11 outubro 2002

DOS BICHOS


Não, senhora, meu blog não está entregue aos bichos. Apenas estive atolada de serviço nos últimos dias, de forma que não pude brindá-la com minhas frases tão assiduamente quanto desejaria. Estou perdoada?

Obrigada, senhora.

E como vai seu cabelo vermelho? Tem feito as unhas regularmente? As caminhadas, os abdominais, as redações dos meninos – tudo nos conformes?

Aqui tudo está indo muito bem, fora o calor de rachar e a violência de furar. Nossa sorte é que ainda temos a água de refrescar, a reza de proteger e a poesia de viver. Não fosse isso, minha senhora, a coisa já teria degringolado (palavrinha, aliás, que aprendi com a senhora, nos idos tempos em que ainda me Aninhava nos seus braços).

O almoço que eu fiz ontem lhe causaria sensacional orgulho. Pois não é que temperei a galinha (frango!, depois de morta, a galinha vira frango!) um dia antes, e reservei na geladeira, de modo a “pegar gosto”?

A bichinha agarrou mesmo o gosto do limão e minhas ervas desidratadas! Assei-a, e nos deliciamos com o sabor intenso de uma galinha bem-dormida! Nada como um dia após o outro, já diziam.

Fiz até uns tomates (na verdade, só cortei e temperei), e arroz integral – claro. Meu irmão comeu que se lambuzava, inclusive o tomate! Mas disso não posso falar muito, que depois ele reclama de eu estar expondo sua intimidade.

(Quatro sobre-coxas, ele comeu. Quatro!!! Quem é que dá conta de alimentar esse moço?? Juro que não conto mais nada, ok.)

Meu pai – para mudar o alvo – telefonou, dia desses, contando a novidade: depois de dois meses de espera, finalmente fora buscar a Raíssa (cachorrinha) na escola de adestramento.

Depois de matar a saudade do bichinho, pôs-se a ouvir as instruções do “professor”. O que havia ali não era mais uma reles cadela. Tratava-se, ele desconfiava, de um animal programado, quase como um moderno aparelho “desses de apertar botão”. E ele, até hoje, confessa ter dificuldades em pausar o vídeo para fazer xixi.

A confusão foi ficando grande. O “professor” da Raíssa estava discorrendo, de modo técnico, sobre as novas funções da cachorrinha. Era um verdadeiro manual de instruções. E a Raíssa não tinha controle-remoto, para piorar.

Meu pai saiu de lá completamente zonzo, com tanta informação. E começou a se arrepender no ato.

-Senta! – A Raíssa deitava.

-Levanta! – A Raíssa sentava.

-Pega, pega! – A Raíssa olhava, com cara de tacho. Estática.

E assim foram se desentendendo mutuamente, até que ele resolveu desistir, e tratá-la como se fora um mero cão. Chega desse negócio de adestramento. Cachorro inteligente é história pra boi dormir, esse bicho que se coloque no lugar dele, e pronto.

-E deu certo, pai?

-Nada!! O feitiço virou contra o feiticeiro! Agora, é ela quem manda em mim!! Impressionante! Se eu mando calar a boca, ela late ainda mais alto. Se eu mando deitar, ela pula em cima de mim. Se ela quer comida, tem que ser na hora. Tudo, tudo na horinha em que a madame quer! Já expliquei que, numa relação, cada um tem que ceder um pouco. Pensa que ela deu bola para a minha psicologia de casais? Nem aí! Continuou balançando o rabo, cínica, como se não fosse com ela. Estou cansado, sabe, filha? Não há diálogo, não há respeito. É tudo como ela quer, só a vontade dela impera nesta casa. Está virada numa cadela tirana e sem escrúpulos. Ontem mesmo, eu me peguei seguindo as ordens dela, naturalmente, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. O pior é que a gente acostuma e, depois, quando vê, já está obedecendo mesmo! Era só o que me faltava, mais uma para me dar ordens! JÁ NÃO CHEGA A TUA MÃE??!