo

Às vezes escapa
por nada.

03 março 2005

Estou digitando direto aqui na página do Blogger, sem editor de texto e num teclado estranho. Perdoem qualquer letra trocada, please.

Chove sem parar aqui no Rio. A temperatura baixou um pouco, chegou a um nível em que a gente até consegue variar um pouco o pensamento. Nos último dias, vinha pensando uma palavra só: quero-me-atirar-num-poço. Ponto final.

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Vocês viram o Oscar?

A moça do Titanic (que também fez o ótimo "Bilho eterno de uma mente sem lembranças"), vestido e olhos azuis, era a mais bonita do fandango. (Fandango é melhor que "cerimônia", não é? Mais animado).

Johnny Depp tenta fazer o tipo estiloso, coitado, mas acaba ridículo mesmo. Julia Roberts continua linda, e não dá sinais de desistir. No DiCaprio eu não vejo qualquer graça.

Al Pacino, ô, envelhece bem.

Melhor ator para Jamie Foox (Ray Charles), achei superjusto.

01 março 2005

Saudade


Não essa saudade de longe, de um passado remoto, da infância, dos doces, das mãos macias da mãe na nossa testa conferindo a febre. Saudade de perto. Saudade só de rosto, saudade preto e branco e 3x4.

Saudade do que se viu no espelho do banheiro um dia desses - num desses dias que não sabem se vestir conforme a idade que têm: pernocas de fora, teimam em parecer eternamente ontem.

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Agarrou


Não sei de outros estados, mas o carioca diz uma coisa muito engraçadinha que é “agarrou” – para quando alguma coisa ficou presa, trancada, mesmo enguiçada em alguns casos. Então, diz-se:

- Ih! Cuida ali, que o portão ficou agarrado...
- Abre o vidro (do carro), que o cabelo dela agarrou na janela!
- Puxa com força, que essa porta é assim meio agarrada mesmo...

No RS, agarrar é muito mais usado em casos onde o sujeito é um elemento humano; ou, pelo menos, um ser vivente. Dois namorados se agarram. Vá lá, o cão agarra a cadela também. Mas, esse negócio de porta agarrar, primeira vez que vejo é aqui no Rio.

Minto. Minha avó (gaúcha) já dizia:

- Fulano era um baita vagabundo. Foi a mulher engravidar, ele garrô a trabalhar feito um cavalo!

Mas aí não é agarrou. É garrô. E tem o cavalo, né.

Enfim, regionalismos.