01 dezembro 2002

Aaaaaaai, minha Nossa Senhora do Recreio dos Bandeirantes, dai-me força e coragem e disposição para encarar este calor dos diab..., digo, com todo respeito, Nossa Senhora, este calor de derreter gaúcha branquela que há muito evita o sol na moleira.

E, já que estamos falando em forças, ó bondosa, dai-me também paciência para não me precipitar, violenta e desastrosamente, para cima de um carioca protagonista de cena como a que eu vi agorinha há pouco: imagine a Senhora, pleno meio-dia dominical de sol que racha, eu, saindo do supermercado, cheia de sacolas, suada, irritada e apressada, vou em direção ao meu automóvel, quando ouço uma sinfonia estridente de buzinas em pleno estacionamento. Que se passa? – indago às minhas sacolas, não sem acrescentar, ao final da pergunta, três ou quatro palavras de baixíssimo calão, coisa que aqui não me atrevo a redigir, visto que a Senhora pode se ofender e, pior, muito pior, ainda inventar de me punir.

Os buzinantes protestavam, acredite, contra um carro que repousava, inerte, exatamente no MEIO do único local pelo qual se poderia passar, caso alguém quisesse, por acaso, sair do supermercado e ir para casa. O motorista?, ausente.

Entrei no meu carro, que já mais parecia um forno elétrico que alguém esquecera ligado por dois dias, e fiquei ali, aguardando aquele boiol..., desculpe-me, aquele motorista se decidir e, enfim, remover dali o polêmico veículo.

Tinha gente querendo passar por cima, tinha gente buzinando, tinha gente cantando pneu para ver se o dono do carro se assustava. Chamavam-no, aliás, de todos os nomes feios que a Senhora possa imaginar. Tentaram bastante, mas acho que não acertaram, porque ele não atendia.

Como sou uma pessoa mui compreensiva e até serena, fiquei a imaginar que razão poderia ter levado o boiola (ops!) a largar o carro ali mesmo. Só poderia ter sido algo de urgência extrema, e, creio, algo muito pessoal e intransferível. Ou, por outra: o veado estava mijando, claro.

Relaxei um pouco. Urina é coisa séria, chega uma hora em que ninguém segura. Coitado. Fez o que pôde.

Foi eu terminar de perdoar o elemento, e já me arrependi. De repente, apareceu, com cara de que não era com ele, entrou no carro e foi-se embora. Tinha ido comprar flores na banca ao lado, e não quis estacionar numa vaga comum; preferiu parar o carro ali mesmo, que era mais perto.

O coro aumentou dez vezes; os outros motoristas estavam ainda mais indignados, mas aí o sujeito já tinha partido, e devia estar dando risadas ao conferir, pelo retrovisor, dezenas de babacas furiosos xingando ao vento.

Está certo, Nossa Senhora, tem aquele negócio da outra face. Eu entendo que deva ser também bondosa, e perdoar o motorista fujão. Está bem, está bem, vamos virar esta página, eu não guardo ressentimento algum do boiola, digo, do comprador de flores.

Coitadinho. Na certa, deve ser aniversário da mãezinha dele, e o pobre doce filho, ao perceber que se esquecera de levar uma lembrancinha, não pensou duas vezes: parou ali mesmo, juntou os últimos trocados, e foi comprar um bocado de flores.

Muito bonito da parte dele, uma vez que a mãe deve ter chegado em casa exausta, pela manhã, depois de mais uma duríssima noite de trabalho na Av. Atlântica, em Copacabana, onde ganha a vida.