08 março 2003

O QUE HÁ NO MEIO?


Nunca vou me esquecer da minha avó dizendo que não ficava bem, para uma mocinha, sentar-se de pernas abertas. Mesmo que eu estivesse usando calça ou bermuda, como quase sempre, ainda assim era “feio” me espalhar na poltrona daquele jeito; uma perna lá, outra cá.

Mas, por quê? Porque é feio, e pronto.

Para uma criança de seis anos, feio significa – literalmente – feio. Então eu comecei a procurar, afinal, o que havia de tão feio ali no meio. O problema estava ali, entre as pernas, era evidente. Entre as pernas das moças.

O meio era o buraco do xixi, coisa que todo mundo tinha, exceto os meninos. Sim, porque o buraco dos meninos era muito outro, percebia-se.

Coisa que me fez pensar foi, justamente, por que motivo os meninos podiam se sentar do modo como bem entendessem, se o “meio” deles era muito maior que o nosso. Não deveria ser o contrário, então?

Não. O nosso meio era mais feio, estava decidido. E se endireite nesse sofá.

Fomos crescendo, assim, escondendo os meios. Contudo, os meios deles estiveram sempre muito à vista, sem problemas. Andavam, livres, balançando os meios. Coçando!

E foi de tanto escondermos os meios, imagino, que resolvemos revolucionar de vez aquela política injusta: fomos para a televisão e balançamos também nossos meios, nossos seios, nossos tudo. E ninguém reclamou, ninguém achou nada de feio. Muito estranho.

Minha avó não está mais aqui para conferir, mas as mulheres da minha idade, e até mais novas, e até muito mais velhas, estão por aí, digamos, um pouco desacomodadas na poltrona. E ganham bem para isso!

Muito bem, estamos quites. Homens e mulheres têm o mesmo direito de expor seus próprios meios, está ótimo, maravilha. O problema não é mais esse.

A confusão, agora, alastrou-se para as extremidades - pobres mazelas da constituição humana, hoje tão esquecidas e discriminadas. A supervalorização dos meios, sobretudo os femininos, desencadeou uma baixa nos valores menos balançáveis. Em outras palavras, a vida anda difícil para aquelas que não têm meios tão perfeitos, ou, por outra, que não desejam se sentar lá muito relaxadas nas poltronas.

É direito de cada uma, convenhamos, dar o destino que melhor lhe convier a seus atributos, estejam eles localizados onde estiverem. E ninguém tem nada a ver com isso. Mas, seria ótimo se houvesse um certo equilíbrio na distribuição das peças.

Nossos meios estão mui bem representados, fazendo-nos dar de cara, queiramos ou não, com vários latifúndios glúteos espalhados pelas ruas, dia e noite. Muito me orgulha que as mulheres tenham, enfim, conseguido liberá-los. As extremidades, contudo, carecem de representação. Acho que embolamos o meio de campo.

Por exemplo: outro dia, um repórter entrevistava uma moça de meios bem dotados e perfeitos, quando disparou a pergunta:

- E agora, você vai fazer o quê? Pretende lançar um CD?

Eis o equívoco. Alguém deveria dizer àquele jornalista que, não, os meios não compõem, tampouco cantam. Aquela belíssima moça jamais esboçara idéia alguma de se tornar uma artista da música – até porque, diferente do que muitos imaginam, ninguém se torna artista do dia para a noite. Por mais que tenha “meios” para isso.

Enquanto ninguém vier a público esclarecer que as extremidades femininas continuam atuantes e trabalhadoras como nunca - apesar dos meios, muitas vezes, fingirem-se de extremos para ganhar em dobro -, a distorção dos valores persistirá. E teremos superexposição dos meios, enquanto os extremos seguirão marginalizados.

A situação é grave, mas reversível. Acredito que melhores tempos estejam a caminho.

Assim, não precisaremos chegar ao cúmulo de pedir que nossas netas sentem-se com as pernas cruzadas sobre a cabeça, a fim de esconder o intelecto – afinal, não fica bem para uma mocinha...



P.s.: Parabéns pelo dia da mulher.