01 fevereiro 2003

Absoluto calor no primeiro dia de fevereiro - tem carnaval - no Rio de Janeiro. Céu sem nuvens, praias lotadas, engarrafamentos bem próximos. Pagodinho no quiosque. Cervejinha na areia, empada, paquera, canga, bronzeado cremoso, descanso.

Não participei de nada disso.

Ao contrário – estou enfurnada dentro de um apartamento cujo piso verde e liso me dá muito prazer em andar descalça, e só. Um pouco de tela, confesso, além de boas tecladas com amigos distantes.
Um monitor quadrado, sossego, vento artificial. Nada de sol. Sal, só o das batatas fritas. Ok, você venceu: batata frita!
Foi um sábado sem barulho de chuva, como há muito não tínhamos. Para não dizer que não festejei o fim do mau tempo, sim, eu fui até a varanda. Olhei em volta, mas o sol não me deu a mão. E eu ando meio orgulhosa; se não formalizar o convite, não aceito.
Fiquei.
Não que eu não goste de sol, areia da praia e mar. O caso é que há momentos, não?
Primeiro dia de fevereiro. Primeiro sábado de sol. Primeiro sábado meu, em 2003, no Rio de Janeiro, com bom tempo.
Não dava. Essas estréias todas me inibem.

Como dizia um amigo nosso, guitarrista - depois de passar anos tocando com uma guitarra horrível por falta de grana, enfim comprou uma nova, maravilhosa, impecável. Mas continuava tocando com aquela tralha velha.
Cobrava-se:
- E aí??? Não vai tocar hoje com a guitarra nova???
Ao que ele respondia, sério, quase cochichando:
- Ainda não. Não é o momento. Deixa passar o clima.

“Deixa passar o clima”. Ninguém entendia.
Parecia que, se ele fosse com muita sede ao pote, a guitarra nova iria se desmanchar nas mãos dele, ou coisa assim. Era o jeito que ele tinha de respeitar o momento nobre – comprara, com muito sacrifício, depois de anos de peleja nos bares da cidade, uma guitarra zerinho. Uma Gibson legítima. Imagine.

E o pessoal, afoito, querendo que ele inaugurasse aquela preciosidade, assim, num boteco qualquer!

Podem me chamar de antiga, “nerd” ou bobalhona, mas eu acho mesmo que certas coisas merecem respeito.

Claro que um sábado de sol é só um sábado de sol, e não fui à praia porque deu preguiça, ou porque estou mesmo lesionada das pernas, quem me conhece sabe que ainda estou mancando e toda dura. Mas o pretexto é bom, e o argumento aqui é o que vale: pensar no respeito das coisas. Respeito, palavra antiga, em desuso.

Eu respeito muito as coisas que estão vindo à luz pela primeira vez. E até temo atitudes recém-nascidas, muitas vezes – minhas, inclusive.

São embriões de hábitos, e a gente nunca sabe...