12 abril 2003

Hoje faz um sábado cinzento, e venta um pouco. Está tudo tão gostoso, que eu fui à padaria só para comprar um sonho, e comi sentada na varanda – olhando para a praça vazia. Sonho de doce-de-leite (doce deleite?).

À medida que vai escurecendo, as ruas vão se esvaziando ainda mais, e a impressão que dá é a de que todos estão em suas casas, bebendo cappuccino com as famílias, tranqüilos. Conversando sobre coisas amenas, entre pausadas constatações de um vazio que só pode ser percebido assim, em dias nebulosos.

Não fosse o meu vizinho.

O vizinho está cantando, ou melhor, está teimando em cantar num videokê ameaçador que apareceu de uma hora para outra. Alguma coisa me diz que esse aparelho ainda vai me tirar o sono. Ele canta “my way”, e de novo, e de novo, numa insistente performance que poderia ser chamada de ensaio – se, evidentemente, houvesse algum progresso no decorrer da prática. Coisa que não há.

Agora mudou para aquela música tema do “Ghost”. Pode?

Tudo bem, o meu vizinho raramente incomoda. Está sempre muito, mas muito calmo mesmo, uma vez que é fiel adepto de uma vertente pouco ortodoxa da fitoterapia. Cada vez que ele acende a fitoterapia dele, eu sinto daqui o odor. Horas depois, fatalmente um entregador de pizza toca a campainha ali na frente, e de novo, e de novo. Meu vizinho não abre a porta. E de novo, e de novo.

Vou até o corredor, e questiono o entregador, que já está conformado com a demora: é assim mesmo. Ele sempre pede pizza, mas raramente lembra que pediu.

São os efeitos colaterais da fitoterapia. Dizem, dizem.