29 outubro 2002

Os cientistas descobriram, com quase 100% de certeza (vai saber o que é isso), que existe, no centro da Via Láctea – galáxia da qual nosso rico planeta faz parte -, um imenso buraco negro que funciona como um redemoinho, sugando os corpos sólidos para dentro de si.

Ou seja, a Via Láctea tem um ralo. E já puxaram a tampa.

Mas a Terra não corre risco de entrar pelo cano, segundo eles, porque estamos muito afastados do buraco. Devemos suspirar aliviados, portanto.

Eu fico a pensar, inevitavelmente, no paralelo que pode se traçado entre a galáxia – ou seja o que for – e as nossas próprias entranhas. Somos poeira cósmica, está correto, mas alguma função aqui nós devemos ter.

Estamos longe demais do ralo da pia gigante, mas temos nossas próprias piazinhas, e nossos redemoinhos também não são de se jogar fora. Com todo respeito à Via Láctea, a vida terrestre já dá trabalho suficiente, de modo que não vou me preocupar com o encanamento da galáxia. Já seria demais.

O meu problema, por enquanto, é achar o tom correto para a canção. E isso pode ser muito complicado, tão complicado quanto me equilibrar na dança cósmica dos planetas, cuidando para não resvalar.

Se eu não fosse tão careta e covarde, ouviria o vento dos meus ralos internos assobiando, e seguiria aquele tom, ainda que não soasse exatamente como eu gostaria. O tom da intuição, à sombra da razão, que sempre canta os mesmos versos... mas eu finjo que não escuto.

E você não vá tirando o seu da reta, porque – tenho certeza – é igualzinho a mim. Ou quase.

Ah, mas a esperança equilibrista... é a última que entra pelo cano.

Será que estamos girando para algum sentido, ou só estamos correndo em volta do rabo? Eu voto no sentido, mas, volta e meia, volta o rabo e me derruba no chão. Complicado. (Ninguém disse que seria fácil. Simples, eles me dizem a toda hora. Mas, fácil... não).

Quando eu me sinto girando ralo abaixo - é quando estou encucada com dívidas, dando voltas em torno das mesmas dúvidas, achando que me falta talento, que envelheço e me desoriento cada vez mais e mais. É quando me pego fazendo contas nas pontas dos dedos, mesquinharia de sentimentos, quando me esqueço de abraçar meu irmão, por exemplo, e durmo pensando que estou só (mentira, estamos todos girando juntos).

Eu me sinto ralo adentro quando penso em medir emoções, catalogar os endereços dos beijos que me dão, com medo de dobrar a próxima esquina sem uma segurança, sem uma garantia qualquer, sem um papel, sem nada, sem nada. E, cada vez em que grudo as etiquetas nos vidros, eu me esqueço do verdadeiro sabor que eles tinham. A burocracia evapora o conteúdo.

Quando eu me sinto girando para o alto – é quando me desapego, eu me despeço dos medos, não quero saber das minhas convicções. É quando dou a mão ao simples, ao óbvio, quando me permito o ócio, e me entrego ao coração. Sem culpa, sem mania de perfeição.

Eu giro para dentro do ralo quando passo horas discursando sobre qualquer coisa, e me dói o peito enquanto tento ser verdadeira, mas não consigo.
Eu giro para fora do ralo quando, em vez de discursar, percebo que todo texto do mundo cabe todo dentro de um gesto.

E a Via Láctea vem parar bem no meio das minhas duas mãos.

27 outubro 2002

VOTOS DE UM BOM DOMINGO DE BONS VOTOS


Estou só escrevendo para aqueles choramingões que reclamam que visitam meu Blog três a quatro vezes por dia, no afã de encontrar novidades, e se decepcionam ao verem posts "antigos" - ante-ontem, para vocês, já é antigo.

A biblogueira aqui faz outras coisas da vida, caso não saibam, e não pode vir dar o ar de sua graça de cinco em cinco minutos, ok? Vocês bem que poderiam se organizar, fazer tipo academia: visitarei o BiBlog três vezes por semana, assim que acordar, e pronto.

O BiBlog não deixa a bunda durinha, mas diverte um pouco mais, e também é cultura. Estamos aqui cuidando da nossa saúde, afinal, quem ainda não leu sobre os benefícios do riso?

Estamos combinados, então? (Garanto que não...)

Deixo votos de bom domingo, e não se esqueçam de levar o título.

Beijinhos d'eu.

26 outubro 2002

Bons dias!

O pessoal do Rio já vai aprontando a caravana, que estaremos tocando no Espírito do Chpp – shopping Downtown -, no dia 9 de novembro, sábado. A “parada” (como se referem os cariocas a QUALQUER coisa, seja viva ou morta, real ou imaginária, etc) começa por volta das 9h da noite, e extrapola todos os limites do bom senso e da solidariedade com quem usa um contrabaixo pesado pendurado no pescoço, esticando-se até as 3h da manhã. Creiam vocês ou não, assim está determinado, e assim faremos.

Não contem comigo para nada no dia 10 de novembro, portanto. Estarei, com toda certeza, aboletada nos meus aposentos, imaginando uma luz violeta entrando pelo meu chakra frontal (ou terceiro olho), incenso aceso, inspirando e expirando lentamente, e só abrindo a boca para entoar canção de uma nota só, aquela que diz assim: “OOOOooooommmmmmmmm...”

E, por falar em saudade, onde anda você?

Antes disso, no dia 4, farei um violão-e-voz chiquérrimo, num evento para 200 gringos, onde cantarei baladas melosas e alguma coisa de bossa, o que me permitir o conhecimento harmônico e, sobretudo, os dedos. Entre uma canção e outra, encherei a boca para dizer: “Welcome to Rio” – e está feita a saudação da noite, que não esperem mais nada do meu inglês tupiniquim, porque já faz anos que não estudo, e prefiro silenciar a deixar escapar um mico qualquer.

E prefiro que não me aplaudam, porque o meu “THANK YOU” já está mais para TÊM-KIU, de tão enferrujada a minha prática no idioma.

Pois é, amanhã é o dia “D”, e eu vou justificar o voto, ou seja, a ausência dele. Há quase cinco anos morando nesta cidade, vergonhosamente ainda não regularizei minha situação de eleitora, de modo que apenas me abstenho e ainda assino embaixo, na cara dura mesmo.

A gente nunca sabe quando algo é definitivo. Deve ser porque nada o é. Minha vontade é casar e ter o Breno (filho) aqui no Rio de Janeiro mesmo, mas não sei se o Capitão Rodrigo (marido) vai amarrar o cavalo num poste carioca, ou se vai preferir se ausentar da minha vida nesta encarnação, e me aparecer, na próxima, irreconhecível – talvez gay, inclusive. A gente nunca sabe.

Até agora, garanto a vocês que os capitães (bela palavra!) da minha vida não têm sido, nem lá muito capitães, nem tampouco Rodrigos. E o cavalo branco, que é bom, nem sinal dele.

Já cruzei com belos moços, sim, mas, no decorrer da história, revelavam-se portadores de pangarés mixurucas, ou seja: eram falsos Rodrigos, evidente. E aí não me serve.

O Rodrigo tem de ser original de fábrica, do bom mesmo, com cavalo incluído, furinho no queixo, boca grande e alguma sensibilidade. Do contrário, não quero nem conversa.

Dizem as más línguas que sou uma sagitariana arrogante, metida a besta e até seletiva demais, mas eu não acho que a crítica tenha fundamento. Ocorre que, até o presente momento, nenhum Rodrigo que se preze cruzou meu caminho.

Um ou outro até cruzou, mas não me convidou para a cavalgada.

Na certa, esqueceu-se. E vai ligar mais tarde.

23 outubro 2002

ESTRADA

A estrada que somos na tempestade, a estrada que temos nas veias, a estrada que tece a arte, a estrada de Deus e do diabo a quatro - onde tudo se registra, onde tudo se alcança com sonho e alguma pegada; onde tudo aqui fica, mas também tudo lá passa.

A estrada das migalhas de pão de João e Maria - ilusão de retorno -, a estradinha de papel do primeiro caderno - ilusão de adorno. A estrada imaginária que sai da casinha e leva ao lago, convencional e bidimensional infância, sem ganância, ainda sem aquela ânsia do preto no branco racional.

A estrada giz-de-cera, aquela curva colorida certeira - o ponto de partida ideal.

A estrada que para dentro se embrenha - a estrada-entranha -, uma senha abstrata e estranha do interno de todos nós. A estrada a sós, eterna montanha-russa sem trilhos, vida, ida, vinda, ida, vinda - inferno e céu.

A estrada-trajetória do tiro, a estrada-história da guerra, a estrada-suicídio abismo: a droga.

E a estrada-folga, a pausa; à beira da certeza, a surpresa desagrada: causa errada.

A estrada se contorna, mas não se retorna. A estrada se torce, mas não se move. A estrada se passa, não se pára; não se sabe se terra, se barro, se pedra – nunca se sabe se a estrada é pronta, porque a estrada não se pensa, e não se espera nada.

A estrada é a recompensa.
AOS BIBLOGUEIROS CONVICTOS - e aos nem tanto

NÃO deixem de dar uma passadinha no belo site desenvolvido pela artista ANA PELUSO - www.officinadopensamento.com.br

Estou lá, na coluna musical.
Beijos.

22 outubro 2002

Sempre acho que vou acordar, um dia, com o barulho da chuva, virar de lado e puxar um pouco mais o edredom, sentir o cheiro do chá de erva-doce que ele vem trazendo devagar, com biscoito integral e mel e um sorriso bobo que eu sempre vejo, e sempre me encanta, mas nunca sei dizer o próximo compasso daquela sempre mesma situação que cisma em acabar diferente a cada chuva, a cada chá e a cada beijo integral com mel.

Eu me desligo das coisas como são, e me detenho às coisas como SER.

A chuva é água, mas o ser da chuva é muito mais; o ser da chuva é o barulho e é o gosto e sou eu mesma, enquanto mulher, enquanto mundo e como chuva ser.

O chá também foge da erva que é, e vem ser aqui no vapor do hálito dele, e no meu calor, e no orvalho do amanhecer chá.

Assim é que tudo perde o sentido e ganha os sentidos, assim é que o doce vem antes do mel, o barulhinho é o pai da chuva, o vaporzinho é que tem o chá – e não o contrário -, tal como o amor nos tem, não pelo poder, nem por assim dizer, mas simplesmente pelo nosso próprio SER.

20 outubro 2002

EU, SEM BOLA

Boa tarde, moçada. O Rio de Janeiro está escaldante, e dizem que, no sul, chove que Deus manda. Aqui Deus manda nas eleições, e o chifrudo manda no tráfico. Mas isto não interessa no momento, vim falar de coisas boas, estou de muito bom humor, e o Mano já está chegando com o sorvete mesmo.

Passo na praia e morro de vontade de jogar BOLA - poderia ser vôlei ou futebol -, mas me falta a companhia. Vejam como uma sagitariana com mania de auto-suficiência pode quase tudo na vida, mas, o mais importante, não pode: jogar BOLA. Ando com esta fixação. Não estranhem se me virem, dia desses, a jogar BOLA na parede, empolgada e saltitante, ainda gritando “deixa que eu chuto!!!” e xingando a mãe do juiz.

As pessoas que eu conheço não jogam BOLA, e isto me deixa assim, a me sentir só, acorrentada a um futuro meio insosso, um futuro sem BOLA e sem apito. Imaginem uma pessoa que não pode jogar BOLA. Esta sou eu.

Outra, outra da solidão. Lembram-se do show do Pepeu, sim? Pois trouxe, do bar, vários papeizinhos – guardanapos, na verdade -, que me serviam de conforto enquanto o Pepeu não aparecia para cantar que também queria beijar. (A propósito, já descrevi aqui a BOCA do Pepeu? Só de pensar, já me esqueci dessa besteira de jogar BOLA. Há tanta coisa melhor por aí, ora, bolas!).

Transcrevo, aqui, fielmente alguns dos meus rabiscos daquela noite solitária:

Guardanapo UM:

Essa gente da arte é que paga o pato
é quem sofre o impacto
e, se pisa em falso, não se cansa:
segue reto, certa de que a vida
não carece de convicção.
Com a graça de Deus,
À fé não interessa razão.


Guardanapo DOIS:

Essa gente da arte é de pouco papo
é quem sente o atrito
e, se vê o perigo, não se assusta:
segue em frente, certa de que a vida
desconhece a previsão.
Com a graça da fé,
a Deus não interessa razão.

Guardanapo TRÊS:
Uma menina com a cara e o jeito da Melissinha na produção de um show... é BÁSICO. Se não houver, boa coisa não é.

Guardanapo QUATRO:

Escrever é como dialogar com as próprias entranhas, com a vantagem de que elas não têm direito de resposta. (Ou será que têm?).
O que está entre parênteses é de autoria das entranhas, evidente.

Guardanapo CINCO:

Todo artista tem uma dívida que não será sanada nesta vida.

Guardanapo SEIS:

O perigo do verso não é o conteúdo, mas os filhos que o conteúdo jogará no mundo, irresponsavelmente.

Guardanapo SETE:

Nada há de mais romântico, no mundo, que um baixista semi-careca, vestindo preto desbotado, a dedilhar melodias inusitadas, apaixonadamente, jamais desrespeitando a HARMONIA. (AMORnia?)
Olha as entranhas, olha as entranhas...


Era isso, por hoje. Vou ao sorvete, beijocas geladas a todos e a todas que me aturam virtualmente.

18 outubro 2002

PEPEU E EU NA BARRA – eu também quero beijar!



Ninguém quis ir comigo ao show do Pepeu Gomes, ontem. Num rompante de mulher moderna e independente, tomei meu moderno banho, enfiei minha moderna roupa, peguei meu Bibimóvel e rumei para a Barra. Eu vou só.

O show estava marcado para as 21:30, num bar/restaurante chamado República Gourmet – já muito freqüentei, toquei, etc. Chego lá antes das 21h, e consigo vaga bem em frente. Mal termino de estacionar, o flanela dá um grito. Puxo o freio de mão, e pergunto: desculpe, o que disse?

- Eu só mandei a senhora não ir mais pra frente, que senão ia arrebentar a frente do carro na mureta!!! – Ele me responde, num mau-humor absurdo, ainda gritando, como quem me xinga por, talvez, querer bater meu próprio carro num muro (?).

- Ah, muito obrigada, mas não se preocupe, que eu sei o que estou fazendo.

- Mas ficou DOIS DEDOS da mureta!! – Ele rebate, mostrando a distância com os dedos.

- Eu sei, meu anjo. Problema seria se tivesse ficado dois dedos para dentro da mureta, não acha?

Ele se complicou para responder, acho que não entendeu. Entrei no bar.

Pepeu e banda só começaram depois das 23h – o que achei um desrespeito, mas tudo bem. Perdoado estava o novo baiano, que já começava cantando “eu também quero beijar”, com a boca imensa, o cabelo preso, a língua presa, e o charme solto que só.

(Aqui vai um parêntese: às moças que acham o Pepeu Gomes feio que é um raio, já vou logo admitindo que não sou exatamente conhecida pelo meu bom gosto estético, o que é uma pena, mas nada posso fazer. Acho o Pepeu mais bonito, autêntico, swingado, sexy e irreverentemente mais interessante do que o aguado e azulado Mel Gibson, por exemplo).

Atributos físicos à parte, musicalmente o garoto-cinqüentão também agrada, e muito. Também por “eu só quero você e mais nada” (falsete preciso e um pouco estridente no “e mais nada”, como lhe convém), mas, sobretudo, pelas seis cordas muito bem tocadas - com elegância e segurança de quem sabe o que está fazendo.

O que me chama atenção no instrumental bem entrosado da banda é a brasilidade muito bem casada com o “peso” quase “duro” (no sentido de forte) – aquele que é facilmente perceptível nas boas bandas de rock’n roll, por exemplo. Pepeu é roqueiro com swing, consegue ser HARD e BALANÇO ao mesmo tempo. Empolga e impressiona.

Toca choro com guitarra distorcida e faz convenções inusitadas, sempre com muito bom senso, e sem rompantes exagerados. Tudo como manda o figurino, eu diria.

O final ficou aquela coisa meio “sai do chão, galera”, apelando para a manjadinha “ora bolas, não me amole com esse papo de emprego” – particularmente, acho desnecessária e fracote das pernas, mas o povo gosta e aprova, levantando e dançando ao redor das mesas. Aplaudo também. (Quem sou eu?)

Os destaques do público foram mesmo as três filhas do Pepeu – as meninas têm um grupo de dança que canta, ou um grupo de canto que dança, não sei bem, vocês lembram? É algo como KLB, mas com as letras delas. Cada qual com a carinha da Baby, mas a cor do cabelo é o que diferencia. Todos fluorescentes, mas cada qual num tom... fluorescente.

E o pessoal do FAMA (não sei qual versão do programa, mas havia um bocado deles) também estava numa das mesas da frente.

P.S.: Ah, sim. Minha mãe, no primeiro dia em que passeava aqui pelo Barrashopping, deu de cara com o Pepeu Gomes e exclamou: NOSSA! Que cara parecido com o Pepeu Gomes!!

“Mãe, este É o Pepeu Gomes”.

“Credo, minha filha, mas como está FEIO !!!”

Logo, não tenho por quem puxar.

17 outubro 2002

APELO AOS NAVEGANTES

De todos os apelos que fá fiz, o que se segue é o mais imporante: ESQUEÇAM, pelo amor de Deus, que eu escrevi a pérola
"(...)pois que escolhi vim logo parar debaixo do braço do Redentor".

Foi erro de digitação, vamos dizer assim. O calor, enfim. Sei lá. Escolhi VIR. VIR, VIR, VIR.
Jamais escolhi VIM.
Desse jeito, não vou VIM a lugar algum. Argh.

16 outubro 2002

Alou, macacada.
Em casa, já recebi críticas rígidas em relação ao meu fraco desempenho aqui no BiBlog nos últimos dias.
Culpo o calor e a (conseqüente) falta de inspiração. Pode ser?

Não se vive mais no Rio de Janeiro; derrete-se, aqui, dia após dia. Hoje eu fui dar uma caminhadela na praia, à noite. À noite! Suava em bicas. Vento nenhum. Até o mar, acostumado que deve estar às temperaturas exageradas desta cidade, pareceu-me suspirar de calor – posto que as ondas, cá de longe, pareciam-me mesmo velhas baianas, com seus vestidos rodados de espuma branca, a balançarem, em suas redes, para um lado e outro, com a lua na cabeça e alguma preguiça justa no coração.

Eu digo justa, sim, porque “o calor vem desumano” – como cantam Djavan e Cássia -, e ninguém merece movimento algum, por estes dias, que não seja o vaivém ondulatório, ou pendular, ou qualquer outro vaivém que vocês imaginem aí em suas mentes sujas, mas depois não me venham dizer que a pervertida aqui sou eu!

Na calada da noite, só para variar um pouco, os bandidos metralham os prédios públicos e detonam bombas nos shoppings da cidade. O tal Palácio Guanabara está virado num queijo suíço, e não é de hoje que os traficas andam planejando transformar a cidade maravilhosa em Tábua de Tiro-ao-Álvaro – não tem mais onde furar.

Mas, para não dizer que não falei das flores, nossa futura governadora, Rosinha Garotinho, não poderia ter nome artístico mais apropriado aos cidadãos que temem pelo futuro disto aqui. Rosinha Garotinho: uma flor e uma criança – oh, quanta esperança.

Deve soar mesmo esperançoso à maioria da população, pois a moça está eleita, de fato, e nada mais se pode fazer. A não ser, é claro, reclamar para o bispo.

Mudando de assunto - até para não terminar tão doce quanto limão estragado -, hoje eu comi um feijãozinho caseiro que lembrou minha Vó Manoela, mãe de meu pai, já falecida. Foi com ela que aprendi a rezar, quando ainda achava que Ave Maria era, realmente, alguma parenta das galinhas, pombas e patas que minha vó criava no sítio. Eu achava uma ótima piada: “Ave Maria, cheia de graça”. E imaginava, sei lá, uma garça desajeitada, divertida e muito boazinha, que ficava voando lá pelo céu (?), a rogar por nós, agora e na hora de nossa morte, amém.

Mal sabia a Vó Manoela que eu iria precisar tanto dos cuidados da garça-mãe de Deus, pois que escolhi vim logo parar debaixo do braço do Redentor, e, quanta ironia: o cenário aqui anda quase beirando a perfeição daquilo que um dia fora imaginado pelo, desculpe-me a governadora, mas pelo chifrudo mesmo.

Já sei, já sei: era preferível que eu terminasse o texto na acidez do limão que nas guampas do diabo. Mas essas coisas a gente não escolha. (Governadoras, sim).

11 outubro 2002

DOS BICHOS


Não, senhora, meu blog não está entregue aos bichos. Apenas estive atolada de serviço nos últimos dias, de forma que não pude brindá-la com minhas frases tão assiduamente quanto desejaria. Estou perdoada?

Obrigada, senhora.

E como vai seu cabelo vermelho? Tem feito as unhas regularmente? As caminhadas, os abdominais, as redações dos meninos – tudo nos conformes?

Aqui tudo está indo muito bem, fora o calor de rachar e a violência de furar. Nossa sorte é que ainda temos a água de refrescar, a reza de proteger e a poesia de viver. Não fosse isso, minha senhora, a coisa já teria degringolado (palavrinha, aliás, que aprendi com a senhora, nos idos tempos em que ainda me Aninhava nos seus braços).

O almoço que eu fiz ontem lhe causaria sensacional orgulho. Pois não é que temperei a galinha (frango!, depois de morta, a galinha vira frango!) um dia antes, e reservei na geladeira, de modo a “pegar gosto”?

A bichinha agarrou mesmo o gosto do limão e minhas ervas desidratadas! Assei-a, e nos deliciamos com o sabor intenso de uma galinha bem-dormida! Nada como um dia após o outro, já diziam.

Fiz até uns tomates (na verdade, só cortei e temperei), e arroz integral – claro. Meu irmão comeu que se lambuzava, inclusive o tomate! Mas disso não posso falar muito, que depois ele reclama de eu estar expondo sua intimidade.

(Quatro sobre-coxas, ele comeu. Quatro!!! Quem é que dá conta de alimentar esse moço?? Juro que não conto mais nada, ok.)

Meu pai – para mudar o alvo – telefonou, dia desses, contando a novidade: depois de dois meses de espera, finalmente fora buscar a Raíssa (cachorrinha) na escola de adestramento.

Depois de matar a saudade do bichinho, pôs-se a ouvir as instruções do “professor”. O que havia ali não era mais uma reles cadela. Tratava-se, ele desconfiava, de um animal programado, quase como um moderno aparelho “desses de apertar botão”. E ele, até hoje, confessa ter dificuldades em pausar o vídeo para fazer xixi.

A confusão foi ficando grande. O “professor” da Raíssa estava discorrendo, de modo técnico, sobre as novas funções da cachorrinha. Era um verdadeiro manual de instruções. E a Raíssa não tinha controle-remoto, para piorar.

Meu pai saiu de lá completamente zonzo, com tanta informação. E começou a se arrepender no ato.

-Senta! – A Raíssa deitava.

-Levanta! – A Raíssa sentava.

-Pega, pega! – A Raíssa olhava, com cara de tacho. Estática.

E assim foram se desentendendo mutuamente, até que ele resolveu desistir, e tratá-la como se fora um mero cão. Chega desse negócio de adestramento. Cachorro inteligente é história pra boi dormir, esse bicho que se coloque no lugar dele, e pronto.

-E deu certo, pai?

-Nada!! O feitiço virou contra o feiticeiro! Agora, é ela quem manda em mim!! Impressionante! Se eu mando calar a boca, ela late ainda mais alto. Se eu mando deitar, ela pula em cima de mim. Se ela quer comida, tem que ser na hora. Tudo, tudo na horinha em que a madame quer! Já expliquei que, numa relação, cada um tem que ceder um pouco. Pensa que ela deu bola para a minha psicologia de casais? Nem aí! Continuou balançando o rabo, cínica, como se não fosse com ela. Estou cansado, sabe, filha? Não há diálogo, não há respeito. É tudo como ela quer, só a vontade dela impera nesta casa. Está virada numa cadela tirana e sem escrúpulos. Ontem mesmo, eu me peguei seguindo as ordens dela, naturalmente, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. O pior é que a gente acostuma e, depois, quando vê, já está obedecendo mesmo! Era só o que me faltava, mais uma para me dar ordens! JÁ NÃO CHEGA A TUA MÃE??!

07 outubro 2002

PENSA!

Sexta-feira à noite eu fui à Lapa com um amigo. Ele passou aqui em casa, e pegamos a Linha Amarela em direção ao Centro da cidade - eu moro no Recreio, é longe, aqui no Rio as distâncias são sempre grandes.

Lá pelas tantas, pouco antes de pegarmos a Av. Brasil, fomos surpreendidos por carro da polícia - que deu um cavalo-de-pau e se atravessou no meio da pista. Desceram uns 4 ou 5 PMs, cada qual com um fuzil na mão. Um deles disparou um tiro, provavelmente tentando "caçar" ou assustar um bandido que passava por ali na hora.

Meu amigo estava dirigindo, e gritou para que eu me abaixasse, enquanto ele acelerava e tentava nos tirar dali o mais rápido possível.

Cena parecida com essa (mas sem o tiro) eu presenciei, também na Linha Amarela, exatamente na noite anterior.

Fica aqui meu desabafo, acompanhado de um pedido encarecido que se estende a vocês e a quem mais quiser: PENSEM PAZ. Atentem para suas vidas em família e no trabalho, e POLICIEM os PENSAMENTOS o quanto puderem.

Não deixem seus filhos crescerem pensando que o Rambo é o máximo. NÃO incentivem a violência, sobretudo com o PENSAMENTO.

Quando a gente pensa "não posso fazer nada para resolver essa situação", está CONTRIBUNDO para que ela não se resolva. TODOS PODEMOS, e a força está, não na matéria, mas NA IMAGINAÇÃO - por mais incrível que pareça.

Não estou dizendo besteira, meu anjo. De boba, tenho só a cara e o bolso.

A ciência está cada vez mais próxima de compreender certas questões antes desprezadas por ela. INFORMEM-SE; leiam UM parágrafo sobre os princípios da física quântica, antes de considerarem que qualquer papo sobre "o pensamento cria" é balela.

Dêem uma busca, na Internet, pela palavrinha GOSWAMI (é só um mero exemplo). Trata-se de um físico que é doutor no Instituto de Ciências Abstratas em Sausalito, CA. Ele afirma, entre outras coisas, que A CONSCIÊNCIA É A CRIADORA DA REALIDADE FÍSICA.

Está tudo muito perto de nós. É FÁCIL e SIMPLES. Não é A CIDADE que anda violenta, não é o PAÍS, não é o BUSH, não é LÁ - nada é LÁ.

Somos nós - é aqui, bem aqui.

É quando eu penso em ferrar o cara que me ferrou, é quando eu tenho ÓDIO, RAIVA, AGRESSIVIDADE, RANCOR. É dessa matéria-prima que são feitas as bombas. E elas estão estourando cada vez mais perto do nosso nariz.

Nada é tão complicado assim, se eu não for CABEÇA-DURA. É CARETICE não prestar atenção nisso, é RIDÍCULO continuarmos ignorando que a responsabilidade é NOSSA.

Vejam se vocês conseguem beber um gole d'água antes de se imaginarem fazendo isso, mesmo que rapidinho, "quase" de modo mecânico. Se alguém conseguir, dou-lhe minha fortuna toda (hehe).

Não estou pedindo para rezarem a Santo Expedito, nem para fazerem um batuque aqui e ali, nem para meditarem, fazerem jejum, acreditarem em coisa alguma que não esteja com vocês dia e noite. É só PENSAMENTO, é grátis e não morde.

Não é porque está na moda, não é o pensamento dos livros de auto-ajuda. Vão estudar um negócio sério antes de julgar pelos almanaques da vida, não se contentem com a água batendo nas canelas - queiram ir mais fundo, se forem capazes, se não tiverem PREGUIÇA.

Raramente escrevo sobre isso. Vão dizer que devo acabar doida, vendendo incenso em Três Coroas. Capaz de me colocar na prateleira dos "esotéricos".

Mas agora eu escrevo, e ainda mando estudar. Fiquei TOCADA pelas cenas que vi, quero mais é que me achem maluca de pedra, não estou nem aí. O negócio tem que funcionar, não é possível que essa gente CARETA vá continuar batendo sempre nas mesmas teclas. Tacanhice com destino ao crime - passagem só de ida.

Desculpem estar sendo tão enfática; sou meio exagerada, mas só quando decido ser, quando é por boa causa.

Pensem paz, vivam bem... vão cuidar da vida, oras.

Abraços,

Bíbi Da Pieve

04 outubro 2002

YES, WE HAVE BANANAS


Instalaram uma feira aqui ao lado do nosso prédio. É assim que se diz – instalaram uma feira? Não sei. Depois da invasão dos softwares, parece que tudo é de instalar.

Fiquei com preguiça de “fazer a feira” (como os cariocas dizem); ainda não fui. Mas tenho sonhado muito com o dia em que sairei daqui com uma sacolinha no ombro, e tratarei de buscar bananas-prata e maçãs verdes na feira. O que me falta é disposição, mas, em contrapartida, tenho imaginação que dá e sobra.

Estou tratando do figurino. Não sei com que roupa eu vou. Acho que roupa de feira tem de ser meio coloridinha, primaveril, e eu não tenho nada que misture cores, nada de flores, nada, nada. Gosto de cores “burras”, como costumo dizer. Quando compro uma blusa vermelha, é exatamente aquele vermelho que você imagina quando lê escrito: VERMELHO. Bem grande, assim, ignorantão.

Esse negócio de vermelho “puxado para o...” não me convence. Verde é verde, azul é azul, e assim por diante. Minhas cores são assim; honestas, francas.

Agora, para a feira, preciso arrumar um visual de menos impacto. Acho que vou a um brechó comprar um vestidinho de tonalidade duvidosa, sei lá, com florezinhas ou mesmo rabiscos incoerentes de todas as cores desbotadas que eu achar. Um estampado desses que parecem salada mista, cortina de salada mista, algo do gênero.

Sandália. Não posso deixar de comprar uma sandália sem salto-alto, que a gente anda muito na feira. Se bem que, por aqui, temos só três ou quatro barraquinhas. Não importa. O tamanho da feira não pode determinar o traje, senão vira bagunça. Feira é feira, e pronto. Salto baixinho.

O cabelo vai todo preso para cima, até para não atrapalhar no apalpar das frutas. Há que se ter muito cuidado, numa feira, para escolher bem o produto. É básico.

O texto é fácil. Basta reclamar de tudo um pouco, começando pelo tempo, vizinha, que está há dias nessa indecisão, ora chove, ora esquenta, não é? E o preço do morango, então? Quis fazer, noite dessas, uma festinha lá em casa. Festinha particular, entende?, para o maridão, com morangos e chantilly, não sei se estou sendo clara... é, festinha de sacanagem, isso mesmo. Só que não deu, amiga, simplesmente perdi todo entusiasmo ao me deparar com o preço do morango, que já foi mais humilde. Assim, não há sacanagem que resista!

E a vizinha há de comentar que, ontem mesmo, o menino mais novo teve um febrão que foi de preocupar. Banho frio, afinal, é bom? Não sabe. Na dúvida, colocou todos os edredons da família por cima do moleque, que acordou encharcado no meio da madrugada. Mas a febre dele baixou; o problema é que o marido e os outros três, hoje, amanheceram espirrando, porque dormiram destapados. Aí ela teve a idéia de vir buscar uns limões, aproveitou que era dia de feira...

Assim, eu vou fazendo as compras, com meu vestidinho alegre e minha sandália sem graça.

Vou chegar em casa, orgulhosa, colocando as frutas numa fruteira – preciso comprar uma -, por ordem de tamanho ou de chegada ou de cor mesmo. Os legumes, devo empacotar e guardar na gaveta debaixo da geladeira.

Depois, às 11h da manhã, colocarei a couve-flor e uns rabanetes no microondas (deve ser assim que se faz), lerei as instruções na embalagem, e seguirei à risca. Assim que apitar, farei o mesmo com a rúcula, o agrião, os tomates e, sei lá, o pimentão VERMELHO (como a minha blusa).

Quando estiver tudo cozido – será que precisa de água? -, ou assado, não sei como se diz, então eu chamarei a família, colocarei a toalha xadrez por cima da mesa, e uns pratos, e uns copos.

E sairei correndo pela porta dos fundos. (Na verdade, a sandália baixa era pra facilitar a fuga).





03 outubro 2002

Sonhei, amigas, nem pareceu sonho. Lembro ainda agora, com nitidez. Eu estava me preparando para subir ao palco. Era um lugar enorme, estava lotado, tratava-se de uma grande festa – algo como Oktoberfest, eu imagino. Com barraquinhas, muita comida e chope.

Ofereceram um jantarzinho à banda. Sentei-me, e comecei a comer. Lá pelas tantas, engasguei feio, muito feio. Vieram me amparar, o que houve com ela?, mas já era tarde: algum distraído – ou bêbado mesmo – havia deixado cair, naquele strogonoff de camarão delicioso, uma das lentes dos seus óculos de grau.

Eu, de pouca sorte, havia conseguido justamente me servir da conchada que escondia aquela lente. (Detalhe: àquelas alturas, o vidro já estava partido, aos pedaços). Quando fui morder o camarão, tive a ingrata surpresa de mastigar, também, migalhas de lente. Pensando que era areia, fiquei com vergonha: não vou reclamar, prepararam o jantar com muito carinho, mas não limparam o camarão direito. Tudo bem, tudo bem, acontece.

Mastiguei a “areia” todinha, estranhando um pouco aquela consistência, e engoli. Outras garfadas, mais “areia” engolida. Até que, subitamente, apareceu na minha boca um naco maior de vidro. Pensando que poderia ser qualquer objeto estranho, menos óculos, tratei de triturar também, e engolir. Metade entrou; outra metade, cortou minha língua e meus dentes.

Comecei a tossir e a cuspir vidro diante de todos. Foi aquilo.

Quando, enfim, percebi o que havia acontecido, aí foi que as coisas pioraram: parecia que meu estômago estava sendo esquartejado por aquele vidro todo, antes “areia”, que eu tinha ingerido irresponsavelmente.

Fui ao banheiro, correndo, e olhei no espelho. Um dente da frente caiu no chão, assim que abri a boca. Outro, o vizinho daquele, ameaçava pular também. Era o início do suicídio coletivo da minha arcada dentária.

A única coisa em que eu pensava era: e agora?? Como é que vou cantar com este time desfalcado?

Nisso, entram dois homens no banheiro. Um deles é meu amigo cantor; o outro, um baixista que o acompanha.

- O que está havendo? Por que vocês entraram no banheiro feminino?? – Eu disse, assustada e tímida.

Não era o banheiro feminino. O equívoco fora meu, que, aloprada e semidesdentada, tinha invadido o sanitário deles.

Foi então que me caiu a ficha: “O que vocês vieram fazer nesta festa?”

Tinham ido me ver tocar. Mas já estavam indo embora, porque ouviram um boato lá fora – que a baixista tinha passado mal por causa de excesso de álcool, e fora carregada, muito a contra-gosto, para o Pronto-Socorro mais próximo. Glicose na veia, aquelas coisas.

- É mentira!! Eu só engoli vidro!!

- Credo! Estava tão mal assim???

Mostrei os dentes caindo, e expliquei o problema, até que se convenceram. Na minha frente, a solução: um cantor e um baixista, novinhos em folha, e cheios de dente. Substituição!

O que se sucedeu a partir de então, já não lembro bem. Só sei que os amigos foram mesmo me substituir, gentilmente, enquanto eu chorava, inconformável, dentro do ônibus da banda.

Até que chegou um ex-namorado meu, jovem cabeludo de predicados estéticos animadores, e ficamos ali, sozinhos, dentro daquele ônibus escuro, afastado de tudo e todos.

Já disse que não lembro o que aconteceu, pô!!

***
Moral da história: boi desdentado também pasta.

02 outubro 2002


ERRATA

Errei, errei!
Eu não tinha 9 anos quando da novela Top Model, mas uns 12. Quase me rejuvenesço três anos. (Mal, não faria).

Deve ser a crise dos 25 anos - que eu farei no dia 24 de novembro próximo, se Deus ajudar e a Benedita deixar. Mandem brindes!
Imagine, 25. Eu tinha certeza de que, aos 25, seria uma mulher formada, bem sucedida, linda e cheirosa, a fazer compras no shopping com o Breno (filho, já com um ano e meio) e um certo Capitão Rodrigo (maridão, claro).

Mas tudo passou tão de repente, foi até divertido, nem cansei, todavia, muito embora esteja feliz como pinto no lixo, não arrumei canudo algum, nem tampouco sucesso, lindeza, Breno ou Rodrigo. Vai-se vivendo, oras.

Esta coisa de planejar é comum aos mortais, mas carece um pouco de inteligência. Dos planos que fiz, poucos vieram me dar bom dia na vida real.

O plano bom é aquele que, ao invés de ser planejado, planeja a gente. É o pensamento que te pensa, o sentimento que te sente, a vida que te vive.

Quando eu comecei a tocar violão, tinha certeza absoluta de que a coisa mais difícil na vida era fazer um Fá maior. Aquilo não era pra mim, definitivamente. Cantava com gosto, mas cheia de pé atrás. Minha mãe dizia “te solta!”

O plano vinha me comendo pelas beiradas. Sorrateiramente, o sentimento me sentia, e o pensamento me pensava: no fundo, é exatamente nessas seis cordas que eu vou me segurar enquanto ainda não puder me soltar.

Com o tempo, fui caindo cada vez mais dentro. Dentro da caixa do violão, onde o barulho é mais intenso e a gente sente a vibração de cada nota no peito... diacho, o peito. A primeira coisa que eu vi – e me encantou – no contrabaixo foi justo o peito. O meu, que ficava tremendo ao som do grave produzido pelo instrumento.
Outro plano que eu não planejei – o baixo me pegou pelo peito, e não larguei dele até hoje.

Essas coisas que a gente não entende. Quando me perguntam “e por que o contrabaixo?”, eu me seguro para não cair no ridículo de dizer: toco baixo porque o baixo me tocou primeiro.

Paupérrimo, não? Pura verdade.

Assim que eu parar de tomar essa vacina anti-Breno, e se, então, o Breno vier chorar na minha vida, terei muito prazer em oferecer-lhe meu peito para que possa se tornar uma criança saudável – alimentada de um leite grave, cheio de oitavas abaixo, dedilhado profundamente com muito amor e alguma melodia, que ninguém é de ferro.

Um leite em fá maior, leitinho afinado de quem seguiu, sobretudo, o instinto. Na hora de compor – vida ou canção -, garanto que não há coisa melhor.
Ah, eu acho engraçado. Quer dizer que estão reivindicando atualizações no BiBlog, como se clientes fossem? Ok, eu mereço. Agradecemos a preferência. A sua ligação é muito importante para nós.

Mais de 5 mil visitas neste site, e eu continuo cada vez mais dura, tentando escrever um livro para ver se descolo algum, concentrada nos meus personagens, enlouquecendo meus pobres amigos que já não sabem se sou fruto de ficção ou realidade, sonhando viver de brisa ou vento ou poesia mesmo. E me vêm cobrar assiduidade artística.

Pois bem, caríssimas leitoras (suspeito só ter mulher me lendo, além do Duda e do Mano), cá estou, desprovida de inspiração, mas nutrida de afeto pela literatura até os dentes. Nove da manhã de quarta-feira, acabo de ler no Globo que “o tráfico planejou ação que parou o Rio”.

Chega a ser engraçado – perdoem meu humor negro e, por vezes, infame. Primeiro, que o rio costuma correr indefinidamente, já diziam os poetas antigos. Hoje em dia, eis que o rio pára.

Diziam os telejornais extremamente confiáveis da nossa cidade, ontem mesmo, que “uma onda de boatos fez o comércio parar em alguns dos bairros do Rio de Janeiro”. Imagina, falando assim, boatos. Parece coisa de gente doida, que um passou para outro, que passou para outro, e acabou se formando uma ondinha, quase uma marola, que – olha só! -, plim!, parou a cidade.

Comerciantes desvairados, à beira de um surto descabido de pânico, simplesmente acharam melhor perder fortunas, no final de um mês tenso de economia instável, porque “boatos” invadiram a cidade. Como fossem os ETzinhos do Mel Gibson, entortando plantações alopradamente. Boatos.

Hoje, o imparcial Globo afirma que foram os traficantes mesmo. Então eles existem, os traficantes?? Ora, quase me choco com tal novidade. Só falta me dizerem que eles mandam nesta cidade maravilhosa, agora. Só o que falta.

Nossa governadora, entretanto, diz que está tudo sob controle. Acredito que sim. “Tá tudo dominado”. Por quem, mesmo??

É por essas e outras, caros ouvintes – para variar a expressão -, que eu prefiro bater um papo com os ETs a enlouquecer meus poucos neurônios com essa gente de saúde duvidosa. Depois, a doida varrida sou eu.

Não consigo, contudo, deixar de me encantar por esta cidade amalucada e incoerente. De um lado, mar. Do outro, montanha. Só podia mesmo dar nisso.

Há quase cinco anos, trouxe meus trapos e hospedo meus versos por estas bandas. Daqui não saio, daqui ninguém me tira. A confusão inspira, amigos. E a confusão, em si, pira. (Sorry).

O Rio de Janeiro virou parente: só eu posso falar mal, sabe como é? Se pego alguém maldizendo a cidade, viro bicho. Meu bairro, então, é sagrado. Fale mal do Recreio e arrume uma inimiga de carne e prosa.

Ainda lembro, como se fosse ontem, a primeira vez que pisei nesta terra. Turismo em família. Viemos ao Recreio dos Bandeirantes, que pouco era além de mar e mato, e conhecemos parte do cenário da novela Top Model – a Malu Mader era meu ideal de mulherão, eu tinha nove anos e muita fantasia na cabeça. Lembra, mãe?

A “casa do Gaspar” (Nuno Leal Maia, na época em que eu nem valorizava um telhado grisalho tanto assim) era um sonho real. Eu estava em Hollywood, eu era feliz.

Tinha a “barraca do Sal(danha)”, onde o Evandro Mesquita interpretava um surfista natureba pra lá de atrapalhado que vendia sucos e lanches. Aqui, bem no Recreio. Eu estava vendo tudo aquilo, sonhando em me tornar a Malu Mader ou coisa parecida, e pedindo ao papai do céu que, assim que minhas pernas fossem grandes o suficiente, me pusesse a morar nesta cidade-cenário.

Ele me pôs.

Não me tornei a Malu, nem tampouco coisa parecida. Pensando bem, talvez coisa parecida: Malu-ca eu consegui ser.

Já é alguma coisa.