29 junho 2001

Estou em obras
Bíbi Da Pieve

Desculpe o transtorno, mas é que estou me sentindo o próprio asfalto esburacado, em carne e concreto. Não posso escrever um texto agradável. Sinto muito. Estou em obras.

Se não for pedir demais, por favor, não perturbe. Não se deve provocar a ira de uma mulher em obras. E depois não diga que eu não avisei.

Por falar em aviso, já tratei de encomendar dois cones, daqueles bem chamativos, para colocar em volta de mim. Assim, ninguém vai poder se queixar da falta de sinalização.

Quatro! Dois cones é pouco sinal, para muita obra.

Seria ótimo se os helicópteros também colaborassem, mandando informações sobre o trânsito que vem a mim. Se todos ouvirem rádio direitinho, sabe como é, há outras vias, outros acessos, outros viadutos, enfim, torço para que a grande maioria se perca no meio do caminho e vá
parar, de preferência, na extremidade oposta à minha (para não dizer coisa pior). Evitarão, assim, os engarrafamentos quilométricos. Sim, porque estou em obras.

Seis! Estou achando que seis cones seria a quantidade mais acertada. Isso mesmo. Está decidido: seis cones.

Perdoe alguma vírgula mal colocada, alguma palavra não acentuada, alguma letra trocada. Não é fácil escrever uma crônica quando se está em obras. Prometo que dou um jeito nisso tudo, assim que as britadeiras pararem de fazer tanto barulho em mim. Impossível me concentrar desse jeito.

Sete cones, e não se fala mais no assunto. Um pra enfiar na cabeça.

Eu sei que não é a coisa mais agradável do mundo ler um texto esburacado, interrompido, sinalizado e engarrafado, mas, fazer o quê?, é o que temos, e acabou-se. Quem não gostar, eu sinto muito, pode acessar outra crônica, outra coluna, outro site, enfim, vá rodar em outras estradas, porque aqui a coisa ainda vai demorar um bom tempo para se resolver.

Estou em obras, meu amigo, e se dê por satisfeito - que ainda não estou cobrando pedágio. Por enquanto, mantenho a sanidade mental, e tenho plena consciência de que, infelizmente, a culpa é toda minha. Eu que me vire, portanto.

Não investi o suficiente? Resolvi economizar no material? Não me preocupei com a manutenção? Então. Eu que me vire.

Morar no Rio de Janeiro é maravilhoso, mas tem um fator negativo quase fatal - você pode estar passeando pelo shopping, inocentemente, e topar com a Carolina Ferraz, deslumbrante, bem ali, na sua frente. Isso é
como assalto: a gente sempre pensa que só acontece com os outros.

E não há mulher que não se sinta em obras depois de um tiro desses.

Tudo bem, confesso que exagerei. Foi só um ataque passageiro de futilidade, uma coisa momentânea e boba. A beleza é uma coisa muito relativa. Já ouvi dizer que a beleza está na cabeça das pessoas. Beleza interior. Ora, a estética. Logo eu. Coisa mais superficial. Cada pessoa tem um tipo diferente de beleza, é isso mesmo; passou, passou o susto, passou o transtorno, passou o congestionamento, passou tudo. Foi só uma crise. Estou muito bem, obrigada, e até a próxima crônica.


P.s.: E se eu mandasse fazer um cone do tamanho do Pão de Açúcar, e me enfiasse ali embaixo até o último dos meus dias?