29 julho 2008

Depois dos 29

Alguma coisa aconteceu com o meu metabolismo depois que dobrei a esquina dos 29 e entrei, cantando pneu, nos 30.

E, a propósito de pneus, há os que cantam e os que calam; esses últimos, os piores. Sorrateiros, alojam-se nos canteiros mais surpreendentes da nossa arquitetura - tão arrumadinha até pouco tempo atrás, com o asfalto, a calçada e o meio-fio muito bem organizados, e os transeuntes, com seus cães transeuntes e higiênicos, e os edifícios bem decorados, e as fachadas ornamentadas com jardins repletos de arbustos bem penteados e empapados de pomada disciplinadora...

Passei dos 29, foi como se houvesse uma debandada: o paisagista saiu mais cedo hoje, mandou dizer que não vem amanhã, a decoradora teve um compromisso inadiável e deixou uns quadros tortos (eu que me vire), o cabeleireiro deu a entender que não estava satisfeito com a gorjeta fazia uns três anos; mas por que nunca me disse nada? Ah, segundo ele, era eu que não ouvia. Antes dos 29, fala-se muito e ouve-se pouco (acusou-me o injusto, a tesouradas, enquanto organizava a maletinha e levava embora meus últimos corretivos).

Já vi que vou ter que contratar um pessoal por fora, mas não há de ser nada. Aos 30, é mais fácil tomar certas atitudes e pôr uma ordem na bagunça estabelecida. Podem sair os indecisos, já vão tarde os insatisfeitos.

Aceita um cafezinho?

Estou chamando uma turma nova que vai arrasar (ainda se usa esse termo, arrasar?). Não tem salário, não tem gorjeta: ganha o quanto produz. Não imponho horário e não me meto no ócio do colaborador. Agora é assim que chamamos: colaborador. Depois dos 29, tempo é uma coisa pessoal e intransferível. Tome conta do seu.

Não temos mesa, caneta, papel. E não quero ninguém aqui; é cada qual na sua casa, no seu laptop, recebo o resultado por transmissão de dados (compactados, de preferência). Depois dos 29 a gente economiza espaço, barulho e lavabo.

Esse tal metabolismo, com seus vícios corporativos, deixou uns buracos aparecerem meio de última hora nas planilhas. Fiquei eu com o “aspecto casca de laranja” e uma fita métrica com mania de grandeza a me cercar de números que, por mais que me demore em cálculos, não consigo compreender. Deve ser a inflação.

O rapaz de TI (Tecnologia da Informação) acaba de me informar num torpedo que é assim mesmo, citando sua mãe e sua tia como exemplos bem sucedidos de força de vontade e determinação.

Por Cristo! – e eu lá tenho idade para ser mãe de algum rapaz de TI?? Esse moleque que não aponte o seu boné aqui perto, ou não respondo por mim. Deve ter digitado “balzaquiana desesperada” em algum mecanismo de busca e me apareceu com esse consolo pior que a encomenda; um dos principais problemas desse contexto moderno é justamente a falta de contexto.

Depois dos 29, se não tiver contexto a gente nem tira as pantufas.

Já disse, não há de ser nada. Li outro dia numa capa de revista: a vida começa aos 50. Quando eu chegar lá, presumo que comece ainda mais tarde, de modo que vou ensaiando como posso - demitindo uns vícios aqui, escalando uns bons hábitos ali, ajustando a carga no tríceps, quadríceps... Um vinhozinho de vez em quando, que ninguém é de ferro.

Depois dos 29, o bom é que a gente já tem confiança para ensaiar em público – se a ocasião permitir, inclusive de pantufas.