16 abril 2003

“DOURE AS BATATAS” – da culinária enigmática


Gosto muito de ler. Leio revistas e livros de vários estilos, e leitura nenhuma me assusta – à exceção da culinária.

Acho o texto culinário, além de enigmático, um pouco mal intencionado. Por mais que tente, não consigo deixar de pensar que, “do outro lado”, alguém deve estar rindo de mim – enquanto tento fazer ingredientes, tigelas, eletrodomésticos e ordens expressas do tipo “DOURE AS BATATAS” entrarem num consenso antes que minha cozinha vire um crematório à milanesa.

Outro dia, no jornal, havia mais uma dessas enganações do tipo “trago a pessoa amada em três dias”. Dizia lá, bem no topo da página, em letras enormes: “receitas fáceis e rápidas para recém-divorciados”. Tá bom.

Dei uma espiadinha, quase querendo cair no conto deles. A primeira receita era de um frango empanado, muito fotogênico, aliás, mas cuja parte técnica era – como de praxe – uma embolação de termos vagos amarrados a verbos de significado duvidoso. Para fechar com chave de ouro: “sal a gosto”.

Vamos combinar uma coisa: se eu procuro uma receita, é porque não tenho a mínima idéia de como se faz aquilo. Portanto, não me venham com “sal a gosto”, que a única coisa para a qual o meu gosto tem talento é pedir uma pizza. Afora isso, por favor, medidas muito bem especificadas.

Outro problema do texto culinário é a falta de gentileza com quem, definitivamente, não entende do riscado. Eles costumam partir de pressupostos equivocados – como, por exemplo, que você “já sabe” fazer tal coisa, ou que determinado procedimento “é óbvio”; então, não precisa ser explicado.

Ledo engano. E, aqui, volto ao exemplo das batatas. “DOURE AS BATATAS”. Como assim?

Sem vergonha nenhuma, admito que não tenho a mínima idéia de como se deve dourar batatas. E, quando não se conhece a solução para um problema, a vastidão do universo passa ser considerada válida. Daí o desastre.

Posso tentar jogar as batatas numa frigideira com água e sal, bem como posso metê-las no microondas, ou ainda no forno a gás, com orégano, ou azeite, ou mostarda (para dar uma “corzinha”, vai saber?). Se nada disso funcionar, também posso levá-las até a praia e passar Cenoura e Bronze no corpinho delas.

Portanto, “DOURE AS BATATAS” é vago, muito vago. É como dizer “gire a chave, engate a primeira e acelere” – quando o sujeito não sabe nem para que servem aqueles pedais.

Pobres dos recém-divorciados que, como eu, pensaram que poderiam se ver livre das prateleiras dos congelados. Garanto que até tentaram empanar o tal frango fotogênico - que prometia mundos e fundos, mas, na verdade, não passava de mais uma conspiração covarde contra o consumidor.

Tenho para mim que aquelas “receitas fáceis e rápidas...” eram, na verdade, anúncio pago pelas redes de pizzaria com tele-entrega. Esses, sim, lucraram.

Má idéia, não é.