15 outubro 2004

Salão


Mais uma de salão de beleza (ainda faço um livro).

A senhora loura, proprietária do salão, desanda a desabafar com uma cliente antiga. Em tom, digamos, alguns decibéis mais alto que o aceitável para desabafos em frente às clientes – antigas ou não, tanto faz! Se é que há alguma aceitação para qualquer desabafo de proprietária para cliente. Sexta-feira. O salão, cheio. Eu, cheia. E cada vez mais.

- Eu acho assim, Fulana, a pessoa não pode ser boazinha o tempo todo. Não pode ser queridinha isso, queridinha aquilo, meu doce, benzinho. Sou empresária ou não sou? Montei esse negócio pra dar certo, oras! Quero todas as funcionárias uniformizadas, o material esterilizado, tudo limpinho, como manda o figurino. A cliente tem a obrigação de sair satisfeita! A cliente tem a obrigação de entrar aqui e sentir um cheirinho bom!!!

Essas duas últimas frases, então, foram pra matar. Eu me coçava, respirava fundo. Vontade louca de cutucar a perua:

- Desculpe... quer dizer que aqui a cliente tem a obrigação de sentir um cheirinho bom? Ótimo, eu não sabia. Da próxima vez que tiver de fazer as unhas, vou pensar assim: devo ir àquele salão onde tenho a obrigação de sentir um cheirinho bom, ou àquele outro onde eu sinto um cheirinho bom porque tudo realmente cheira bem?

Mas, me segurei, não disse nada. É cada uma que me aparece.


Intimidade italiana - tempos modernos

Havia uns dez anos que eu não falava com uma amiga chamada Carmem. Estudamos juntas em São Leopoldo. Hoje é designer da web, toda modernosa; casou-se com o segundo namorado e vive em Cachoeirinha (região metropolitana de Porto Alegre).

Agora, com esse negócio de Orkut, todo mundo reencontrando antigos amigos, eis que a Carmem ressurge. “Soube de você pela Época!” – ela me diz. Graaaaaande Carmem, bom te “ver”. Acabamos gastando uma grana em interurbano.

A irmã mais nova – deve estar hoje com uns 22 anos – é o assunto atual da Carmem. Que a menina não tem jeito, que é uma avoada, que não pára numa faculdade sequer. Já fez letras, administração, publicidade. E hoje, segundo a Carmem, faz turismo. Nas aulas de jornalismo – que freqüenta com assiduidade de baixa temporada.

- Agora ela me apareceu com mais um namorado, da internet. Coisa recente, saíram só algumas vezes. Eu fico espantada com a facilidade que a Juliana tem para dar intimidade para um sujeito que mal conhece. Mal conhece!

- Sabe o sobrenome?

- Sabe, sabe. Não se trata disso.

- Dar intimidade, é? Que tipo de intimidade?

- Intimidade da intimidade! Uma coisa assim, impressionante. Eu digo pra Juliana, mas ela não me ouve. Nunca me ouviu! Tem coisa que não se faz logo de início. O que os outros vão achar? O que o homem vai pensar, meu Deus?

Àquelas alturas, eu já estava me mordendo de vontade de saber dos detalhes sórdidos, da intimidade que a Juliana dava ao recém-chegado. Que “coisa” não se deve fazer logo no início? A Carmem sempre foi meio pudica, a mãe era linha dura. Que “coisa”? Doida para saber. Mas, lógico, não podia perguntar na lata. Fui me virando como podia:

- Carmem, hoje em dia é assim mesmo! As pessoas se conhecem pela internet, acabam pulando algumas etapas. Você sabe, pô, trabalha com isso! É natural. De mais a mais, a Ju não é mais nenhuma menina. Um mulherão daquele tamanho, maior de idade, vacinada. Tá na hora de saber o que quer, não tá?

- Pois é o que eu digo, tá mais do que na hora! Mas não sabe. Fica dando intimidade aí para esses caras da internet...

- Não quero me meter, mas... afinal, o que foi de tão grave que ela fez??? (Não me agüentei, escapou).

- Ela? Bom, tenho até vergonha de falar. Outro dia eu liguei pra lá, ela me contou que o sujeito tinha acabado de sair. FAZENDO O QUE NA CASA DELA?

- Ué, sei lá, uma visita... normal...

- Normal??? Normal, nada! Depois de meia hora de insistência minha, ela confessou!

- O quê? O quê??

- Que o cara tinha ido levar de presente uma cafeteira!

Broxei.

- Uma o quê?

- Uma cafeteira, não, pior: uma cafeteira italiana! Italiana! Com duas xícaras! Duas!!!

- Carmem, querida. E o que há de mal nisso?

- Porra, Bíbi! Mal conhece o sujeito!!! Cafeteira?? Cafeteira é demais! Achei que estivessem só trepando!


É, os tempos mudaram.
Inocência minha achar que a Carmem não teria mudando junto.

P.S.: Os nomes foram alterados para preservar a intimidade das amigas. Mas a cafeteira era italiana mesmo.