03 outubro 2002

Sonhei, amigas, nem pareceu sonho. Lembro ainda agora, com nitidez. Eu estava me preparando para subir ao palco. Era um lugar enorme, estava lotado, tratava-se de uma grande festa – algo como Oktoberfest, eu imagino. Com barraquinhas, muita comida e chope.

Ofereceram um jantarzinho à banda. Sentei-me, e comecei a comer. Lá pelas tantas, engasguei feio, muito feio. Vieram me amparar, o que houve com ela?, mas já era tarde: algum distraído – ou bêbado mesmo – havia deixado cair, naquele strogonoff de camarão delicioso, uma das lentes dos seus óculos de grau.

Eu, de pouca sorte, havia conseguido justamente me servir da conchada que escondia aquela lente. (Detalhe: àquelas alturas, o vidro já estava partido, aos pedaços). Quando fui morder o camarão, tive a ingrata surpresa de mastigar, também, migalhas de lente. Pensando que era areia, fiquei com vergonha: não vou reclamar, prepararam o jantar com muito carinho, mas não limparam o camarão direito. Tudo bem, tudo bem, acontece.

Mastiguei a “areia” todinha, estranhando um pouco aquela consistência, e engoli. Outras garfadas, mais “areia” engolida. Até que, subitamente, apareceu na minha boca um naco maior de vidro. Pensando que poderia ser qualquer objeto estranho, menos óculos, tratei de triturar também, e engolir. Metade entrou; outra metade, cortou minha língua e meus dentes.

Comecei a tossir e a cuspir vidro diante de todos. Foi aquilo.

Quando, enfim, percebi o que havia acontecido, aí foi que as coisas pioraram: parecia que meu estômago estava sendo esquartejado por aquele vidro todo, antes “areia”, que eu tinha ingerido irresponsavelmente.

Fui ao banheiro, correndo, e olhei no espelho. Um dente da frente caiu no chão, assim que abri a boca. Outro, o vizinho daquele, ameaçava pular também. Era o início do suicídio coletivo da minha arcada dentária.

A única coisa em que eu pensava era: e agora?? Como é que vou cantar com este time desfalcado?

Nisso, entram dois homens no banheiro. Um deles é meu amigo cantor; o outro, um baixista que o acompanha.

- O que está havendo? Por que vocês entraram no banheiro feminino?? – Eu disse, assustada e tímida.

Não era o banheiro feminino. O equívoco fora meu, que, aloprada e semidesdentada, tinha invadido o sanitário deles.

Foi então que me caiu a ficha: “O que vocês vieram fazer nesta festa?”

Tinham ido me ver tocar. Mas já estavam indo embora, porque ouviram um boato lá fora – que a baixista tinha passado mal por causa de excesso de álcool, e fora carregada, muito a contra-gosto, para o Pronto-Socorro mais próximo. Glicose na veia, aquelas coisas.

- É mentira!! Eu só engoli vidro!!

- Credo! Estava tão mal assim???

Mostrei os dentes caindo, e expliquei o problema, até que se convenceram. Na minha frente, a solução: um cantor e um baixista, novinhos em folha, e cheios de dente. Substituição!

O que se sucedeu a partir de então, já não lembro bem. Só sei que os amigos foram mesmo me substituir, gentilmente, enquanto eu chorava, inconformável, dentro do ônibus da banda.

Até que chegou um ex-namorado meu, jovem cabeludo de predicados estéticos animadores, e ficamos ali, sozinhos, dentro daquele ônibus escuro, afastado de tudo e todos.

Já disse que não lembro o que aconteceu, pô!!

***
Moral da história: boi desdentado também pasta.