19 setembro 2003

SHOW - Dançando no campo minado



Ontem eu fui ao show dos Engenheiros do Hawaii no Canecão, e saí de lá com a minha usual cara-de-tacho, a pensar na vida e no rock, no tempo passando e na cadência de uns, na decadência de outros; na boa vontade de uns, na mesmice pouco generosa de outros. E na minha crônica sensibilidade de fã incondicional da boa música, que não se prende a convicções impostas pelos sábios, ou padrões impressos nos suplementos especializados. Minhas impressões são bem outras.

Meu papel era claro: sentar a bunda numa cadeira, assistir a um show, e depois voltar para casa pelo mesmo caminho. Mas nem isso eu consegui fazer.

De fato eu me sentei onde pude, mas, assim que o show começou, passei a estranhar a presença de gente indesejada ao redor da minha mesa. A primeira foi uma menina de nove anos, vestida com a camiseta do Grêmio, que eu conhecia de outros carnavais, mas com a mesma fantasia. A segunda foi uma de dez, cuja usual cara-de-tacho não me era estranha. A terceira tinha onze anos e se aboletou ali sem pedir licença, assim como a de doze, a de treze, a de catorze, e todas as próximas - adolescentes, estudantes, roqueiras, universitárias, rebeldes, apaixonadas...

Não sei se foi obra do acaso, ou se alguém armou isso de propósito, mas calhou de eu adolescer e adultecer vendo aquele alemão pouco paparicado pela mídia tecer suas letras e melodias, como quem não quer nada, disco após disco, palco a passo. E durma-se, com um barulho desses.

O que eu menos queria, a essa altura do campeonato, era um congresso dos meus pedaços não convidados, que foram chegando involuntariamente à minha mesa - e, quando vi, já estavam pedindo uma bebidinha. Mas não tive outra saída senão acolher essa gente toda, e ainda pagar a conta no final.

Aluguei uma van e trouxe a galera aqui para casa, aonde viemos terminar o congresso (não vejo a hora). Até lá, ficaremos – as meninas e eu - envoltas nessa aura quase mística de reflexão e sensibilidade, às vezes pouco conveniente ou confortável, mas sempre enobrecedora.

Resumindo, eu acho que a arte serve é para isto: para nos puxar o tapete do individual, e nos fazer universais, ainda que por um momento, e ainda que à força. Ainda que tenhamos a ingênua fantasia de que os “nossos” pedaços são, realmente, só nossos.