05 julho 2001

Vamos escorrer para onde?
Bíbi Da Pieve

No Rio Grande do Sul, nós chamamos macarrão de massa. Tá bom?

É que já vi gente achando estranho; por isso, vou explicando logo na entrada. Muitos dizem, cá um pouco mais para cima do país, que massa é aquilo de que se faz o pastel, a lasanha e a pizza. Enfim, querem me dizer que massa é, imagine!, massa.

Tudo bem que massa seja, de fato, massa. Mas, se assim for, então eu não vejo por que não admitir que aquelas tripinhas feitas de - de novo! - massa também sejam, ora, massa!

Se massa em forma de quadrado (lasanha) é massa, se massa em forma de bolotinha chata (pastel) é massa, e, se massa em forma de bola grande achatada (pizza) também é massa, então, desculpem-me, mas massa em forma de tripinha (macarrão, vá lá!) também há de ser massa, e muito massa.

Tudo isso foi para dizer que, aqui em casa, não temos escorredor de massa. Eu sei que é meio humilhante confessar essas deficiências domésticas, mas, convenhamos, eu sou uma mulher moderna. Compro comidinhas congeladas - light, que não sou boba! -, aperto dois ou três botões, e elas deixam de ser picolé salgado em quatro minutos. Eu disse quatro minutos! Quem é que precisa de escorredor de massa, hoje em dia?

Não fosse esse aborrecido racionamento de energia, ninguém precisaria, realmente, de um escorredor. Acontece que, nos últimos tempos, mulheres e homens modernos voltaram à idade da pedra, das velas e dos escorredores de massa. Eu, de minha parte, acho frustrante ter que aposentar aquela linda caixinha modernosa que descongela picolés salgados, transformando-os em almoço, e ainda - bip!, bip!, bip! - me chamando para a refeição. Mas, fazer o quê?, aposentei.

Não tenho vergonha nenhuma de confessar: comprei vários pacotinhos de massa instantânea (leia macarrão instantâneo, se quiser). Vou fazer almoço, pensei. Imagine que também passei a mão numa lata de atum, e, não bastasse, comprei ainda uma latinha de molho de tomate. Pronto, claro. Tudo muito pronto.

Quando fui ler o manual de instruções da massa-rápida, já me deparei com a primeira surpresa: três minutos? Não pode! Estão mentindo. Como é que vou cozinhar esta coisa em três minutos, e jogar por terra toda a minha teoria de mulher moderna? Não admito que alguma comida feita no fogão fique pronta antes dos meus congelados light.

Deixei cinco. Cinco minutos, só de raiva. E não quero conversa com essa massa metida a besta. Vai ficar cozinhando um minuto a mais do que o meu almoço moderno, sim senhora, ou a minha - bip!, bip!, bip! - caixinha mágica ficará ofendidíssima. Está aposentada, mas não está morta.

Ficou uma papa, é verdade. Mas isso não é nada, perto das minhas convicções.

Tudo prontinho. Atum e molho de tomate já se encontravam juntos, e eu já ia gritando "bip!, bip!, bip!", quando, de repente, dei-me conta do óbvio: havia uma quantidade exagerada de água dentro daquela massa empapada e pretensiosa. E eu não tenho escorredor; essa é a verdade, nua e empaçocada.

Fui com a tampa. Sabe como é? Pega-se a tampa da panela, coloca-se sobre ela, e vira-se o recipiente, com cuidado, dentro da pia. Deixa-se uma pequena abertura, naturalmente, para que a água possa escorrer, deixando a massa em paz, sequinha, lá dentro.

Na teoria, sou uma ótima escorredora de massa. Na prática, choro só de lembrar: foi-se tudo para dentro da pia. O raio da massa antipática, a água, a tampa, a panela, e a minha disposição para afazeres domésticos! Nunca mais.

Quando enxerguei a desgraça acontecendo, juro, pensei no presidente da República. Tinha que botar a culpa em alguém, e não sou modesta a ponto de xingar ministros, senadores; enfim, vou direto ao cume da hierarquia. Ia pelo ralo, naquele momento, toda a minha boa vontade com essa ordinária administração pública, que já vem cozinhando o país inteiro há vários anos - coisa mais antiga!

Perdoe a minha metáfora culinária, mas não pude evitar de ver aquela massa toda entrando pelo cano, e pensar - meu Deus, e agora? Vamos escorrer para onde?