01 julho 2004

FAMA

Ouvi na propaganda do Fama a seguinte frase, dita por uma participante:
“Essa música é maravilhosa. Com certeza eu poderei, não só cantá-la, mas dar um verdadeiro show!”

É bom que eles já vêm com a modéstia embutida. Hoho.

***



Padre não julga


Minha Vó Manoela punha um vestido azul-marinho com bolinhas (na verdade, eram bolotas) brancas, com o cintinho combinando (que ela mesma devia ter feito), e me levava à missa. Eu tinha um jeito estranho que se dividia em achar graça daquilo, mas, ao mesmo tempo, sentir uma paz enorme quando entrava na igreja de mãozinha com ela.

Um dia eu disse a ela que queria me confessar, mas estava com medo. Medo de quê? – perguntou.

Estava com medo do tamanho da penitência, pronto, falei.

Vó Manoela deu risada e me garantiu que, na minha idade, ninguém cometia pecado que pudesse resultar em penitência gigante. Mas eu relutei mais alguns quarteirões; ela ia me arrastando pela mão, eu ia travando o passo e a conversa, já achei que tinha falado mais que a boca, queria esquecer esse papo de confissão, mas não achava outro assunto, e a vó insistia, que era bobagem ter medo do padre etc.

Quando ela perguntou, enfim, qual era o meu pecado horrendo, resolvi contar:

- Tenho medo de estar com a Doença de Chagas!

Eu tinha estudado, nas aulas de biologia, sobre a tal doença - provocada por um protozoário cujo nome científico agora uma busca na internet me ajuda a lembrar: Trypanosoma Cruzi! Esse bicho é transmitido por um inseto conhecido como “barbeiro”, que tem o design assemelhado ao de uma barata, só que mais mirradinho.

Bastaram algumas ilustrações nos livros didáticos, e eu achar uma barata qualquer em casa (ou mesmo uma formiga meio crescida): daí a imaginar que eu estava com a Doença de Chagas, foi um pulo. E, daí a me sentir culpada, foi um abraço.

- Como assim? Por que é que você pensa que é pecado ter medo de estar doente?

Essa resposta foi fácil. A Vó tinha me ensinado que Deus queria que a gente confiasse nele, sempre, até de olhos fechados. Dizia ela que, em tempos difíceis, não deveríamos enfraquecer; apenas rezar e confiar, que o mal iria embora. E que deveríamos temer somente a Deus.

Pronto. Se Deus achava certo que só temêssemos a Ele, seria, no mínimo, um desaforo ter medo de uma baratinha raquítica cujo cocô (literalmente) pudesse me deixar doente!

O padre certamente iria me excomungar. Eu, uma fedelha desclassificada que, em vez de ajoelhar e rezar por saúde, temia a doença possivelmente trazida por um bicho que eu achava que talvez lembrasse um pouco aquele das ilustrações dos livros.

Mas, não, ela me tranqüilizou: o padre não ia achar ruim “Até porque padre não julga.” Falou assim, rapidinho: padnãojulga.

Agora essa: padnãojulga. E eu tinha elaborado um discurso todo meticuloso, ia começar transferindo um pouco da culpa para a professora de biologia... mas, padnãojulga. Droga, ia ser sensacional. Mas, padnãojulga.

Então nem teve graça, eu fui lá e resumi – negócio é o seguinte, estou com medo de uma barata que pode ser barbeiro e pode ter me passado a Doença de Chagas. Quantas Ave-Marias dá isso?

E o padnãojulga me receitou, sei lá, meia-dúzia.