24 fevereiro 2005

Pazes

Voltamos às boas, o servidor e eu, como podem notar. Sempre por intermédio de amigos, claro, porque eu não converso diretamente com ele. E – devo dizer - muito menos ele comigo.

***

Da Conceição, minha manicure predileta, que voltou a trabalhar no salão – não o meu predileto, mas o mais próximo:

- Negócio é o seguinte, dona Bíbi. Quando eu amo, eu amo. Quando eu odío, eu odío!

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Olha a folga do cara da farmácia. Fui pagar uma vitamina C e uma pasta de dente. Ele, animado:

- A senhora é assinante do jornal O Globo?
- Sou, sim.
- Está com a carteirinha aí?
- Estou. Tem desconto, é?
- 12%, senhora. Não é legal?
- Muito.

Enquanto ele mexia no computador, observei que havia também desconto para segurados do Bradesco Saúde.

- Tem também desconto para o Bradesco Saúde?
- Ah, tem sim, mas é só para alguns medicamentos.
- Vitamina C, não?
- Deixa eu ver aqui... olha, tem! E o desconto é ainda maior: 20%! Olha que máximo!

“Olha que máximo”. Tá bom.

- Não quer aproveitar e levar mais uma, senhora?

Caí na cantada dele. Aceitei mais uma vitamina C. Pra quê? Parecia que eu tinha aceito um drinque num barzinho de beira de estrada. Ele era só sorriso. E tinha um par de dentes da frente que, por Deus, ofuscava o resto do elenco. Quase as finadas torres gêmeas. Eu só queria ir embora dali.

- Já viu o nosso catálogo? Tem muita coisa com desconto...
- Obrigada, mas estou com um pouquinho de pressa...
- Ah, vai! Dá uma olhadinha!
- Realmente, preciso ir.
- Os protetores solares estão suuuuper em conta. Você gosta de ir à praia?
- Eu? Com essa cor? Tá bom.
- Eu reparei! Com essa pele branquinha, tem que se proteger...

Aí eu não agüentei, e baixei o tom da voz (em uma oitava):

- É. TENHO QUE ME PROTEGER MESMO. TCHAU, MOÇO, TCHAU.

E vim-me embora, me protegendo da vontade de detonar o casal de protagonistas daquela arcada dentária mal projetada. Ele ia ver o que a minha mão branquinha fechada seria capaz de fazer na fachada odontológica dele.
Ah, ia bem ver.

***

Socorro. O Barrashopping está in-tei-ro em liquidação. Pena que a moda verão é/foi tão coloridinha-floridinha-viadinha-sandalinha-rasteirinha-vestidinho-esvoaçante-rosinha-azul-bebê. Passei só olhando as faixas: “60% OFF”.

Estou 100%.

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Minha faxineira saiu daqui indignada, que não sabia o que estava havendo, se era a cera ou o quê: a ardósia tinha ficado toda marcada. Das pegadas dos meus tênis, aliás.

Dona Leida – eu tive vontade de dizer -, se a senhora não tivesse me avisado, eu jamais teria percebido. Marcas? Pra mim, tava um espelho.

Ando mesmo precisando ir ao dermatologista.

16 fevereiro 2005

Testando. Problemas. Testando. Um. Dois. Alou.

15 fevereiro 2005

Trabalho sujo
* da série: nós não vale um avulso, mas se ama de balaio.

Estamos olhando um daqueles programas de “transformação” (antes e depois) de um canal a cabo. Aparece a mulher sendo transformada. Maquiagem. Cabelo. Roupas.

De repente, entra uma imagem dela “antes”. Meu irmão olha, compenetrado. Suspira lento, e reflete:

- É... alguém tem que fazer o trabalho sujo.
Insônia em 15 marteladas


1. Deram para fazer obras no apartamento vizinho. Começam às 9h da matina. Todo dia. Sábado incluso. Show de bola.

2. Fui jogar o lixo no duto hoje, e dei uma espiadela para dentro. Estão derrubando é tudo. Vai sobrar pouco. Olha, nota 10.

3. À tarde, não bastassem as marteladas – que deveriam produzir um efeito relaxante, ao menos neles -, deram para brigar. Bem alto. Um se pôs contra o outro, a gritar.

4. “TU AGORA VAI MANDAR NI MIM? VAI MANDAR? TU AGORA É QUE VAI MANDAR NI MIM, É ISSO???” (Furioso, o do ni mim. Do outro – aquele que, supostamente, mandava - não ouvi palavra).

5. Fiquei aqui bem quietinha, com medo do pior.

6. E o pior se sucedeu. Ou seja, ninguém matou ninguém, e a destruição das paredes prosseguiu. Na mais perfeita paz.

7. Mas podia ter sido diferente. Tivesse o Mandão Mudo alterado – ou sequer emitido! - a voz com o Gritão Ni Mim, quiçá eu acabasse testemunhando uma tragédia grotesca. Martelo em punho, um ofendido Ni Mim estraçalharia a cuca do colega Mandão (agora Fônico, ex-Mudo), dó nem piedade, até que o sangue do atrevido se misturasse à tinta amarelo-manga cuidadosamente selecionada pelos...

8. Cruzes! A propósito, quem foi que escolheu essa tinta???

9. Não vem ao caso, deixemos o mau gosto de lado. Eu contava sobre a sangueira do Mandão (maldita boca!) esparramada pela ardósia do vizinho, atacado que fora pela mão nervosa do parceiro Ni Mim – a essa altura, já ex-parceiro, uma vez que vivo não trabalha com morto; ou, ainda, no caso do Mandão ser do tipo que agoniza-mas-não-faz-a-passagem, na certa não ia mais querer Ni Mim a martelar tão perto.

10. Fosse eu, não ia querer.

11. Tragédia por tragédia, melhor completa. Vamos que Mandão morra. Ni Mim vai preso, e, na cadeia, desprovido de ferramentas para quebrar tijolos e/ou abrir cocos, acaba também se desapegando desses conceitos rígidos - ni mim ninguém manda, ni mim ninguém isso, ninguém aquilo. Com o tempo, esquece.

12. Mas fica o apelido: Ni Mim. Um dia, a psicóloga da penitenciária pergunta se ele guarda alguma mágoa, ou se lembra quem lhe deu tão ímpar codinome. E a ferida se abre outra vez.

13. “Foi a mulher do 103. A metida que me dedurou. Por isso estou aqui.”

14. Comecei a escrever esta merda de madrugada. Agora mesmo é que não durmo mais.

15. E o pior é que as obras começam às 9h. Em ponto.

10 fevereiro 2005

Closer – Perto Demais
Com: Julia Roberts, Jude Law, Natalie Portman e Clive Owen


Vocês assistiram?

Eu gostei muito. Bom texto, boas atuações, ótima música. Desconcertante em alguns momentos, cruel, sensível, sobretudo: curioso.

Um nó na garganta se instala logo no início, com uma palhinha da balada “The Blower´s Daughter” - do irlandês Damien Rice -, e termina quando sobem os créditos, com a execução da canção inteira.

Me chamou a atenção, e fiquei curiosa para ouvir mais Damien Rice. A música é triste e bela; é despretensiosa, mas o cantor parece honesto e não tem vergonha de soltar a garganta em certos momentos – diferente daqueles vocalistas depressivos-por-encomenda que a gente está cansado de ouvir desde os anos 90, e que se proliferam, cabelinho de recém-acordado, entrevistas para a MTV com aquele tom aborrecido, pés para cima, tipo: estou no sofá da minha sala e minha mãe me traz torradas quando eu grito.

Para isso, não tenho saco. E não tenho filho desse tamanho – por mim, morre sem torrada.

Não conheço Damien Rice, mas a primeira impressão foi boa. Se alguém tiver curiosidade, pode ouvir “The Blower´s Daughter" aqui (clique para entrar no site do filme, depois procure a música - embaixo, à direita).

04 fevereiro 2005

Folia


Passando por aqui para desejar boa folia aos foliões, e boa folga aos (ops!) folgados.

Eu sou da ala da folga. Gosto de sono espichado, conversa arrastada e calça caindo.

Conto um causo. Teve um carnaval aqui em casa, há uns dois ou três anos, que decidimos “cair na folia”. Sim. Apelidamos os nossos colchões de “folia”. Jogamos a folia toda no chão da sala, compramos litros de sorvete e caímos de boca.
Foi um sucesso.

Ano passado, contudo, inventei de ir ao famoso baile do Scala. Não tinha a menor graça morar no Rio e nunca ter ido ao Scala. Adorei, claro. Mas paguei muito caro, explico: a exagerada aqui foi com um salto deeeeesse tamanho, e pulou a noite toda. “Quicar” seria a palavra exata – sambar, não sambo, me falta talento. No dia seguinte, minha coluna - que já não andava nada boa - deu sinal de que ia pedir demissão.

Fui ao médico, e o diagnóstico me tirou do salto: hérnia de disco. Puxa, como isso maltrata a pobre foliã... judiaria.

Portanto, neste ano não estou para briga. Não me chamem, que eu não vou!

Prefiro manter a hérnia sob controle e os dois pés firmes no chão. Sempre no salto, claro.

Que nóis enverga mas não quebra!
Big Mac

Eu sei! Eu sei que vocês estão cansados de passar por aqui e encontrar, em vez de croniquetas engraçadas do dia-a-dia, um ou outro poeminha-fast-food (com a diferença de que ninguém aqui pediu pelo número, mas eu jogo no balcão mesmo assim). Eu sei que vocês estão fartos da minha comidinha sintético-literária. Mea culpa.

Minha sorte é ter cultivado amigos leitores - e leitores amigos - que voltam, faça chuva ou faça sol, ainda que eu não mereça. (Bolero ao fundo - fade in).

Ah, eu sei que vocês voltam. Meu contador denuncia. Almoçam em outros restaurantes, mas dão uma passadinha aqui para o cafezinho. E ainda saem sem fazer barulho, para não me acordar.
(Bolero – fade out. E sobem os créditos).

***

DVD

Diquinhas de filme? Estou um pouquinho atrasada com os lançamentos. Os últimos dois que eu vi (e valem a pena!) são:
Cold Montain – com Nicole Kidman e Jude Law, ambos em brilhante atuação. Drama de amor e guerra, filmão, não percam.
Sobre Meninos e Lobos – suspense barra pesada, com Sean Penn no papel principal. Aplausos mil.

***

Cinema

Faz tempo que não vejo algo realmente empolgante. A continuação de Onze Homens e um Segredo (que eu adorei), Doze Homens e Outro Segredo, vale pelas “estrelas” e pela trilha sonora. Pouco mais do que isso. Meu irmão observou: as tomadas também são muito bem feitas. Vá lá, é verdade. No mais... menos.

Outra experiência pouco feliz foi Os Sonhadores – o último do Bernardo Bertolucci. Aí vocês vão me desculpar, porque eu sei que não pega bem falar mal de filme do Bertolucci, mostra que a pessoa... bem, não sacou a poesia. Para dizer o mínimo.

E eu não só não saquei a poesia, como achei o filme chato, aborrecido. Diálogos do tipo “para causar efeito”, frases jogadas como quem dá uma cartada. Dois meninos pelados e uma menina peluda – pelada -, num jogo sexual que até podia ser interessante, do ponto de vista psi-qualquer-coisa, mas, sorry, ficou muito aquém. E olha que não sou de usar “aquém” gratuitamente.

Várias citações do cinema (uau, clássicos!) funcionam como uma piscadela cúmplice para o expectador cinéfilo, que aí se identifica total. Para completar – já ia me esquecendo -, o filme é sobre o famoso maio de 1968 em Paris, protestos estudantis etc. Outra coisa que funciona. E a trilha é recheada de estrelas do rock dos anos 60. Funciona.

No fim, é muita coisa que funciona - que quer mostrar, que quer dizer, que quer chocar, que quer... o filme quer muito.

Nada contra querer, mas o resultado final não me pegou – nem pela poesia, nem pela crítica, nem pela garganta, nem pelo sexo... Não bateu.

Ou vai ver que eu não peguei, sabe, a poesia.

***

Livros

* Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século

Eis um livrinho fofo, de bolso, que o escritor Marcelino Freire teve a boa idéia de lançar e fez bonito. Nele, 100 escritores foram desafiados a escrever “algo relevante” de até 50 LETRAS. (Isso mesmo, 50 letras!).

O resultado é uma delícia. Você abre em qualquer página e se põe a aperitivar pequenas pérolas literárias contemporâneas – despretensiosas, bem humoradas, e, sobretudo, enxutas.

Tem Millôr Fernandes, Adriana Falcão, Xico Sá, Glauco Mattoso, Márcia Denser, Moacyr Scliar, Fabrício Carpinejar, Jorge Furtado... (e mais 92, naturalmente).
Podendo, comprem!

* Benditas sejam as moças: As crônicas de Antônio Maria – organização: Joaquim Ferreira dos Santos

Mas eu ando enamorada é do Antônio Maria (1921 – 1964), com esse livro de crônicas que é uma aula do gênero – quase todas dos anos 60, publicadas no Última Hora, mas atualíssimas. Pelo jeito, ele era mesmo uma figura. Olha só o que eu tirei do site Releituras, sobre o próprio:

(...)
Carlos Heitor Cony dizia que se o autor fosse mandado para cobrir a posse do papa, voltaria cardeal.

Cony conta: "Um dia, Maria me telefona: — Carlos Heitor, Carlos Heitor, você nunca me enganou." Disse então que, vindo de São Paulo, viu no avião uma mulher linda lendo o livro Matéria de Memórias, de Cony. Aproximou-se, se apresentou como o autor do livro, e a mulher, uma típica apaixonada, acreditou. Pintou para ela um quadro bastante dramático: era um desgraçado, que nunca tinha tido sucesso, que as mulheres o abandonavam. "— Mas, Maria..." era tudo o que o espantado Cony conseguia dizer. "— Fica tranqüilo, Cony, fica tranqüilo porque em seguida nós fomos pra cama. Ou melhor, você foi pra cama." E Cony, curioso: "— E ai?" "— E aí foi que aconteceu o problema" — gargalhava Maria. "— E ai você broxou, Cony, você broxou!"

02 fevereiro 2005

Singela

Tinha, na vida,
necessidade singela:
uma janela com vista pro mar
um homem com vista pra ela.