15 janeiro 2005

O sangue era de Patrícia


O elenco do meu salão de beleza favorito entrou na guilhotina: rolou a cabeça da minha manicure-nota-dez, Conceição, eu me lembro muito bem, uma negrona alta de traços belíssimos e cachos aplicadíssimos – do tipo olhando-ninguém-diz.

Que judiaria.

Mandaram embora também outras tantas, simpáticas, risonhas, um pouco indelicadas, é verdade, mas ninguém é perfeito. Indelicadas no trato, eu digo. Porque, no alicate – vamos ao que interessa -, eram todas muy competentes. Bife meu, ninguém jamais arrancou ali.

Hoje, mudado o time, tive o prazer de estrear uma novata. De nome Patrícia. E foi só o que ouvi dela durante o serviço todo; ainda assim, depois de muito esforço.

- Como é o seu nome?
- Patrícia.
(Sabe a pessoa que fala para dentro? Impossível ouvir).
- Hein?
- Patrícia...
(Agora, para dentro e com a cabeça baixa).
- HEIN??
- Patrícia.
(Corou. Que meigo. Enfim, ouvi o nomezinho da moça).

- Prazer, Patrícia, eu sou a Bíbi.

Mas ela nem tchuns pra mim.

Patrícia Hein?, para meu desespero ainda maior, levou uma hora e quinze minutos para fazer a minha mão. Eu bufava, sonolenta e quase criando remelas, quando ela foi ao pé.

Duas horas depois de eu ter sentado à sua frente (juro!), Patrícia finalmente terminava o serviço. E eu abreviava aquele tormento quanto podia:

- Deixa só a base, só a base mesmo. Tá óóótimo.

Aos 45 do segundo tempo, a pobrezinha se vê nervosa e fura o próprio dedo com o alicate de cutícula. E jorra sangue de Patrícia por tudo.

Então ela abre a boca, mais constrangida ainda:

- Desculpe... a senhora me desculpe... o alicate estava muito amolado, sabe como é... a senhora quer que eu pare? Não, por mim continuo, não dói nada. Eu termino rapidinho. É que tem gente que não gosta de sangue, digo, de quando sai sangue, né. Eu termino, nem dói.

Depois de perguntar se ela tinha certeza que não queria fazer um curativo (o sangue nem era tanto, e não encostava em mim), deixei que terminasse o serviço – que, afinal, já estava quase pronto mesmo.

- Só queria pedir, assim, se a senhora não se incomodasse... que avisasse à moça da recepção, na saída, que eu me cortei, e sujei a toalhinha de sangue, mas foi com o meu sangue, não o da senhora... isto é, que eu não machuquei a senhora, né... senão elas podem pensar... e eu comecei ontem no salão, sabe como é...

Claro, claro, sei como é.

Na saída, fui até a recepcionista – uma loura hiper-extra-maquiada que me olhava com dificuldade enquanto eu falava, como quem faz esforço para entender, sei lá, Sartre.

- ... então... o sangue é dela, não é meu.

Ela franziu a testa, e coçou a barba (ops!).

- Entende? A manicure pede para avisar que o sangue que está na toalha é dela...

Parece que caiu a ficha...

- Aaaaaaaaahhh! Sim...

... mas não caiu:

- Tudo bem, está avisado. Mas, também, se o sangue fosse da senhora... (faz uma cara de “não nos incomodaríamos, não somos preconceituosas, a senhora deixa o seu sangue onde quiser, não nos importamos”.

- Ok. Bom 2005 pra você.