28 dezembro 2001

Belém abaixo de zero

Hoje estava pensando nas vicissitudes da vida, quando recebi uma carta. Tudo bem, não foi carta - foi e-mail -, mas dizer carta é tão mais romântico. Se me permite a ficção, vou de carta mesmo.

O selo era de Belém do Pará, e o garrancho tinha o sotaque do desgraçado que ficou de telefonar, e nunca mais. Vicissitude usa rabo-de-cavalo - pensei -, e manda carta. Como se isso me bastasse.

Meu filho, feliz ano novo por quê?

Eu acho de uma graça certos homens do Pará. Aliás, alguns rapazes que usam rabo-de-cavalo deveriam pensar, pelo menos duas ou três vezes, antes de enviar e-mails do tipo “corrente positiva” no fim do ano.

Pronto, esculhambei com a minha ficção. Não estou nos meus dias úteis. Não era nem um e-mail pessoal; era amplo e irrestrito. Eis a verdade, dura e completamente virtual.

O sujeito foi passar uns tempos em São Paulo, e foi lá que nos conhecemos. Em território neutro. Essas histórias nunca acabam bem, justamente porque nunca acabam. Não há uma lágrima, uma briga, não há o pé na bunda tradicional. Um belo dia, cada qual retorna ao seu local de origem, e o romance fica parecendo um ponto suspenso no tempo; uma coisa do além, algo que nunca aconteceu, de fato, nesta dimensão.

A tragédia é que o cheiro do xampu dele resiste à Via Dutra, e nem o calor do Rio de Janeiro derrete a minha sádica memória.

Por outro lado, parece-me que os paraenses são seres desmemoriados e insensatos, criaturas geladas que se aproveitam do espírito natalino e ferem o coração dos outros a facadas cibernéticas. E-mail coletivo, a essa altura, já é demais. Cúmulo da frieza.

Pensei em todas as maneiras possíveis de responder à altura ao desaforo; optei pelo seguinte texto:

“Olá, somos gratos pela sua preferência. Aguarde um momento, já lhe desejaremos um feliz ano novo. O seu e-mail é muito importante para nós”.

Se não o Pará inteiro, com essa, espero congelar – no mínimo! – Belém.
Natalzinho bem chuvoso, este. Rio, 24 graus. Pode?

Hoje é o dia. Eu quase posso tocar o silêncio.
Tudo que vai deixa o gosto, deixa as fotos - quanto tempo faz?
Deixa os dedos, deixa a memória - eu nem me lembro mais.


O Panetone não acaba, e tem um vinho italiano na geladeira. Periga eu me
perder no meio daquelas frutas cristalizadas, e acabar até me colorindo um
pouco. Amanhã é dia de batente, mas nem parece. E o vinho é tinto, me
parece. Podiam cristalizar o feriado, também.

Eu fico à vontade com a sua ausência... eu já me acostumei a esquecer.

Sonhei que tocava contrabaixo, enveredava pelos slaps da vida, e três (das
cinco) cordas rebentavam ao mesmo tempo. Inédito! - três cordas do baixo
rebentando juntas. Ainda bem que isso só me acontece em sonho.

7 dias para 2002...

A música que eu tocava - no sonho - era Mercedita. A família Ferrettitocava junto, e o Renato Borghetti fazia uma participação também. Quem
cantava era uma senhora de cabelo enroladinho, pele escura, olhar meio
sofrido. Cantava muito bem, cantava doce.

Depois que praticamente debulhei o meu contrabaixo, fiz cara de decepção,
larguei o instrumento no chão e desci do palco. Parece que um outro
baixista iria me substituir - tinha um Yamaha de 6 cordas, se não me
engano. Mas saí correndo, chorando, parecia que o mundo tinha desabado. Nem
quis ver o fim da festa.

Vai ver eu estava era de olho no vinho tinto, tanto que acordei.

Italiano!!