15 junho 2004

O Rio Grande se cobre de gelo

Nostalgia capilar


Ando com saudades do meu cabelão desgrenhado, pontas duplas, politicamente incorreto e esteticamente questionável.

No dia em que cortei um naco considerável das minhas madeixas, até comentei com todo mundo, estava feliz de ter cedido ao moderno e ao apelo de minha mãe, e tias, e comadres, e amigas que olhavam meio torto, como se quisessem endireitar um quadro na parede, sabe quando incomoda? Podia repicar aqui, ali, dar um volume, um jeito, um corte – sugeriam, enquanto eu pensava no quanto de vida escabelada elas também tinham, e não faziam escova, mas não seria eu a chata de ficar lembrando, com meu bafo quente de secador elétrico, inútil, inconveniente.

Está bem, eu disse. Depois de muito tempo, mas disse. E fui ao salão com uma frase decorada: “eu queria dar um volume, um jeito, um corte...”

E veio a moça, acredite, com uma pá de revistas especializadas de cuja existência eu nem sabia, e cuja utilidade até admito que exista (não sem apertar os beiços, assim, do meu jeito, vá lá, mas admito). Pus os olhos naquelas variadas beldades, metade de horário nobre, metade nem tanto, mas todas muito ajeitadas, de fios colaborando com rosto e corpo e riso e pose e tudo, tudinho em harmonia e concordância. Quanta beleza para eu escolher ser!

Fiquei verdadeiramente empolgada, isso não posso negar. Tive de esconder o riso infantil que me soltava os beiços numa hora que até era para algo, mas não era para tanto. Não para as outras, com aquelas caras emolduradas. Não para as outras, com aqueles cabelos assíduos de tesouras e tinturas; não para elas, habituadas aos catálogos de bocas e unhas, outono, inverno, primavera, verão, quadradinha, francesinha, entra franja e sai franja etc. Não para elas.

Para mim, unidunitê, as moçoilas das revistas me sorriam, quem eu seria, quem eu seria, unidunitê, eu me divertia, eu escolhia, todas me olhavam, apreensivas, quem eu seria, unidunitê - e eu me lembro muito bem de quando, enfim, elegi aquela por quem metade do meu rabo iria pelos ares:

- Camila Pitanga!

Depois desse veredicto, o que se viu foi um misto de horror e excitação: Alice no país das beldades fashion. Eu queria acreditar, a cada sonora tesourada, que o resultado seria, não justo, não apenas adequado, “um volume, um jeito, corte”, mas um must: estupendo. (Exclamações).

Quando muito, ganhei um ar mais jeitoso. (Reticências).

Nem guardei o rabo morto que a moça me ofereceu, solícita, ao final da tosquia. Mas guardo uma saudade imensa daquele tempo de fartura capilar desgovernada, démodé, quando eu era ponto de referência, aquela morena do cabelão, e havia sempre o pretexto para a cantada: nossa, dá muito trabalho para cuidar? Dava nada.

Guardo saudade, e até me arrependo um pouco de ter feito mau juízo dele nalgum momento. Que o meu cabelão já ia lá na bunda, sim. Mas, poxa, era com todo respeito.