28 setembro 2004

O de Janeiro e o Grande do Sul


Gaúcho fala “eu vou ir”. Carioca fala “em dia de sábado”. Gaúcho fala lancheria (para lanchonete). Carioca fala manobreiro (para manobrista). Gaúcho fala pila para dinheiro, e não põe no plural. Quanto é que deu? São dez pila, moço.

Gaúcho também não conjuga certo. Tu vai, tu viu, tu deixa? Carioca quase sempre deixa.

Gaúcho pára na sinaleira. Carioca não gosta de sinal fechado (Calcanhoto). Gaúcho liga o pisca-pisca; carioca dá a seta. Gaúcho vai à serra passar frio, comer e se esquentar. Carioca vai à praia passar calor, beber e se refrescar.

O namorado gaúcho acha que a namorada carioca está com frio na cama, e pergunta: amor, tu quer te tapar? A namorada não entende, mas aceita, e é coberta. O gaúcho pergunta se ela chaveou a porta. Ela já sabe que chavear é fechar e trancar com a chave, mas se esqueceu, e a chave está mais perto dela do que dele. Então ele diz : tu me alcança a chave? E ela sabe que alcançar é apanhar algum objeto que esteja longe e entregar a ele.

Ela alcança a chave, ele chaveia a porta e eles dormem, bem tapados.

O carioca bem carioca é da gema; o gaúcho bem gaúcho é da fronteira, da casca. O gaudério chama o celular de “telefone de garupa”, e a mulher de chinoca – mas só se for muito íntima. O carioca chama de gostosa, mesmo que não a conheça.

O humor do gaúcho é para dentro; o do carioca é para fora. No sul, branquela sem swing é mato. No Rio, é gringo. Gaúcho que mora no Rio, quando vai ao sul, é carioca. Carioca que mora no sul, quando vai ao Rio, é gaúcho.

A guria gaúcha ganha marquinha de biquíni em dois meses, depois retoma o branco; a garota carioca desbota um pouco em julho, depois retoma o bronze. As gurias são altas, têm olhos claros, algumas são verdadeiras Giseles. As garotas são saradas, brasileiras, umas Pitangas.

A geografia do Rio se exibe, seus mares, seus bíceps; o Rio Grande guarda seus mistérios no vento frio das planícies.

Ser gaúcha e viver no Rio é pôr uns cobertores para secar ao sol, lá fora, e depois dormir bem tapada - ouvindo o vento soprar, aqui de dentro.

26 setembro 2004

Pia

Botei
o João Bosco a cantar
e fui tratar da louça.

“Dois pra lá, dois pra cá”
ele me instruía,
e eu na pia.

Sabe
que nem era pelos versos,
mas pela companhia.

Que eu gosto
Detergente
Por perto

Me alivia.

***

Morde, assopra

De um amigo que recebeu uma notícia ruim, e, no dia seguinte, uma maravilhosa.
- Caramba. Deus é um baita dum morde-e-assopra.
Faz sentido.

***

Horas

Chega
uma hora na vida
em que é preciso tomar as providências
que você sabe que já devia ter tomado,
mas ainda não havia chegado
a hora da vida
em que é preciso tomar as providências
que você sabe que já devia ter tomado,
mas ainda não havia chegado
a hora da vida...

A sua hora da vida
é só sua.
Ninguém pode acertar
os seus ponteiros.

Pimenta no cuco dos outros
É refresco.

25 setembro 2004

"Bíbi!

Acabamos de chegar de uma festa. Eu e a Eliana fomos à churrascaria Schneider, jantar peixe com churrasco. Estava maravilha, maravilha.

Na verdade o motivo da festa era prestar uma homenagem para um senhor que foi, nos anos 60 (eu não errei, não, é sessenta mesmo), nosso primeiro patrão. Lá estavam reunidos uns dez guris e gurias que trabalharam no supermercado do homem. Detalhe: levamos nossas carteiras de trabalho, para fazermos confrontos de datas de admissão e saída da empresa.

Tive belas surpresas. Primeiro, constatei que a Eliana é, disparada, a mais bonita dentre as esposas de meus ex-colegas. Segundo, eu, modéstia à parte, sou o mais bem conservado. Não que os demais estejam velhos, isso não, só que talvez o tempo os tenha castigado mais.

Havia algumas regras estipuladas pela guria que organizou a festa. Primeiro: era proibido perguntar por algum colega que não tivesse comparecido. Eu não sabia, no início, e perguntei por dois que não estavam. Já haviam partido para uma melhor, segundo a organizadora - e eu nem desconfiava.

Idade, nem pensar em perguntar também. Motivo óbvio. Mas a pergunta mais freqüente era: quantos netos você tem? E o que mais se ouvia era: eu já fiz duas safenas, eu três, mas tudo bem, eu era novo ainda. Também se ouvia aquele desabafo do tipo: graças a Deus estou bem de saúde. Isso é que importa. Tive isquemia há três anos, mas me recuperei rápido. Só não dirijo ainda.

Outras conversas eram do tipo: Lembra do fulano? Vi ele há uns seis anos. Tava bem, tinha perdido a mulher, e estava aposentado agora. Ou, foi bom te ver de novo. Acho que faz uns quarenta anos, mais ou menos, não é? Ou também: aprendi muito contigo, guri. Comecei a fumar naquela época.

“Naquele tempo as coisas eram bem diferentes”. “Havia respeito”. “O dinheiro valia”. “Salário mínimo era salário” - também foram repetidas.

Foi o maior consumo de água mineral e guaraná diet da churrascaria, bem como das saladas verdes, é claro.

Bíbi, ainda bem que eu estou fora dessa gente, só trabalhei com eles não achas? Comigo não!

Vou concluir, a Eliana está preocupada e me chamando, pois quando chegamos medi a minha pressão e estava um pouco alta. Nada a preocupar, só l9Xl0.Já tomei os remédios e vou medir novamente agora.O que está a me preocupar é a taxa de glicose que estava muito alta, 198 - quando o ideal, para diabético e hipertenso como eu, é de 110."

23 setembro 2004

Meu pai tomou conta do blog


Sem mais a dizer, segue o e-mail do papai, abaixo.


"Bíbi,

transcrevo o diálogo que tive com um qüera almofadinha - deve ser paulista - que esteve aqui em casa se dizendo Inspetor dos Correios. Pois o moço teve a coragem de querer me chamar atenção por ter mandado uma caixinha de ovos para rechear os xis que mandei pra ti - Bíbi com acento no primeiro i - e para o teu irmão.

Primeiro, disse-me que eu tinha infringido a lei, e que ele estaria atrás de uma indenização para os Correios. Retruquei de pronto, dizendo a ele que eu era advogado, conhecia a lei, e, pelo que soube, quem estava me devendo uma caixa de ovo era – exatamente - o Correio.

O moçoilo retrucou, dizendo que havia uma Portaria proibindo remessas de alimentos perecíveis via sedex. Eu lhe disse que portaria não é lei, pelo menos aqui no RS, e que os ovos eram de boa qualidade e do tipo caipira. Ele gaguejou um pouco e tentou me dizer que, caipira ou não, todo ovo no compartimento de carga do avião, a 9.000 m de altura, estoura, pois não há pressurização.

Disse-lhe então que não entendia nada de aviões, e que sempre viajei neles sem preocupação com os ovos, se estourariam ou não. De mais a mais, achei que pelo sedex-10 a caixa iria no colo do piloto, isso pelo preço que cobram e pela propaganda que fazem.

O índio retrucou que eu poderia ser enquadrado na lei de segurança nacional ou até em crime internacional de atentado a aeronaves. Imagina só, Bíbi, eu mandei uns ovos e poderia ser enquadrado junto com as ações do Bin Laden!!!

Me enchi da conversa e mandei o guaipeca embora. Da próxima vez que te mandar outros produtos, vou procurar a Fedex - nada a ver com fedorento -, que poderá prestar melhores serviços que esses do nosso Correio.

Grande beijo.
O Pai"
***

Glossário (gauchês para leigos):

QÜERA, s. e adj. Indivíduo destemido (neste caso, dando chance ao azar).

ALMOFADINHA, s. e adj. Indivíduo paulista.

PAULISTA, s. e adj. Indivíduo almofadinha.

PS: As expressões acima destacadas não refletem a opinião desta autora. É coisa de pai, entenda-se.
Se puder.

21 setembro 2004

Recadinho

O porteiro perguntou ao meu irmão:

- No jornal, uma vez por semana, tem um recadinho de um rapaz com o mesmo sobrenome de vocês. É parente?

Ele se referia à coluna do Arthur Dapieve, às sextas-feiras, no Globo.
Não é ótimo? Recadinho. Adorei isso!

Leiam meu recadinho, portanto, na revista Época. Semana que vem tem.


Cinema: A Vila

O filme é simples, o roteiro é original. Não quero causar expectativa, porque sei que tem gente que vai achar que foi viagem perdida. Eu gostei muito. Nos primeiros 20 minutos, pode parecer que o filme não anda, e também pode ocorrer uma certa dúvida: ai, meu Deus, isso vai ser um tremendo abacaxi. Agüente firme. Da metade para o fim, emociona de verdade; fazia tempo que não via algo assim no cinema.
Pronto, causei expectativa.


Primavera

E chegamos ao final de mais um inverno - que já passou e nem veio, ninguém viu -, os termômetros marcando 30 graus às 6h da tarde aqui na cidade maravilhosa. Dei até uma caminhadela hoje (parece que o meu pé resolveu, enfim, começar a melhorar!), e o sol era belo, e o céu era azul, e a brisa ainda não era aquele nosso velho bafo quente – que, esse sim, tarda mas não falha. Que venham as flores, pois.

Começo a falar do clima e me empolgo, vejo ritmo nas estações: um, dois, três, quatro. Clave de sol, essas coisas simples da natureza, detalhes óbvios - trilhas de Deus?

Mas nem vamos nos aprofundar muito, que certas coisas encontram maior sentido no que não se diz sobre elas.

Bom início de primavera, só isso. E vejam flores em vocês.

19 setembro 2004

O xis do Sedex


“Bíbi. Remeti o "almoço" via Sedex l0. A Eliana disse que não me preocupasse em mandar instruções, pois vocês saberiam como preparar. Por isso, vai apenas um "bom apetite". Muitos beijos
O pai”

E o almoço chegou. Era, acreditem, material suficiente para o preparo de três “xis”. Xis bacon, xis coração e xis galinha. Tudo em saquinhos etiquetados: alface, tomate, milho, ervilha e demais ingredientes. Isopores, gelo. Muito gelo. E, o mais inusitado componente: ovo cru. Como se sabe, xis que é xis tem de ter ovo frito. Como ele não podia mandar ovo frito por Sedex, mandou, não um, mas três ovos crus.

Só que isso também não podia.

Às 9:30 da manhã de sábado (notem: de sábado!), portanto, o interfone tocava ininterruptamente. Era o porteiro, apavorado, sem saber se recebia ou não do carteiro uma caixa fartamente lambuzada, por cima e por baixo, e pelos lados, através do papelão carcomido, embebido, esfarelado. Era puro ovo.

Meu irmão socorreu o porteiro, e dispensou o carteiro. Trouxe aqui pra cima aquela caixa ensaboada, escorregadia, cuidando para não deixar cair: vai que dá o azar de estourar um ovo lá dentro...

A essa altura, uma grande interrogação: o que era aquilo? Abro a caixa, ou passo na farinha de rosca e frito assim mesmo? Sedex empanado, então era isso?

Abriu-se, com dificuldade, e a notícia boa era que o ovo tinha vazado, mas não tinha prejudicado o conteúdo – tudo muito bem lacrado, do lado de dentro. Era o xis do Sedex. Self-xis, aliás. O material estava intacto e bem conservado; era só montar tudo e comer. E assim foi feito.

Em tempo: para quem não sabe, os xis do RS são famosos pela qualidade única do pão, pelo tamanho generoso, e pela fartura dos ingredientes. Qualquer gaúcho que mora no Rio, quando encontra outro desgarrado, tem de ser solidário à “saudade dos xis de verdade” – porque aqui não se encontra um que chegue aos pés dos de lá. E isso não é bairrismo, não. É pura constatação, juro.

Escrevo isso para depois não pensarem que meu pai é um maluco desvairado, claro.
Imagina.

16 setembro 2004

Sedex

Meu pai está ameaçando mandar o almoço de sábado por Sedex. Acreditem. Sedex 10. Não tenho a mínima idéia do que me espera, ou melhor, do que eu espero.
A seguir, cenas do próximo capítulo...


Tudo vira bosta

Não consigo deixar de rir com essa musiquinha da Rita Lee. Gamei. Fazer o quê? Às vezes acontece da gente gamar na coisa errada.

Aliás, eu já dizia mais ou menos isso, há uns três anos, quando fiz uma crônica cujo título era: “No fundo, tudo é esterco.”
Vou ver se acho por aqui e posto pra vocês. (Tudo vira post?).


Desculpa

Meu irmão e eu estamos em casa, à noite. Acabou a bateria do celular dele, e ele está conectado à internet – portanto, ocupando a linha do telefone fixo. Minha cunhada liga insistentemente, e não consegue contato. Até que liga pro meu celular.

- Você sabe dele? Estou preocupada! – ela me pergunta.

Ele me faz sinal: “diz que eu liguei dizendo que vou dormir fora, hihihi”... Faço sinal que não vou dizer. Ele faz que eu diga. Faço que vou ficar com pena dela. Ele insiste. Faz, faz!

- Olha... na verdade ele ligou me avisando que ia dormir fora, e... bem... eu imaginei que estivesse com você... não estão juntos?

Ela engasga e diz que não.

Abri o jogo na hora, não agüentei de culpa. Desculpa, cunhada. Mil vezes, desculpa.
Isso não se faz.


Leminski

que entrega é tão louca
que toda espera é pouca?
qual dos cindo mil sentidos
está livre de mal-entendidos?

13 setembro 2004

AMA-go

Às vezes eu me acho uma idiota de cabelos longos e castanhos, com um sorriso idiota de quem pensou alguma besteira e achou graça. Uma porra-louca aventureira que escolheu uma profissão tresloucada e achou que dava.

Valha-me Deus! Achar que dá, hoje em dia, é para doidos.

Não sou magra nem sou gorda, e a complicação começa é por aí. Houvesse alguma definição, poderia me orgulhar do fato. Uma idiota pé-lá-outro-cá; do tipo que pondera, pondera, pondera e depois pira. Pudera.

Desculpe o umbiguismo: eu, eu, eu.

Ocorre que, às vezes, a idiota aqui precisa de um respaldo que não vem senão do âmago. Ora, âmago. Nem sei o que é isso direito.

11 setembro 2004

Crise conjugal


O monitor do meu micro esteve de dieta, e eu não percebi. Percebo agora, porque – acreditem – ele está com cintura. Aliás, uma bela cintura. Melhor que a minha.

Está certo, devo ter sido uma esposa desatenta; ele já vinha dando sinais de fraqueza nos últimos tempos, e eu não me toquei de nada. Fiz vista grossa. Volta e meia, ele dava umas tremidas (sinal evidente de alguma carência nutricional), piscava mais que o necessário. Era um aviso.

Hoje, ao ligar o computador, deparei-me com o resultado da baixa ingestão calórica: as janelas do Windows estão acinturadas. E os botões de ajuste, ali embaixo, não funcionam. Fico imaginando que, se o quadro evoluir, vai ser difícil continuar escrevendo aqui.

E se meu monitor estiver com anorexia? Significa que os meus textos vão emagrecer sensivelmente, e não adiantará empurrar sopas e sopas de letrinhas – porque o monitor vai sempre se achar gordo, rejeitando indefinidamente.

E se for bulimia? Aí o teclado tomará banhos de texto vomitado, um horror – sem contar que ele pode pegar gosto pela coisa, e começar a produzir literatura escatológica sem a minha permissão.

Não adianta eu dizer que preferia o monitor gordinho; ele não vai acreditar. Uma pessoa, quando entra em dieta séria, é porque não tolera mais a auto-imagem. Mesmo que as minhas letrinhas se esforcem para convencê-lo de que eu sempre o amei, desde o início, mesmo tão quadrado, mesmo pouco esbelto... será inútil.

Estou francamente preocupada com a saúde dos meus escritos. Eu gostava de quando o monitor também se gostava. Tivemos momentos hilários, profundos, românticos; almoçávamos ficção, jantávamos confissão. E fazíamos amor em prosa e verso, sem restrição. Rotina de um casal feliz, mesmo.

Agora, com essa falta de gostosura, não sei dizer se a relação continuará com o mesmo vigor. Estou sem estímulo. Não me vêm as palavras. Acho que vou desistir de vez.

(Que nada, vou ali traí-lo com um caderno enooooorme e já volto!)
Diferentes visões


Essa eu ouvi de um tatuador gaúcho.
O sujeito chegou ao estúdio dele disposto a fazer uma tatuagem na hora, e já tinha tudo na cabeça:

- Quero uma tatoo macabra, brother! Muito macabra!

O tatuador então puxou o catálogo das figuras mais trash, e entregou ao jovem rebelde. Ele folheava. E folheava. E demorava. E nada de escolher um desenho.

- Pô, não tem outro álbum aí?

Tinha, e o tatuador entregou a ele. Mais meia hora de meticulosa observação, e nenhuma decisão. Até que o cliente começou a olhar para os lados, e flagrou na parede a foto de uma tatoo.

- É ESSA! É ESSA! Nossa, chapei! Muito irado, cara! Tá decidido: eu quero uma igual a essa.

E assim foi feito.
Acontece que a figura era de uma linda flor.

10 setembro 2004

O charme e a idade


Essa eu me esqueci de contar a vocês, mas é ótima. No show do Erasmo Carlos com Evandro Mesquita, atrás de mim, uma senhora aguardava o terceiro sinal enquanto conversava com o sujeito ao lado. Adoro uma conversa alheia, ainda mais desse calibre: saquei, em meio minuto, que ela tratava de jogar charme.

O papo era entre pretendentes, estava claro. E mulher, quando quer fazer charme, pode ser um show ou um fiasco. Fazer charme pressupõe revelar algumas coisas; esconder outras. O mais divertido é quando a pessoa se atrapalha e acaba revelando o que deveria esconder, e vice-versa. Foi o caso dela.

- Acho que o show vai ser bárbaro. O Evandro Mesquita eu nunca vi ao vivo, você sabe, quando ele fazia sucesso com a Blitz eu ainda era muito menina, nem lembro direito...

Hein? Fiquei meio assim. A mulher não tinha voz de quem era “muito menina” no início dos anos 80, mas tudo bem. Quase virei o pescoço para conferir o semblante, mas me segurei. Adiante:

- Já o Erasmo é aquilo, todo mundo conhece, né. Tinha aquela música que eu adorava, como é mesmo o nome...? Aquela, aquela... que esse outro menino regravou ainda outro dia...

- Qual? – Ele quis saber (e eu também).

- Ah, sim! Gatinha Manhosa! Que aquele menino, o Léo Jaime, regravou há pouco.

E aí a verdade se revelou, implacável. Até porque, hoje em dia, ninguém chama o Léo Jaime de menino impunemente.

07 setembro 2004

não resisti...
a um pouquinho de Paulo Leminski:

"alguém parado
é sempre suspeito
de trazer como eu trago
um susto preso no peito,
um prazo, um prazer, um estrago,
um de qualquer jeito,
sujeito a ser tragado
pelo primeiro que passar

parar dá azar"

Querido diário


Eu não escrevo aqui há quatro dias – o que, para mim, compulsiva e exagerada, é quase uma eternidade. Posso fazer um momento “meu querido diário”? Licença.

Os últimos dias no Rio têm sido quentes, mas não aquele calorão insuportável do verão. Temos sol e temos vento; não chega a empatar, mas o segundo refresca o que o primeiro abafa, e vai-se agüentando firme por aqui. As noites têm sido frescas e ideais para um chopinho a céu aberto.

Domingo, Erica e eu fomos ao teatro. Abalou Bangu, com André Valli (o eterno Visconde de Sabugosa, do Sítio do Pica-Pau Amarelo, lembra?). Algumas boas tiradas e a excelente atuação dele valeram a ida. Nem mais, nem menos.

Depois rolou um chope no Rosa Shopping – bar Na Bôa -, com batatas fritas e tábua de carnes suficientes para dois. Éramos três. Nem menos.

***

O último livro que li – devorei, aliás – foi As Mentiras que os Homens Contam, do Verissimo. E recomendo a todos, dos 8 aos 80, que Verissimo nunca é demais. Ponto, parágrafo.

***

Ontem à noite eu fui à Zona Sul e voltei, lá pela 1h, com indigesta impressão de estar sendo escoltada pela Polícia. O policiamento em Ipanema foi reforçado no feriado - eu ouvia no rádio durante a ida -, por conta dos últimos acontecimentos (um vigia que tentou impedir um assalto levou bala às 3h da tarde, e o pessoal do morro Pavão-Pavãozinho andava em discórdia outra vez).

O que eu fiz foi me trancar no carro daqui até o Leblon, e deixá-lo com um manobrista numa rua relativamente movimentada – véspera de feriado -, para então me trancar com um amigo dentro de um restaurante e olhar a vida passar lá fora. Volta e meia o som ambiente era intercalado por umas sirenes, uns alarmes, nada incomum.

Na volta, como já disse, parecia escoltada. De tempos em tempos, reduzia para uma blitz, onde meia-dúzia de sujeitos bem armados me observavam com compreensível desconfiança. Durante o percurso, viaturas e mais viaturas se anunciavam pelo retrovisor, como lantejoulas vermelhas, até passarem por mim, gritantes e urgentes.
E a gente precisa continuar – a viver, a conviver, a trabalhar, a trafegar. Às vezes dá vontade de respirar bem fundo e fazer mais um: ponto, parágrafo. Antes de começar tudo outra vez – até porque não há outro jeito. Ponto.

03 setembro 2004

Tele-coisas


Estou sem paciência para as novelas. Logo eu. Ontem, resolvi dar uma chance para a nova das 7h, e liguei a TV. Havia dois ratos falando, animadíssimos. Ratos. Falando.
Desisti.

**

Também não vejo a novela das 8h faz um tempão, mas ontem eu vi. Ri um pouco com Glória Menezes e Raul Cortez, fofos. No mais, é apreciar a beleza redundante de Marcelo Anthony, e esperar que o casal de sapatas pegue fogo. Ou não.

**

E “A Grande Família” continua sendo uma das melhores coisas da televisão brasileira. Ontem a Marilda e o Tuco encheram a cara, e acordaram na cama dele. Depois ele ficou todo apaixonado, querendo namorar, mas ela nem bola. Que pena. Adoro essas transgressões etárias nas relações amorosas. Hoho.


E-(outras)coisas

Não sei se já aconteceu com você, mas estou quase certa que sim. Os compromissos dão uma amainada, e você resolve pôr a correspondência eletrônica em dia. Ressuscita e-mails não respondidos, perdidos na sua caixa postal, e responde. Tim-tim por tim-tim. Demoradamente. Carinhosamente. Põe seus amigos a par das novidades, declara amor a quem é de amor, amizade a quem é de amizade, pede desculpas aos credores, e até dá uma cobrada nos devedores - assim, como quem não quer nada. Afinal, está com tempo; e quem está com tempo pode usar de eufemismos, ser sutil.

Aí você vai à academia, toma um banho, dá uma voltinha na rua e volta para checar as respostas. Nada. Nadinha. E assim sucessivamente, enquanto você está meio de bobeira. Silêncio total.

Na semana seguinte, quando o mundo parece cair no seu colo, e você não tem tempo nem para secar o cabelo depois do banho, eis que aquela avalanche retorna, subitamente, sem dó nenhuma do seu estado assoberbado.

Poderíamos dizer que é um dos artigos da Lei de Murphy, claro. Outro exemplo – da mesma família – é aquele indefectível olhar da loira arrasa-quarteirão que o amigo está querendo pegar há anos, mas ela nem tchuns. Seria o céu, não fosse lançado justamente no momento em que o sujeito está acompanhado de outra, numa tentativa frustrada de esquecer a ex-esnobe.

Está bem, este último exemplo pode bem ser atribuído, não à Lei de Murphy, mas àquela fama que as mulheres têm, sabe-se lá por quê, de manifestarem repentino interesse por um rapaz antes desprezado – desde que ele esteja, agora, acompanhado por uma vagab..., digo, por outra moça qualquer. (Moça qualquer, aqui, não fazendo alusão alguma às mulheres de vida fácil – bem entendido. E, também, se fizesse, não haveria nenhum preconceito. Estou me enrolando, vamos adiante antes que piore.)

Eu vou tentar explicar esse fenômeno, humildemente, como me convém. Não é que as mulheres queiram competir entre si. E também não é que o sujeito acompanhado seja valorizado além dos outros por estar, afinal, em uso. Não sei se fui clara: “em uso”, ou seja, na ativa, e aprovado – ainda que momentaneamente – por algum órgão (sexual ou de defesa da consumidora, tanto faz neste caso).

O que acontece quando uma mulher, antes adorada e declaradamente cobiçada, e que agora encontra o canalh..., digo, o homem em questão se esfregando com outra, é simples: capricho. Mastigando (que o texto também é para homens): quando você era criança, e um carrinho lhe parecia feio e sujo, até que um outro garoto resolvesse inventar as melhores manobras justo com aquela tranqueira rejeitada. Lembra? Você então pensava: “que ambos, o meu amiguinho e o carrinho, sejam felizes para sempre!” – e ia embora assobiando? Ou rolava no barro com a gostosa, digo, com o pirralho até conseguir tomar aquela máquina possante dele, insistindo: “EU VI PRIMEIRO! É MEEEEEEU!!!”? (Responda para si).

Portanto, querido, pense trezentas vezes antes de julgar aquela moça que o menosprezava antes de você se arranjar com a vizinha porque estava mais perto. Todo mundo tem direito a um ataque infantilóide, volta e meia, não tem?

Ou vá me dizer que você não ficou animado quando eu escrevi (e grifei) “rolava no barro com a gostosa” e, desde então, não prestou mais atenção nenhuma ao que eu escrevi? Me engana, que eu gosto.

P.S.: Meninos, brincadeirinha. Adoro vocês. Hoho.

02 setembro 2004

As cobras do sonho


Dormi mal pra caramba, sonhei com cobras a noite toda, acordei aflita com a campainha. Era a faxineira, insistente, positiva e operante. Calma, diacho, deixa eu vestir as calças. Saí apertando os olhos, a claridade, o pé ainda meio manco, já vai! Ela bufava do outro lado da porta, impaciente, enquanto eu girava a chave. São duas voltas, bolas!

Bom dia, bom dia. A senhora precisa comprar mais Veja - ela já exigia, e eu pensando que ela é quem precisa comprar mais Época, bolas outra vez! Ah, sim, é Veja Multi-Uso, calma. Eu, logo que acordo, já não sou boa companhia. Menos ainda tendo sonhado com cobras. Vem direto me falar como devo gastar meu suado dinheirinho? Tá pedindo, né?

Tem dia que a gente briga até com a sombra. Hoje foi assim. Cadê que o meu cabelo dava jeito? Já disse, preciso comprar uma cortina urgente, esse sol direto na minha testa, raios, não há Cristo. Cortaram meu celular porque atrasei uns dias. Alguém telefonou pro fixo e desligou na cara de secretária eletrônica, que, como o nome já diz, está aqui para me representar, na minha ausência – ou na minha indecência, ou na deselegância, ou na falta-de-saco’ância - é com ela, e não custa deixar um recado; que eu retorno, sim senhora.

E as cobras, amigo, as cobras do sonho não me deixaram mais em paz durante este dia que não passava; rastejava.

Até que, à tardinha, tocou uma música do Pink Floyd numa rádio inusitada.

E o sol se pôs lindamente, dispensando cortinas.

E o meu cabelo escuro pousou sobre o rosto claro, tão adequado quanto moldura de quadro.

E o mais era conversa fiada; intriga onírica.
As cobras do sonho. Peçonha da oposição.