20 janeiro 2003

No fritar dos miolos


De vez em quando bate repentina vontade - eu diria quase que uma gana – de escrever alguma coisa útil mesmo, não só útil a mim e a meus botões. Aí eu penso bem forte, e me fascina o dom que o ser humano tem de esquentar a cuca até chegar, invariavelmente, à mesma conclusão: De NADA vale o fritar dos miolos. E nada vale a fritada deles.

Duvido que alguém aqui tenha decidido um grande pepino de sua vida, fosse de ordem financeira, emocional ou vegetal mesmo, a partir do raciocínio compulsivo e ininterrupto acerca do objeto pepinoso. O fim da linha, quando se envereda para os lados mui frenéticos da atividade cerebral, é um só: justamente o ponto inicial. Ou seja - anda-se, anda-se, mas não se chega a lugar algum.

Contudo, milhares de seres humanos – nós (quase) todos -, ainda embalados por um sotaque cartesiano e mecanicista, pensam que têm acima de seus pescoços as respostas certas para todas as perguntas do mundo. Sua cabeça é seu mestre.

Parece mentira, mas, por mais que digamos que não, ainda estamos absolutamente deslumbrados e apaixonados por nossas próprias cacholas. O cérebro, como é incrível!

Tive uma idéia. O cérebro. Estou sendo sensato. O cérebro. Pensa bem. O cérebro. Sou inteligente. O cérebro.

E o resto?

Partes menos nobres da anatomia humana recebem tratamento de segunda ou terceira classe. Algumas são até sinônimo de palavrão, tamanha má fama. Outras, coitadas, são completamente ignoradas durante boa parte da vida. Uns até morrem sem saber.

O que é mesmo um clitóris?

O clitóris veio à tona depois da “revolução sexual”. Mas o cérebro nunca precisou de revolução nenhuma.

Caberia, a essa altura do campeonato, uma verdadeira revisão: afinal, até que ponto eu devo minha vida às engrenagens da razão?

Quantas vezes eu gastei neurônios, insistentemente, achando que resolveria um problema enorme - quando a resposta estava na asa da borboleta colorida que pousou, sem querer, na roupa branca que secava ao varal?

As coisas estão por aí, vagando; muito mais do que aprisionadas na nossa caixa craniana. O tutano pode ser muito, mas o mundo é mais.

Às vezes, uma simples olhada em volta revela o que o raciocínio lógico jamais conseguiria compreender. Yes, nós temos antenas, e elas servem para captar o que não caberia dentro de nós, mas tem passe livre para entrar e sair na hora em que bem entender.

O problema de superestimar o cérebro é justamente dar um nó nas antenas, e obstruir caminhos alternativos de percepção. Fecha-se um círculo vicioso, forma-se um entra-e-sai contínuo de informação, e não há espaço para RENOVAÇÃO.

A única forma de renovar o ar é expirando, para depois inspirar de novo.

Assim funciona com as idéias: não adianta fritar os miolos, se não houver espaço para as antenas brincarem de nariz da alma.