13 junho 2009

Enquanto isso, na sala de... De que, mesmo?

A internet não tem um tempo; ela vive do “enquanto”. Lembra o enquanto de antigamente? Enquanto comíamos, conversávamos. Enquanto líamos, respirávamos. Enquanto tomávamos um cafezinho, até pensávamos!

Hoje estou aqui, aproveitando o enquanto de outras coisas modernas para escrever minhas velhas bobagens. Claro, sinceramente culpada pelo que estou perdendo na janela ao lado. Estou com o Twitter aberto direto, enquanto as notícias e os amigos e os recados e as reclamações e as dicas incríveis e a promoção imperdível que, infelizmente, não dá mais tempo de abocanhar. E eu nem sabia que andava precisando de botas novas, você vê. Ainda bem que o Google entra no meu e-mail, verifica meu solado detonado e manda logo uma oferta na barra lateral. Sem a qual...

O tempo, fragmentado desse jeito, lembra aquela bolachinha que vem com o café. Você come e nem viu, cadê? Já são seis da tarde? Oito e meia? Perguntinha cretina: se juntar 24 enquantos forma um dia de verdade?

Pois eu acho que a gente tem que cuidar é da memória (a da gente, não a dos trecos). Já dizia um querido professor de dramaturgia: o problema da fragmentação é conseguir dar a progressividade necessária para tornar sua narrativa interessante, instigante, boa de acompanhar. E uma coisa é certa, não se consegue progressividade sem uma ótima memória para lembrar os enquantos anteriores. Sem os quais...

Do que eu estava falando mesmo? Ah, a bolachinha do café. Açúcar ou adoçante?
Arrob@, ué.

12 junho 2009

Música triste

Sempre gostei de música triste, mas nunca parei para pensar no porquê.

Essa semana, assisti a uma palestra dele no Jockey e me apareceu Magdalena Kozená no telão, cantando essa ária da ópera Rinaldo, de Handel, chamada Lascia ch'io pianga (a tradução seria algo como “deixa que eu chore”, mas prefiro pensar em “me deixa chorar”). É das coisas mais tristes e belas que já ouvi.



E matei a charada do gosto pela música chorosa: se uma coisa desesperadamente triste pode ser tão absurdamente bela, então viver deve ser um bom negócio.
:o)

03 junho 2009

Ser vela em junho

Às vésperas do dia dos namorados, o mundo parece ser constituído por casais. Os solteiros se sentem marginalizados - indignos das promoções de telefone celular, dos sorteios de ingressos (pares, sempre aos pares!), até mesmo das folgas no trabalho.

- Você, que é solteiro, quebra essa pra mim...

Lá vai o solitário encarar mais um plantão noturno, para felicidade dos pombinhos. E uma pizza de calabresa nunca é tão grande como é em junho.

É por isso que eu faço questão de rachar o meu espaço junino com aqueles que, além de não se encaixar em panela, tampa ou laranja alguma, ainda por cima têm por hábito acompanhar os acompanhados. Um brinde às velas.

Muito já fui vela nesta vida. Sair com um casal é interessante - para uma mulher, por exemplo - por vários motivos. O primeiro é óbvio: você está acompanhada e desacompanhada ao mesmo tempo. Pode ficar com o melhor dos dois mundos. Quando convém, você é parte (de um trio). Quando convém, é à parte. E, quando convém, parte! Deita o pavio e cai fora, mesmo. Sem medo de deixar ninguém sozinho na festa.

Normalmente, o status da vela (parte, à parte etc) varia de acordo com os atrativos de um possível quarto elemento. A proporção é há muito conhecida: quanto maior a atração, maior a chama.

Mas nem tudo são luzes na vida da pessoa avulsa que acompanha um par. Velar desentendimento alheio, por exemplo, é fria.

- Marcelo, eu vi.
- Hein? Viu o quê?
- Nem adianta disfarçar. Eu vi.

Sua amiga viu. E você é quem começa a ficar nervosa, não sabe ainda por quê. Só sabe que vai sobrar.

- Você olhou para a bunda daquela mulher.
- Eeeu? Você está louca??

Eis a senha. E homem nenhum aprende: não se chama de louca uma mulher irritada que já bebeu mais de três chopes.

- O quê? Louca é a neurótica da sua mãe!!

Mulher nenhuma aprende: não se ofende a mãe do Marcelo, mesmo que ele só tenha bebido coca light. Pronto. Armada a quizumba. As agressões mútuas vão superar o limite do som ambiente, as pessoas vão notar, os garçons vão se alarmar – até que, fatalmente, a vela será lançada ao lugar de destaque da noite.

- E aí? Olhou, ou não olhou?

É com você mesma, amiga. E o cafajeste ainda apóia a idéia:

- É. Pode dizer. Olhei, ou não olhei?

O restaurante inteiro aguarda, observando a vela se aproximar da cortina. Olhou, ou não olhou? Se você diz que olhou, o Marcelo é safado. Fogo. Se diz que não olhou, sua amiga é doida. Fogo! No fim, os dois vão fazer as pazes, é batata. E você é quem vai ficar com fama de traíra – independentemente de quem acusar, porque isso ninguém vai lembrar mesmo.

- Sinceramente? Eu estava tão distraída com o menu... reparei, não.
Os talheres voltam às atividades, sob atmosfera de desprezo coletivo.

Alguém comenta, ao fundo:

- Vela mais sem graça. Em vez de incendiar logo o barraco... por isso é que está aí, encalhada.

Outra injustiça é achar que a vela está sempre à procura de uma cara-metade. Isso gera a pior praga das relações humanas: o “encontro às cegas”. Que sempre é anunciado no meio do caminho.

- Você vai adorar o Cristiano.
- Eu pensei que iríamos só nós três...
- Dentista. Um charme! Não é, amor?

O amor concorda.

- Na verdade, eu não estou a fim de conhecer ninguém...
- Dissemos a ele que você é divertida, linda e inteligente. Vê lá, hein?

(Risinhos amarelos).

- Se vocês não se incomodam, eu gostaria de...
- Seja espontânea, só isso. Seja você mesma. Vai arrasar!

Já que pediram, você resolve ser você mesma:

- Eu não quero arrasar. Eu não quero conhecer Cristiano algum. Estou ótima sozinha. Táááááxi!!!

E vai embora. No dia seguinte, você é uma vela excêntrica, mal agradecida e perturbada. E, se der o azar de sair com uma camiseta mais soltinha, é sapata.

* Crônica minha publicada na revista Época, junho de 2005