20 janeiro 2004

Tão sonhado cocô no shopping

Mal sabem eles, mas o verdadeiro prazer de uma mulher, ao evacuar – nos pampas, diz-se “ir aos pés” -, é justamente o de se sentir subitamente mais magra. Com a barriga chupadinha.

Irei ao shopping comprar roupas. Dizendo assim, parece um ato corriqueiro, sem importância. Não é. Trata-se de um verdadeiro ritual, para o qual me preparo com cerca de quinze dias de antecedência – física e psicologicamente, claro.

Vou beber mais líquidos, ingerir frutinhas, iogurtes e demais alimentos sem graça depois das seis da tarde. Vou meditar, à noite, usando mantras que eu mesma criei; são mantras temáticos, por exemplo: “Ooooooommmmmeu-corpo-é-oooooommmmmmmais-magro-dooooooommmmmundoooooo...”

Isto feito com assiduidade impecável, estou finalmente pronta para provar micro-saias, tops ousados e calças de cintura baixa. Chego ao shopping escolhido, e vou me dar ao luxo de almoçar. Afinal, mereço. Alface, tomate, agrião, rúcula, cenoura e repolho. Beterraba, no máximo. Bebo um cafezinho, em seguida, para fazer a digestão.

E saio a bater perna, no intuito de que meu intestino se encarregue de eliminar, tão breve quanto possível, o material recém armazenado. O momento em que a barriga começa a ensaiar movimentos de trabalho é, sem dúvida, o início do alívio. O processo está se iniciando. Estou olhando vitrines, em paz comigo mesma, muito grata ao meu aparelho digestivo. Estou tranqüila.

Disfarçadamente, com um sorrisinho maroto nos lábios, localizo o banheiro mais próximo. Entro, assobiando e balançando a bolsa nos quadris. E vou direto ao que interessa.

Serviço concluso, lavo minhas mãos. E que venham os espelhos, sempre injustos, mas necessários. Que venha o jeans 42, que vai fazer saltar um pneuzinho aqui e ali; vou xingar a confecção pequena da loja, em silêncio, abrir a cortina, e a vendedora assim dirá:

- Nossa, ficou lindo! Valorizou o seu corpão, hein!?

Mulheres não querem ter corpão. Mulheres querem fechar a calça 42, e ela cair lá no pé. Querem que seus namorados as descrevam para um amigo: “ela é alta e magra”, porque corpão tem a mãe da moça da loja, e violão era a sua avó. Admitimos o peito, tudo bem. Corpão, aí já são outros quinhentos. Corpão é eufemismo para termos menos polidos, como balofa, gorducha, cheinha e o pejorativo “gostosona” – que, para mim, também não passa de: “você é gorda, de fato, mas eu quero levá-la para a cama mesmo assim”.

Portanto, o merecido cocô no shopping é um elemento tão importante quanto o próprio ato de provar roupas, ou quanto as roupas, ou mesmo quanto o shopping inteiro e suas redondezas. Fazer cocô no shopping é renovar o organismo, aprontar-se para mais uma missão quase impossível - a de se sentir linda e maravilhosa num espelho ordinário de provador de loja.

É que, na verdade, quando provamos as roupas, estamos colocando nós mesmas à prova. De minha parte, o nível de aprovação sobe muito quando aplico o truque do cocô prévio. Recomendo enfaticamente, e me escrevam se não der certo – que eu ensino outro truque; o do encolhimento permanente da barriga.

Mas o do cocô é melhor, que não deixa a gente azul.