27 fevereiro 2003

COMPRIDAS

Hoje estou assim, de compridas.

Deve ser porque meu cabelo acordou de bom humor, leve e sedoso e organizado, que também eu estou faceira, cheia de viço, prevendo sorte grande.
Eu disse viço? Foi mau, nem sei direito o que é isso.

Afinal, onde já se viço?

Foi-se o viço do cacho castanho escuro que desenha no travesseiro, que se deita no ombro esquerdo, que amanhece amassado e duro.

Viu-se no espelho o cacho inteiro; como se viu caído, achou-se muito maduro.

Serviu-se de escova enorme, armou-se um primeiro penteado, mas que não servia, não surtia brilho, não havia viço, que agonia!

Serviu-se então de uns lenços, uns rolos e uns grampos, que escondia, que enrolava, que prendia. Quem olhasse de longe via até uma alegria, mas quem olhasse de perto via certo que sofria.

Viu-se um cacho de cabelo seco, cabisbaixo. Servia-se de tudo que aparecia, mas nada lhe rendia viço, e quase desistia.

De súbito, achou uma graça qualquer naquela batalha estética patética, e ouviu-se um riso relaxado e franco: era o próprio cacho que sorria, debochando.

E ali surgiu o viço - justamente no timbre do riso, no gesto impreciso da boca do cacho.
Era só isso.

26 fevereiro 2003

DEZ MIL

Estamos com quase 10.000 visitas.
Acho o número tão bonito, que proponho: o visitante que chegar aqui e registrar dez mil visitas pode - e deve - sugerir um tema, qualquer tema. Serei obrigada a escrever uma crônica sobre esse tema.
Que tal?
Beijos, até as 10 mil visitas !!
(Tem que ser honesto, hein?)

25 fevereiro 2003

CURTAS

- Hoje estou assim. De curtas.

- Filosofia de coturnos gaudérios: não tamanco quem peleja, tchê. (Inspirado no último texto, sobre os tamancos).

- O Rio de Janeiro teve uma “segunda sem lei”, como anunciava o jornal O Globo de ontem. Que bom se fosse só a segunda.

- Sentou-se ao meu lado no ônibus, ontem, um cara com a maior cara de Evandro. Calça jeans, pastinha, camisa de botão, óculos de sol. Bronzeado, cabelo curtinho. Trinta e poucos.

- Seria um perfeito Edu, mas, como era um pouco malandro demais, era Evandro. Ou devia ser.

- Evandro fez uma ligação. Evandro visivelmente era um desses apaixonados carentes, mas tratava a moça com uma formalidade broxante, usando “ok” e “correto” quando queria concordar com algo.

- Como é que eu sei que Evandro era apaixonado carente? Ora, porque ele pediu, quase implorou que a moça ligasse para o escritório dele naquela manhã, a fim de “combinarmos algo para logo mais, ok, correto, ok”.

- Homens dificilmente sabem o que dizer. E NUNCA sabem o que NÃO dizer.

- Como não querem passar por inseguros, preenchem frases vazias com “ok, correto e ok”.

- Estou sendo injusta. Cabe definir a faixa etária: apenas homens com mais de 30 e menos de 50 são assim.

- Parece que eles têm vergonha do jogo da conquista e da sedução – a não ser, é claro, que sejam casados. Os casados são sem-vergonha, mesmo.

- Os homens com menos de 30 são deliciosamente adolescentes.

- Os homens com mais de 50 são deliciosamente adolescentes.

- Essa fase aí do meio é que é problemática, porque eles acham que são “gente grande”.

23 fevereiro 2003

Meu (prometido) episódio com os tamancos


Eu sempre fui uma menina sem frescuras, sem papas na língua e sem tamancos. No tempo em que morávamos na casa emprestada da Vó Manoela, eu vestia camiseta do Grêmio e chinelos Havaiana, e ia andar de bicicleta com meu pai e meu irmão. Íamos até a pracinha, onde eu andava em círculos e sonhava em linha reta.

Cresci assim, desprovida de vestidinho e salto, mas sem jamais soltar as tiras.

Foi no Natal passado, e somente no Natal passado, que minha madrinha Maristela, aquariana e amalucada (com perdão do pleonasmo), deu-me de presente o meu primeiro par de tamancos. Belíssimo. Altíssimo. Chiquérrimo. Praticamente um móvel a serviço de meus pés.

Tão feliz e afoita fiquei, que já calcei o presente ali mesmo - deixando meus habituais tênis humilhados, num canto, à espera de pés menos afortunados que os meus. E fui ao salão de beleza mais próximo, a fim de lavar, pintar e polir meus dedinhos outrora enfurnados na minha mais absoluta falta de tamancos.

- Olá, quero fazer os pés! – eu disse à moça do salão, enquanto girava suavemente um dos tornozelos, como quem diz – sabe como é, estou de tamancos...

Parece que ela entendeu o recado. Meus pés ficaram viçosos e brilhantes como nunca.

Agradeci e saí rebolando; fui ao supermercado estrear meu novo “look” – como diria alguém do mundo “fashion”. E era assim que eu estava me sentindo: “fashion”.

Já nos primeiros 100m de calçada, contudo, notei que alguma coisa não ia tão bem naquele Natal de salto alto. Andar num par de tamancos imensos requer certas habilidades que as Havaianas nunca me exigiram, e, pior ainda: havia óleo na pista. Muito óleo.

A moça do salão, evidentemente mal intencionada, tinha empaçocado meus pés com um ordinário creme hidratante que, misturado ao suor que escorria do meu nervosismo óbvio, àquelas alturas, transformava-se numa ameaça à minha posição vertical. A cada passo dado, eu ia empinando o corpo, como quem tem pressa, e iniciava uma luta inútil em direção contrária – inclinando-me para trás, no afã de travar aquele desequilíbrio que, fatalmente, me levaria à capotagem.

Quanto mais brigava contra o óleo na pista, mais deslizava tamanco abaixo. O nariz no chão era questão de minutos.

Cheguei ao supermercado em tempo recorde, e me agarrei ao primeiro carrinho que havia. Foi minha perdição. O amigo-da-onça, ao invés de me brecar, dava-me mais velocidade ainda.

Apavorada, fui troteando como podia. Se soltasse o carrinho, àquela velocidade, certamente andaria uns dois ou três corredores lambendo o chão. Segurei-me ainda mais forte nele, e fosse lá o que Deus quisesse.

Nem preciso dizer que não comprei uma lata de milho. Naquela pressa, era impossível.

Quando cheguei à prateleira dos congelados, esbaforida e desiludida, topei ainda com maior falta de sorte: uma senhora desastrada deixara cair uma lasanha à bolonhesa bem na minha frente, e foi o fim do meu cooper. Meti o pé naquele tijolo gelado, de modo que não vi mais nada.

Devo ter voado uns metros. Quando despertei daquele pesadelo, enfim eu me achava absolutamente parada; literalmente abraçada, pernas e braços, num cabide giratório recheado de – pasmem! – Havaianas.

Minha sorte, se é que se pode assim dizer, foi o providencial defeito do cabide: ele estava emperrado, não girava. Caso estivesse funcionando, provavelmente eu estaria, até agora, naquela órbita de chinelos.

Mas, Deus é pai. Depois de uns minutos agarrada àquelas que, comprovadamente, não soltam as tiras, caí de bunda no chão. Quanto prazer eu sentia em estar esborrachada naquele corredor, imóvel, livre daquela sensação de “Velocidade Máxima” que me afligia desde o salão de beleza. Quanto alívio.

Refeita do susto, levantei-me, não sem antes experimentar um belo par de Havaianas – que já saí calçando, mui agradecida e tranqüila. Nada como um produto de confiança.

Chegando em casa, pendurei os tamancos. Eles estão mais seguros na parede do meu quarto.

E eu, mais segura bem longe deles.

22 fevereiro 2003

Tem dias em que acordo com aquele gás: zero. Preguiça até do fio dental, sabe como é? Hoje foi assim.

Um sábado lento, tenebroso. Ensolarado lá fora. Banhistas se debatendo no engarrafamento rumo à orla – a “boa vida” do fim de semana. Tumulto e mais tumulto. Tô fora.

Aqui dentro de casa, contrariando a preguiça, rolou uma faxina daquelas. Hoje eu ouvi muito rock’n roll, que também acordei com preguiça daquele pessoalzinho da (gravadora) Trama - que virou prato-feito das rádios MPB. Tem dó!

Acordei e já virei um copão de Nescau, energia que dá gosto, para ver se deixava de me arrastar e passava a viver um dia normal, tipo pessoa-humana mesmo. Necas. Meu estômago embrulhou com aquele achocolatado triplo; senti que a peleja estava só começando.

O sol acenou lá fora, eu rebati com um bocejo imenso. Não estou pra brinquedo, não sei se notas.

Caí na cama de novo, dessa vez com a cabeça para o lado dos pés e os pés para o lado da cabeça. A posição invertida muito me agradou – dormi mais um tanto.

Acordei de novo, crente que estava em Garibaldi, num hotel onde costumávamos nos hospedar quando íamos tocar no Bar do Joe (que saudade!). Hotel Pieta. Mas o friozinho que eu sentia não era da serra gaúcha; era do ar condicionado, mesmo. Lá fora, uns 40 graus me lembravam do verão carioca. “Caracas, ninguém merece”.

Voltei a cochilar, e do cochilo fui ao ronco mais profundo, e do ronco a Garibaldi. Outra vez, do verão carioca à serra gaúcha em menos de dez minutos. É por essas e outras que eu sou tão boa de cama...

Quando o “carro das mantas” passou aqui em frente, tornei a encarar a realidade barulhenta e infernal que me aguardava.

Contra o barulho, só mais barulho: Fluminense FM.

Vassoura, pano, luvas, água sanitária, Pinho, Sapólio, escova, esfregão... enfim, um sábado realmente rock’n roll. Quase trash metal, eu diria.

Só parei quando o piso brilhava de modo a ofuscar o sol, que já se punha lá fora, envergonhado. Optimum.

Banho tomado, tracei um caldo de feijão para repor as energias. Quer mais?
Me deixa, que agora vou ver o Zé Mayer na tevê.

Porque hoje é sábado.

21 fevereiro 2003

FIM DA GREVE

Buenas!

Minha polêmica greve era somente para confirmar o óbvio: vocês não me dão o mínimo apoio! Recebi ONZE protestos contra o meu próprio protesto, e, incrível, NINGUÉM me perguntou onde estava minha insatisfação, quais eram minhas reivindicações, minhas exigências...

Vocês não têm vergonha?

Eu nem deveria ter terminado a greve. Prometi a mim mesma que só voltaria a escrever quando alguém me perguntasse o que eu estava querendo. Nada. Ninguém deu pelota para os meus sentimentos, ninguém quis saber. Só queriam protestar.

Estou carente, oras! Que mulher não fica carente uma vez ou outra, ainda que seja moderníssima, independente, forte, segura, confiante, invulnerável, antiderrapante, firme, convicta, sagitariana e, talvez, um pouco mentirosa?

Quis um afago virtual, mas, em lugar dele, o que recebo? Pedras.

Está certo. Quem mandou eu inventar carência numa hora dessas? Quem mandou?

Viram como está meu texto hoje? Cheio de interrogações, todo inseguro. Viram? Culpa de vocês. Sou contra isso, sou contra. Não gosto desse tipo de texto que dialoga consigo próprio, mais parecendo que o leitor não está ali para formular suas próprias perguntas.

Não sou muito de interrogações, e ponto final.

Mas o que eu posso fazer? Vocês me obrigam! Onde estão vocês, quando eu mais preciso? Quando eu questiono a nossa relação, analisando tudo, desde o dia em que nos conhecemos até o momento presente, onde estão vocês?

Ausentes.

Assim fica difícil. Queria que vocês se olhassem no espelho agora, para verem exatamente o que eu estou vendo: esse ar casual, mera ruguinha no meio da testa, pensamento meia-boca - estou aqui, mas não é muito comigo...

É nisso que eu penso, quando ponho a cabeça no travesseiro, e me pergunto se não poderia ser melhor. É sobre essa ruga descompromissada que eu reflito, diante da telinha, enquanto vejo o furdunço que uma paixão “made in Manoel Carlos” pode causar. Nos outros.

E o nosso furdunço, cadê? (O mouse comeu).

Não sei se poderemos levar adiante deste modo. Sinceramente? Não sei.

(Baixo a cabeça, faço círculos com o dedo numa poeirinha que caiu sobre o mouse pad, suspiro... longo silêncio...).

Sinais do tempo, gente. Poeira no mouse pad.

(Coço o nariz, fungo duas ou três vezes para deixá-los na dúvida entre a alergia ao pó ou um choro compulsivo que pode começar de uma hora para outra...).

Hein? Como?

(Faço cara de desentendida enquanto vocês começam a dizer o quanto me amam, como eu sou maravilhosa, e outras quinquilharias verbais do tipo.)

Ah. Sério?

(Olho no relógio, entediada).

Ok, ok. Então eu vou dar mais uma chance à relação.

(Vocês se sentem aliviados, como se recém tivessem escapado da guilhotina. Vocês suam horrores. Vocês tremem, não sabem onde colocar as mãos).

(Eu, superior, publico tudo isso).

(E vocês?).

18 fevereiro 2003

14 fevereiro 2003

Mas o que há com o meu BLOG?
É só comigo, ou só está visível até a metade do segundo texto?
Ai, não sei, hoje acordei com uma disposição incomum para a vida, para as pessoas, para as flores, para os céus, para os abdominais, para os agachamentos, para os glúteos, para os bíceps, tríceps, e até para a Lívia, da novela das 7h! Não é incrível?

Estou vestida com o mesmo short vermelho de sempre, aquele que ganhei de minha mãe na última visita, mas me sinto absolutamente em trajes festivos. É como se eu usasse uma saia rodada, colorida, florida, fresca e repolhuda ao mesmo tempo, e um top de cetim azul celeste. Já pensou, cetim?

Faz o mesmo calor repugnante das últimas semanas nesta cidade maravilhosa, mas, não sei, a brisa sopra de um jeito que me faz lembrar a infância nos verdes pampas de Encruzilhada do Sul, onde aprendi a cavalgar em nossa égua Pitanga, muito antes do pocotó fazer tanto fuzuê nessas rádios crudelíssimas que insistem em... mas vamos mudar de assunto, ou acabo esquecendo o bom humor.

Valha-me Deus, há muito tempo eu não começava o dia tão otimista! Deve ter sido por conta dos meus sonhos m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o-s da noite passada, mas esses eu não conto nem sob tortura... hohoho, tenho direito a meus mistérios, não tenho?

E vocês, que mistérios andam escondendo por aí? “Que mistérios trago no peito...”, dizia a canção “Meu Pago”, que eu cantava com meu tio nos tempos da MPG. Quase participei de um festival, mas ainda era muito novinha.

Há sempre qualquer coisa escondida aí dentro de você, amigo, que o faz sorrir de cantinho quando alguém dá “a deixa”. Não vá negar, que é feio.

A deixa é a senha – aquela palavrinha mágica, que é mágica só para a gente. Um sinalzinho bobo; alguém come uma letra na palavra, e você se lembra daquela namorada de infância que falava errado... pronto, lá vem o mistério. Você desvia o olhar da conversa, perde o tom da canção, vira a cabeça, faz um biquinho desentendido, mas não controla o sorriso bobo. Nem que dure só um segundo.

Na televisão, você vê uma roupa, você ouve uma frase, você sente um sotaque carregado lá daquela cidade onde esteve há tanto tempo, e nunca mais voltou. É a deixa. Ninguém vai compartilhar da sua comoção relâmpago: o mistério é só seu, pode suspirar à vontade.

Alguns mistérios desta vida eu já desfiz; contei à melhor amiga, deixei escapar nos altos papos da madrugada ou nos versos de uma canção. Fraquezas da condição humana, talvez. Você jura nunca entregar o ouro, mas, quando vê, dá com a língua nos dentes. No fundo, estava louco para desabafar e ouvir algo a respeito do mistério – só para cristalizá-lo, dar a ele um “certificado de existência”.

Outros mistérios ainda se encontram lá no fundo da minha alma, onde a razão não dá pé. Intactos.

Mistérios desacreditados, abandonados, difamados pela consciência e humilhados pela autocensura. Mistérios depravados, proibidos, encarcerados lá no sub-sub-subconsciente, que é para não haver perigo de fuga.

Mistérios não vão às compras, não andam de ônibus, não saem de viagem. Quando ameaçamos sair, eles ficam escondidos atrás da orelha. Como a pulga.

A maioria se nega a ir à terapia, inclusive.

Os mistérios são o nosso subtexto, as nossas entrelinhas. Aquilo que não se vê e não se ouve, mas vem à tona nas horas mais impróprias, involuntariamente. É só dar a deixa.

Ou vai dizer que você não tem algum?

13 fevereiro 2003

ECO-CHATA É A MÃE!

Preciso comentar isto: ontem, enquanto eu tomava sol na pacata (em dia de semana) praia do Recreio, um casal bem apresentado relaxava a poucos metros de mim. Ela estava grávida, falava alto num celular chique; ele tinha pose de burguês.

Ambos bebiam água-de-coco, refestelados em suas cadeiras, enquanto o cachorrinho brincava ali em volta – apesar das inúmeras placas de “não traga seu cachorro para a praia”.

Já achei um insulto. Muito bonitinho, o animal. Fofo, até. Mas, ainda um cachorro.

Quando resolveram levantar para ir embora, homem e mulher deixaram para trás seus cocos vazios, canudos coloridos e uma garrafa plástica de água mineral. Tudo na areia pública; ali mesmo, onde também o cachorrinho pode ter deixado algum sinal nada higiênico de sua presença.

O pior é que eu olhei em volta, e havia inúmeras cenas parecidas com aquela: gente despreocupada - ou, pior, MAL EDUCADA - deixando rastros de uma ignorância injustificável a essa altura do campeonato. Francamente!

Eu estou doida, ou não custa nada andar uns metros até a lixeira mais próxima?

Será que eles pensam que o lixo “some” dali, como num passe de mágica, assim que a noite cai? Será mesmo que, nem diante da imensidão do mar, manifestação explícita da natureza, é possível notar que meio-ambiente e resíduos plásticos não formam um belo par? Impossível não perceber o disparate.

Não se trata de eco-chatice; é questão de simples bom senso e coerência. Sim, porque aquela mulher grávida vai ter um filho, que vai crescer e ir para a escola, onde aprenderá as primeiras noções de cidadania e respeito ao ambiente. Chegará em casa, um dia, com um lindo trabalhinho: a figura de uma árvore cheia de folhas saudáveis, e uma placa ao lado, na qual se lerá - “jogue o lixo no lixo”.

Os pais vão sorrir, orgulhosos, e não haverá ninguém para lembrá-los que, em pleno momento de gestação do pimpolho, ambos viviam cometendo crimes contra a natureza.

Minto: infelizmente, a própria natureza vai se encarregar de lembrá-los.

12 fevereiro 2003

ATRASADA

Em tempo: o arquivo cujo link eu recomendo, ali embaixo, é o que está no pé da página - "Mico Jornalístico", aquele conhecido, da Lilian Wite Fibe...
VIDAS ALTERNATIVAS – parte I


Às vezes eu desejo me transformar numa mulher de 1,58m, 46kg, cabelos pretos bem curtinhos – um penteado bagunçado, com gel – pele clarinha, canceriana com ascendente em aquário e a lua em peixes. 29 anos. Morando num apartamento de dois quartos na Alameda Lorena, Jardins, São Paulo, vaga na garagem preenchida por um Gol verde 1.8, ano 2001.

Eu seria uma publicitária que faz ioga às 6h da manhã, depois come meio papaia e iogurte com granola. Jamais tomaria banho; tomaria duchas, demoradas e relaxantes, usando sabonete Dove e qualquer xampu – afinal, meu cabelo é tão curtinho que não carece dessas frescuras. Duchas!

Teria um tapete na minha sala acarpetada com móveis modernos, mesa baixinha em frente ao sofá vermelho, mas um vermelho bem fechado. Ali, meus cinco amigos e eu beliscaríamos uns queijos e torradinhas com patê, e bebericaríamos vinho tinto.

Duas ou três tacinhas e eu já estaria sonolenta, pronta para mais uma noite confortável no meu quarto de paredes cor-de-pêssego.

No dia seguinte, um sábado ensolarado de março, eu faria jogging no Ibirapuera, com uma calça de moletom preta e uma blusa azul de lycra, enquanto ouviria “Where the streets have no name”, do U2, no walkman, sem jamais pensar que o timbre ou o delay da guitarra do The Edge poderiam entrar na introdução de alguma música em lá menor que eu comporia para o próximo disco.

Em vez disso, eu apenas ouviria, e ainda pensaria “uau! Estou correndo bem no ritmo da canção!”. É claro que não estaria.

Talvez essa fosse mesmo uma boa alternativa: ter uma vida atribulada em São Paulo, e correr no parque para relaxar - ou seja, correr para parar.

Acho que meu nome seria Cíntia Lemos, ou melhor, Ana Cíntia Lemos – para conjugar o verbo do sobrenome na(s) pessoa(s) certa(s).


Pensando bem, melhor continuar sendo eu mesma, que esse meu humor cafajeste jamais me deixaria virar uma pessoa séria, decente.

E, outra: eu não sou do tipo que toma ducha, muito menos que beberica!!!

11 fevereiro 2003

BiBlog recomenda - chovendo no molhado, mas tudo bem:
Você NÃO PODE, em hipótese alguma, deixar de baixar este arquivo aqui.
src="http://www2.humortadela.ig.com.br/site7/soft/thumbs/soft_f_vid_0126.jpg">
Assombra-me o tempo, que me escapa do couro cabeludo, fino e branco, e arranco. Assombra-me a minha própria incompetência de lidar com essas coisas que andam; coisas que não me perguntam, não pedem, sequer avisam: apenas andam.

Há movimentos que só percebemos porque o cabelo daqui voa com algum vento de lá, nos fazendo coadjuvantes de uma história inevitável qualquer. Assombra-me, também, a impotente relação que temos com as coisas que não pedem passagem: apenas passam.

E ninguém avisa, ninguém protesta, ninguém adverte, ninguém, palavra nenhuma, nada.

Engraçada essa fobia infinita que me acende um alarme, que ainda me presto a idéias como assombração, não durmo, e ainda divulgo. Engraçado isso do susto que a cronologia às vezes nos prega, se o passar dos anos não se dá como em pulos, mas de forma absolutamente homeopática, comedida - como em dias, oras!

Parece que não importa, porque é naturalmente, que vamos indo, frouxos, no embalo...
e pronto.

Mas não é bem assim.

A pista é meio torta, porque é feita pela gente, às vezes eu vou indo, solta, entalo...
e tombo.

09 fevereiro 2003

Buenas!

Tudo ok com vocês, minhas poucas e boas (leitoras)? Aqui, tudo azul. Literalmente; céu e mar. É pena que...
O RECREIO NÃO É MAIS O MESMO

O Recreio dos Bandeirantes é uma praia que fica ao lado da Barra da Tijuca – em direção ao lado mais longe. Para quem não conhece o Rio, funciona mais ou menos assim: a Barra é um bairro grande, que fica “muito longe” – como dizem todos que moram, ou perto do Centro da Cidade, ou perto da Zona Sul (Copacabana, Ipanema, Lebon...).

Mas o “muito longe” é relativo, claro. Quando morei em Ipanema, por exemplo, demorava meia hora para atravessar três quadras de carro até chegar em casa. Isso, para mim, era muito “longe”. Dava vontade de descer do carro e ir a pé. Tudo é lento na Zona Sul.

O Recreio, onde moro hoje, é realmente muito longe do Centro da cidade. Dependendo do trânsito, pode-se levar uma hora ou mais. O caso é que, aqui no Rio, o “Centro” não é como na maioria das cidades brasileiras – um bairro onde se precisa ir quase que diariamente, para se fazer qualquer coisa importante.

Nem me lembro da última vez em que fui ao Centro (graças a Deus, porque aquilo ninguém merece). “O Rio é uma cidade de cidades misturadas”; desse modo, os bairros são relativamente auto-suficientes, como se fossem cidades mesmo.

Quando pus meus pés aqui no Recreio pela primeira vez, no verão de 89/90, tratava-se de uma prainha-matagal pacata, simpática e pouco povoada. Viemos – meus pais, meu irmão e eu – num táxi desses com guia turístico, um homem muito simpático que perguntou se queríamos conhecer a praia onde era filmada a novela Top Model.

Eu tinha 12 anos e era fã daquela novela. Queria ser a Malu Mader quando crescesse. Já contei isso a vocês, né?

Pois bem. Chegamos na tal prainha, cujo nome me agradava, não sei por quê: Recreio dos Bandeirantes. Soava tão bem!

Quando chegamos em frente à “Casa do Gaspar” (Nuno Leal Maia vivia um surfista quarentão super boa gente), eu me derreti. Além de ser a Malu Mader, eu queria morar bem ali quando crescesse, naquela praia com cara de interior, mar imenso e uma brisa que seguiu soprando nos meus ouvidos durante os próximos anos em que eu virava gente no Rio Grande do Sul.

Pois, que ironia, vim parar justo aqui. No Recreio.

Infelizmente, treze anos depois, o Recreio já não é mais o mesmo. Hoje eu fui à praia, que está mais suja do que nunca, e me deparei com o “progresso” do meu bairro. No caminho até lá, a brisa que vem do mar é misturada ao cheiro desagradável que sai dos canos de descarga. Dezenas e dezenas de carros barulhentos amontoam-se pelas ruas – e até pelas calçadas – em busca de um lugarzinho; coisa que está cada vez mais difícil por estas bandas.

Pior, muito pior é a constatação de que a desgraça está instalada, e daqui para frente só tende a piorar: vários homens, com seus isopores, vendiam bebidas no engarrafamento!! Isso é o fim.

Bebida no engarrafamento é um péssimo sinal. Sinal de precisamos achar outra casa para o Gaspar.

08 fevereiro 2003

Comendo duas fatias de queijo minas
(as últimas, finas),
bebendo cappuccino
(gole sim, gole não),
escrevendo
(tem alguém aí?),
esperando o Jô Soares
(déjà vu de verão),
ouvindo o barulhinho do ventilador
(sopro elétrico),
imaginando ter um apartamento mais bonitinho e decoradinho
(spot futuro),
lembrando os sonhos da noite anterior
(passado dormente),
esquecendo o que é preciso
(presente inconveniente),
precisando de alguém que diga que,
mais dia,
menos dia,
os gerúndios serão bem outros,
e as fatias serão menos finas,
e os goles serão todos,
e os verões serão inéditos,
e os sopros serão humanos,
e os spots serão agora,
e o passado será memória,
e o presente não precisará de explicações
(entre parênteses).

02 fevereiro 2003

DELÍRIOS DOMINICAIS DE UMA BAIXISTA GAÚCHA EM CRISE


Alô, ouvintes, hoje por favor* peço que me leiam em voz alta, porque o meu texto vai ficar melhor em áudio que em vídeo, uma vez que estou despreocupada com os pormenores literário-gramatiacais e coisinhas de hábito, se é que me entendem, de quem lida melhor com a palavra escrita que com a falada, a frigideira, o interfone, o porteiro, os vizinhos e até mesmo as próprias unhas.

* notem que o “por favor”, na primeira linha, não está entre vírgulas. Vejam como me permito relaxar, não sou uma escriba careta, presa às normas, encarcerada na gramática; meu vôo é livre, leve, solto. E me desculpem o ponto-e-vírgula, antes que eu me esqueça.

Então, continuando, não esperem versos ordenados, parágrafos coerentes, idéias sólidas. Hoje o papo é torto, estou em crise, não sei se já disse.

Vocês sabem qual é a diferença entre uma cantora e uma vocalista/instrumentista? As unhas. Por isso é que me revolto quando alguém diz “aquela cantora”, referindo-se a mim, pobre de mim, que há anos carrego o peso grave do contrabaixo nas costas, e privo minhas unhas de um tratamento digno de uma donzela, a donzela esta, justamente aquela donzela que sou. (Sobre o texto: eu avisei).

Nada contra as cantoras de belas unhas, segurando seus microfones com a delicadeza e o glamour que lhes convém, usando saias curtas ou médias ou longas, tecidos leves, maquiagem rósea, sorrisos carismáticos, dançando conforme a música. Muito pelo contrário, até muito admiro esses canários de belas ou médias ou feias pernas, que muito encantam seu público, e muito me inspiram, na verdade.

O caso é que há uma diferença entre nós, e o equívoco foi se convencionar que qualquer elemento feminino que esteja sobre um palco é, invariavelmente, uma cantora. Não o é. Aliás, não o somos. (Ou seria “não os somos?” Ossomos?? Não interessa, hoje o texto é o de menos, já avisei).

Foi-se o tempo, meu amigo, em que os barbados seguravam suas guitarras, seus contrabaixos, ou sentavam-se a batucar em suas baterias, e depois chegavam em casa, exaustos, às seis da manhã, e esperavam que suas esposas lhes tirassem os chinelos e preparassem o jantar – nesse caso, o café da manhã. Estão rindo de mim, mas a classificação errada de que qualquer mulherzinha no palco é cantora, e não vocalista ou instrumentista, veio desse tempo mesmo!

A diferença, repito, está nas unhas e nos calos.

O que quero dizer, com esse manifesto, é que o serviço pesado há muito já não é feito só por eles. Estamos no mesmo palco, dividindo melodias e acordes, ritmos e levadas, no aplauso e na vaia, até que a morte nos separe.

Não é muito mais bonito assim?

01 fevereiro 2003

Absoluto calor no primeiro dia de fevereiro - tem carnaval - no Rio de Janeiro. Céu sem nuvens, praias lotadas, engarrafamentos bem próximos. Pagodinho no quiosque. Cervejinha na areia, empada, paquera, canga, bronzeado cremoso, descanso.

Não participei de nada disso.

Ao contrário – estou enfurnada dentro de um apartamento cujo piso verde e liso me dá muito prazer em andar descalça, e só. Um pouco de tela, confesso, além de boas tecladas com amigos distantes.
Um monitor quadrado, sossego, vento artificial. Nada de sol. Sal, só o das batatas fritas. Ok, você venceu: batata frita!
Foi um sábado sem barulho de chuva, como há muito não tínhamos. Para não dizer que não festejei o fim do mau tempo, sim, eu fui até a varanda. Olhei em volta, mas o sol não me deu a mão. E eu ando meio orgulhosa; se não formalizar o convite, não aceito.
Fiquei.
Não que eu não goste de sol, areia da praia e mar. O caso é que há momentos, não?
Primeiro dia de fevereiro. Primeiro sábado de sol. Primeiro sábado meu, em 2003, no Rio de Janeiro, com bom tempo.
Não dava. Essas estréias todas me inibem.

Como dizia um amigo nosso, guitarrista - depois de passar anos tocando com uma guitarra horrível por falta de grana, enfim comprou uma nova, maravilhosa, impecável. Mas continuava tocando com aquela tralha velha.
Cobrava-se:
- E aí??? Não vai tocar hoje com a guitarra nova???
Ao que ele respondia, sério, quase cochichando:
- Ainda não. Não é o momento. Deixa passar o clima.

“Deixa passar o clima”. Ninguém entendia.
Parecia que, se ele fosse com muita sede ao pote, a guitarra nova iria se desmanchar nas mãos dele, ou coisa assim. Era o jeito que ele tinha de respeitar o momento nobre – comprara, com muito sacrifício, depois de anos de peleja nos bares da cidade, uma guitarra zerinho. Uma Gibson legítima. Imagine.

E o pessoal, afoito, querendo que ele inaugurasse aquela preciosidade, assim, num boteco qualquer!

Podem me chamar de antiga, “nerd” ou bobalhona, mas eu acho mesmo que certas coisas merecem respeito.

Claro que um sábado de sol é só um sábado de sol, e não fui à praia porque deu preguiça, ou porque estou mesmo lesionada das pernas, quem me conhece sabe que ainda estou mancando e toda dura. Mas o pretexto é bom, e o argumento aqui é o que vale: pensar no respeito das coisas. Respeito, palavra antiga, em desuso.

Eu respeito muito as coisas que estão vindo à luz pela primeira vez. E até temo atitudes recém-nascidas, muitas vezes – minhas, inclusive.

São embriões de hábitos, e a gente nunca sabe...