24 agosto 2004

Sempre ele


Primeiro eu recebi um e-mail:

“Bi,
enviei-te uma caixa de Pandora. Se tiveres dificuldade para a elaboração dos xaropes, favor me ligar.
Boas melhoras.
Um beijo
O Pai”


Duas horas depois, o porteiro me entregava a caixa de Sedex. Abri, com todo cuidado. Dentro: dois limões (sim! Ele enviou limão por Sedex!), um pote de mel, três cartões-postais da minha cidade, uma foto dele (comendo churrasco com uns amigos), uma barra de chocolate, uma caixa de Amanditas, um saquinho de ervas (?) e uma pomada “Bayro Gel”.

Segundo ele havia me explicado dias atrás, por telefone, o kit pomada/limão/mel/ervas servia – ele jurava – para “curar o pé”.

- É pra fazer uma fomentação, filha. Fomentação! – ele repetia, e eu quase podia ver pelo telefone os olhos esbugalhados de entusiasmo.

- Fu... o quê?

- FO-MEN-TA-ÇÃO, tchê! Fiz na tua mãe, e foi o que salvou o pé dela. Falando sério!

Minha mãe rompeu os ligamentos, assim como eu, mas o caso dela foi ainda pior. Teve de encarar a bota ortopédica (o gesso moderno) durante trinta dias. Fora a tala. E o que salvou o pé dela, ele afirma, foi a tal mandinga. Tá bom.

Bastou eu gargalhar no telefone quando ele me perguntou se eu não queria que ele pegasse um avião e viesse, munido dos equipamentos, fazer a fomentação em mim, para ele se ofender. E, quando papai Da Pieve se ofende, sai debaixo.

- Tá bom. Não quer que eu vá, não vou. Mas vou mandar o equipamento pelo correio, sim senhora. Te dou as instruções, e tu fazes aí. Tou dizendo, cura o pé.

Aquilo era uma ameaça. Claro que não levei a sério. Mas ele levou.

E hoje, então, chegou o “kit fomentação”: equipamento mágico capaz de curar os ligamentos rompidos de qualquer um. Pomada, mel, limão e ervas.

- Pai, limão e mel não eram coisas para a garganta? (Passei 20 anos ouvindo isso dele, a cada pigarro – ele se preocupava muito com a minha voz, muito mais que eu: como é que ela vai cantar desse jeito? E vinha com uma colher de mel.)

- No pé, filha. Fomentação.

- Tá sugerindo que eu faça uma caipirinha do meu pé! Isso não vai dar certo!

- Caipirinha, nada. Fomentação. Fomentação. Fomentação!

Quando ele começa a repetir a mesma palavra obsessivamente, já sei que se trata de uma idéia fixa que não vai morrer tão cedo. E, se morrer, ele empalha. Portanto, eu me rendo. Vou seguir as instruções e aplicar a mandinga salvadora.

Mas vou comprar uma Vodka – e fazer, ao menos uma caipiroska!