13 maio 2004

O passado virtual (enquanto ninguém se belisca)


Você já dedicou um tempinho a ele. Ou esbarrou, distraidamente, enquanto fazia alguma busca em seus arquivos. Ou, ainda, acordou decidido a investigá-lo – para saber de quem foi o erro, onde nasceu aquela amizade, quem foi que terminou o namoro que nunca começou.

Não disfarce, você já entendeu: estou falando do seu passado virtual.

Todos nós, usuários da internet, temos um passado que nos condena. No mínimo, nos condena a remetentes e receptores de inocentes cartas digitais. No máximo, sabe-se lá. Afinal, que atire a primeira pedra quem nunca cometeu uma sandice cibernética.

Eu sei que você já se sentiu absolutamente ridículo em frente ao monitor, ao menos uma vez na vida. Sei que já sentiu as mais diversas emoções diante dele. Teve vontade de beijá-lo e atirá-lo pela janela, esmagou o mouse com toda força, pensou em morder-lhe o rabo, afundou meia-dúzia de teclas (imaginando transmitir mais “peso” às palavras)... quantas alternativas você marcaria como verdadeiras? Eu, todas.

Assumo que faço uso da internet há quase dez anos, e já fiz muita asneira nos balanços desta rede. Mandei e-mail para o remetente errado com conteúdo totalmente pessoal, respondi para todos do grupo (em vez de acionar o “private”) e paguei o maior mico, fingi ter errado de endereço e pedi desculpas (quando, na verdade, queria mesmo que o conteúdo chegasse àquela pessoa), redigi palavras doces (com a raiva escorrendo pela boca), fui rude (com o coração na mão e cheia de culpa), perdi as estribeiras virtuais e mandei ver (arrependimento instantâneo após o irreversível “send”), enfim, fiz poucas e boas no mundo virtual – e, o que é pior: sofri as conseqüências mais reais possíveis.

A internet tem dessas coisas: é tudo uma grande farsa, enquanto ninguém se belisca. Quando você sente na pele o cutuco de uma gafe, ou a porrada de uma meleca inconfessável que lhe escapuliu “send” afora, aí a coisa muda de figura. É quando a palavra “save” já não vale mais nada, e não adianta apelar para os seus santos, porque está feita a merda.

Assim é que se define o passado: um pedaço de vida que aconteceu e calhou de escapar justo na hora em que você queria dar uma retocadinha, uma revisadinha, uma editadinha... e já não pode mais. Eu sei que é duro. Mais ou menos como quando falta luz e você ainda não salvou nada.

Assim também é o seu passado virtual. Aquele, que começou inofensivo, quando ninguém se beliscava. E passou, sorrateiro, para o lado real.

Sem direito a “Ctrl + Z”.