27 dezembro 2002

LAY OUT NOVO

O BiBlog comemora o Natal, e quem ganha o presente é você! Aliás, nós, porque também eu fiquei surpresa ao me deparar com o novo lay out - a responsável pela arte é a minha amiga Melissa.
Valeu, Me!! Adoramos!

A propósito, eu também achei que estava no lugar errado até reconhecer meu próprio blog, vestido de nova cor... caiu-lhe muito bem, ali(L)ás!

É bom entrar o ano de roupa nova, dizem. Estou nessa, agora, até virtualmente.

Vocês já entraram no clima de réveillon? Eu recém comecei a me animar e a pensar a respeito. Não sei de vocês, mas eu não sou daquelas pessoas que têm pavor das festas de fim de ano, não. Eu sempre gostei, principalmente da virada.

No Natal a gente ganha presente; na virada a gente ganha futuro. Tem aquela coisa meio ilusória de virar a vida de cabeça para baixo, chutar um balde ou outro, arrumar de vez o que nunca esteve lá muito certo. Gosto dessa promessa, ainda que fique só na intenção. Não me incomodo com as fantasias que não se concretizam nunca; para falar a verdade, acho mesmo que são elas as mais interessantes.

O concreto deixa de ser infinito no momento em que vira fato, não? Que graça?

Eu gosto de ter um pezinho sempre no infinito, no ilimitado, no - por que não? - inatingível. Nunca fui muito de cercar as idéias com tijolos; depois dá muito trabalho para pular e ver o que há do lado de fora delas.

É por isso que eu não me incomodo com a inquietude da possibilidade, com a insensatez da ilusão, com o não cumprimento de alguma coisa que parecia fadada ao êxito. Melhor estar sempre em aberto.

Em 2003 eu quero abrir exceções, fazer concessões, criar possibilidades. Posso sair da rotina, experimentar novas sensações, selecionar hábitos inusitados e incorporá-los. Incorporar hábitos é preciso.

Vou abrir algumas lacunas e deixar ventilando, sem me preocupar em tapar furos, cobrir frestas, definir, socar, sufocar, resolver. Um pouco de ar, em 2003, não fará mal a ninguém.

Só isso já vai ser trabalho duro, mas cavalo que corre por gosto não cansa. E ninguém mandou eu não gostar de cercas.







25 dezembro 2002

Vocês são uns amores! Mesmo na minha ausência, apareceram para registrar votos de bom Natal. Obrigada! Retribuo com sinceros desejos de paz e felicidades para o próximo ano.

A minha noite de Natal foi ótima. Comecei tocando violão e cantando com a parentada, e terminei às 6h da manhã de hoje, chegando em casa acabada de uma festa com minha incansável prima de 18 anos.

Chegamos na cervejaria/boate pouco depois da meia-noite. Olhares inquietos, expectativas, esperanças, vestidos de vários tamanhos e estilos. Homens de camisa vermelha, cumprimentos, sorrisinhos ensaiados e improvisados. Aquela coisa.

"O que será que eles procuram aqui?" - meu lado sagitariano-filosófico-enfadonho ameaça botar as garras sobre a minha saudável noite fútil. Controle-se, é apenas uma noite. Fútil.

Resolvo me distrair com as belezas humanas desta terra abençoada por Deus, e me encanto por um daqueles vários meninos de vermelho - que, para meu desânimo, engata-se de súbito a uma loura monumental, e desaparece entre os cachos dourados para nunca mais retornar a este reles mundo dos mortais.

Pronto. Menos um.

Relaxe, aconselho a meus neurônios mais afoitos, é Natal. Minha prima pergunta se eu quero dançar, eu pergunto quando vai começar a música, ela responde que é aquilo ali mesmo. Achei que estavam consertando alguma coisa na boate, pois o barulho mais se parecia com um martelo insistente do que, propriamente, com alguma canção. Mas ela reafirma: é isso aí que tem.

Pronto. Menos uma.

Não sou de dar carão; aceitei o convite e fui à luta. No início, me senti um pouco ridícula. Depois, foi piorando. Mas o importante é competir - eu me consolava, enquanto uma adolescente descompassada e meio bêbada se sacudia do meu lado, e depois ia se agachando até o chão, com as duas mãos na cabeça, e fazendo biquinho. Não estou tão mal assim, afinal.

Depois de uma "música" vinha outra, e outra, e ainda outra. Aquele aglomerado ia ficando cada vez mais parecido com uma coisa só. À medida que ia entrando mais gente na pista, a sensação era de que eu ia perdendo o controle sobre os meus próprios movimentos, passando a fazer parte de uma massa nervosa e compulsiva, ali, quicando ao bater de cada martelada. Era a dança.

- Quando não agüentar mais, é só falar... - ela me advertia, com olhar quase piedoso.

- Imagina! - eu tentava disfarçar.

- É só falar... - eu não conseguia disfarçar.

Joguei a toalha quando meus calcanhares já estavam dormentes, meus dedos pisoteados e esborrachados de inchaço, meus quadris apenas mexendo uma vez a cada duas ou três marteladas.

- Vamos dar uma voltinha? - ensaiei um sorriso e dei uma piscadela, como quem quer ver se encontra algum pretendente ou coisa parecida. Colou.

Ela saiu na frente, ainda rebolando ao ritmo da massa. Eu saí atrás, gemendo em silêncio e pisando manso, para ver se a sola dos pés latejava um pouco menos, se eu voltava a sentir as pernas, se a minha cabeça parava de clamar por duas aspirinas e silêncio.

O pretendente? Se meu travesseiro me aparecesse montado num cavalo branco, eu casava na hora. Com qualquer um dos dois.

Demos várias voltas pela boate, mas adiantou muito pouco. As minhas dores foram piorando; minha prima foi se animando. A morte era questão de tempo.

Agüentei no osso equanto deu. Passava das quatro da manhã quando eu sugeri que fôssemos indo, ela teria que viajar hoje ainda com a família, podia se sentir cansada... mas errei o alvo. Ela sorriu, tranqüila:

- Que nada! Tenho gás para virar a noite aqui dentro e depois sair de viagem, numa boa!

Mais uma hora quicando numa pista de luzes piscantes e fumaças variadas. Quem mandou eu não ser sincera? Bem feito.

Cinco horas, abri o jogo: o papo (?) está bom, mas a carroagem tá virando abóbora. Mais cinco minutos, e eu só saio daqui de cadeira de rodas.

Fim de combate. Chegamos em casa ao clarear do dia de Natal. Tirei a farda e a sandália, deitei na cama e ainda quis iniciar uma oração, mas confesso que o sinal da cruz foi só até o nome do filho.

Capotei com a mão no peito, como uma guerreira esgotada, porém feliz.
E já prometi a mim mesma: da próxima vez, vou de coturno. Muito mais adequado a esse tipo de enfrentamento pesado.


19 dezembro 2002

NEM TODA CATARINA É SANTA

O quê?? Tá brincando! Santa Catarina é o paraíso perdido, ou melhor, achado. Da última vez em que estive lá, foi preciso um guindaste para me levar de volta ao Rio. O máximo a que eu chego é Torres, perto do fim do ano, que infelizmente não vai dar para atravessar a fronteira e me meter na ilha da magia desta vez. Desta vez!

11 SHOUT OUTS

Qual não foi minha surpresa ao me deparar, hoje, com onze recadinhos de vocês! Muito obrigada, muito "agradicida mêsss"... adoro receber vocês aqui, do contrário seríamos apenas eu e meu eco eu e meu eco eu e meu eco eu e meu eco... ad infinitum.

FAMÍLIA, Ê, FAMÍLIA, AH, FAMÍLIA!

Tem coisa mais gostosa no mundo?
Eu tenho o maior prazer em reservar minhas horas e meus dias somente para o convívio familiar. Quem tem família sempre por perto pode não dar tanta importância, mas a gente, que mora longe, acaba se deliciando ao som das vozes que sempre estiveram ali, desde sempre. Soa como canção de ninar.

Eles dizem, família é coisa complicada. É nada. Não há nada mais simples neste mundo do que essa bagunça generalizada, vozes altas, crianças estabanadas puxando a toalha da mesa, a vó não vai deixar o cigarro, Vó? Cuide da sua vida! Como cresceu! Pintou o cabelo, foi? Está mais magro, ou é impressão minha? Põe os óculos, mãe, não assina o cheque assim, sem ver nada, pode ser perigoso... falar nisso, e o Rio de Janeiro?

Ontem eu vi o olhar da minha prima numa foto minha. Pode haver generosidade mais espontânea do que essa? Ela nem sabe, nem pensou em permitir, nunca pensou no assunto. Mas está lá, para quem quiser ver. Há uma cumplicidade implícita nisto; há mais que parentesco, mais que parceria.

Família é isso, simples assim; é dividir até o olhar.

17 dezembro 2002

Oi, meus queridos e minhas queridas.

Peço que não reparem n'algum possível erro de digitação. São duas da manhã, e estou sonolentamente me encaminhando a meus aposentos; só vim aqui mesmo para não deixá-los mais um dia órfãos de minhas sandices pseudo-literárias.

Escrevo do Rio Grande do Sul, mais precisamente de São Léo, Minha Terra. Vim passar as festas de fim de ano com minha família, embora tenha deixado boa parte dela no Rio de Janeiro - mas, tudo bem, nada é perfeito mesmo. Minto: o céu azul do Rio Grande do Sul é perfeito.

Desculpem minha crise de paixonite declarada ao estado que me pariu - juro, é temporário, e não é fruto de bairrismo algum. Apenas coisa de gaúcha que se auto-exilou dos pampas, por livre e espontânea vontade, e agora deixa de ser fiel: tem um marido gaúcho e um amante carioca, cada qual com suas belezas e seus sotaques inconfundíveis, fazendo com que meu coração bata em samba e milonga ao mesmo tempo.

Ops!, espero que entendam a minha metáfora: meu marido é o meu doce Rio Grande - casório registrado na minha certidão e tudo -, com quem me envolvo amorosamente desde que me conheço por carne e osso duro de roer, como convém a toda gaúcha que preze as tradições pampeanas.

Meu amante é um carioca, digo, um estado chamado Rio de Janeiro, onde instalei minhas letras e músicas assim que fiz 20 anos - e de onde não pretendo sair tão cedo. Claro que dou minhas escapadelas, que ninguém é de ferro, e o maridão sulista acaba recebendo o ar da minha graça volta e meia.

E chego sem aviso prévio, que é para pegar o peão no pulo, se for o caso. Ai dele!

Mulher é bicho bem sonso, mesmo.
Daqui a uns dias eu volto, com a maior cara de paisagem, e dou "aquele abraço" no Redentor. Finjo que só fui ali na esquina comprar pão...
Ele acredita, e fica tudo bem.

Isso se vocês não derem com as teclas nos dentes, né???

13 dezembro 2002

Ontem me deu vontade de sair de maria-chiquinha, mas não tive coragem. Eu tenho coragem para tanta coisa, desde escrever uma música boba e assinar embaixo até gostar de rúcula, mas me pelo de medo de um penteado infantil. Talvez eu tenha receio de que alguém ria de mim; mesmo assim é estranho, porque eu passo boa parte da vida fazendo ou dizendo ou escrevendo coisas para que os outros riam de mim. Mas, não sei, o penteado me pegou de jeito.

Claro que eu não fiz aquela maria-chiquinha inteira, sabe como é, deixei boa parte do cabelo solto, como quem diz que eu sou adulta e tal. Mesmo assim, quem olhasse de frente ia perceber que eu reparti com pente, e não reparto com pente há vários anos. Tanto é verdade, que não consegui deixar lá muito retinho. Pelo menos isso eu tinha a favor, o repartido estava meio indeciso, coisa de gente que não sai de maria-chiquinha todos os dias.

E ficaram uns fiapos rebeldes, escapando do elástico, e eu peguei uma presilha, mas uma só ficava assimétrico, peguei duas, não deram conta, peguei logo quatro, e o pior estava por vir, quando olhei no espelho, eu, ali, duas chiquinhas, uma de cada lado, quatro presilhas, duas de cada lado, putz!, não é que ficou ótimo?

Ficou tri bonitinho – eu diria.

Ainda assim, o espelho me encorajando, o horário da saída estourando, o rímel ajudando, o batom enfeitando, eu não pude, eu não sei, eu ando tão... sem chiquinhas.

Arranquei tudo num só golpe, e saí com o cabelo solto, como de adulta, como de praxe. Mas as chiquinhas foram comigo, só que do lado de dentro da cabeça. Como quase tudo que eu tenho.

Olhava no espelho, e não era mais uma mulher de cabelo solto. Era uma mulher sem maria-chiquinha. Havia um desfalque, sim, e não era coisa da minha cabeça, apesar de ser. Cadê que eu me sentia inteira, cadê que eu esquecia o acontecimento de não ter saído enfeitada?

Estava feia, velha e gorda. E pálida, e abatida, o sorriso era flácido, o olho cansado, o gesto era lerdo e o passo era torto. Sem brilho, sabe?

Também, com esse meu nome! Se eu me chamasse Kátia com K, talvez ficasse mais fácil andar por aí de maria-chiquinha, até porque, se for reparar, o próprio K já vem com esse penteado no desenho, olha aí. O Y é outro.

Quando resolvi voltar para a casa, com aquele ar fracassado e até meio doentio, ocorreu-me, de súbito, uma idéia que revolucionaria o meu passeio para todo o sempre. Não devo ser tão extremista, já diria minha terapeuta e o próprio Buda. Devo ir com calma, uma coisa de cada vez, uma coisa de cada vez, uma coisa de cada... vez!!!

Olhei-me no reflexo do vidro mesmo, não podia esperar um espelho. E puxei um naco de cabelo com a mão direita, e dei uma enroladinha com o dedo, e prendi com elástico, ali mesmo, em meio ao burburinho, dane-se.

Passei o resto da noite com meia-maria-chiquinha, um só belo rabo, assimétrico mesmo, feito um Y perneta. Uma coisa de cada vez.

Assim eu vou me acostumando e perco a timidez. Hoje, vou com o rabo esquerdo.

Por enquanto eu nem chamo atenção e ninguém ri de mim, ou, se ri, só pode rir pela metade. Mas eu vou me preparando, vai chegar o dia em que vou chutar o balde, não quero nem saber, saio de maria-chiquinha completa e minhas presilhas todas.

Se alguém olhar torto, ponho a língua mesmo. Aí vai ser um Y e um P.

12 dezembro 2002

Óóó, pobres BiBlogólatras Anônimos, quer dizer que sentiram minha falta, foi? Pois, que peninha, também agora estou sem tempo de acarinhá-los como deveria.

Das últimas notícias que me vieram perturbar os ouvidos, a pior foi – e está sendo – a tragédia em Angra dos Reis, é claro. Se bem que, aqui pensando, é de causar semelhante mal-estar a seguinte novidade: “Kelly Key lança REMIXES INÉDITOS”.

Não estou de brincadeira, e o termo não é meu (eu não seria capaz de criar tal pérola). Acreditem, “REMIXES INÉDITOS”. Eu me ponho a refletir sobre o que poderia vir a ser um REMIX INÉDITO. A julgar pelo prefixo “RE” - que, salvo engano, significa tudo, menos algo NOVO! -, então a expressão me parece seriamente equivocada. Para dizer o mínimo.

No entanto, quem inventou a pérola tem minha honesta admiração, e até minha peçonhenta inveja, se quiser. Está aqui estampado o supra-sumo desse vácuo criativo em que se encontram os artistas “top” das nossas “paradas radiofônicas”: REMIXES INÉDITOS!

Aliás, não existe coisa mais PARADA, de fato; com perdão do trocadilho inevitável.

Estou ansiosa para conhecer o novo-lançamento-re-inédito-mixado da cantora Kelly Key. Há de ser surpreendente.

O mercado fonográfico brasileiro encontrou a chave (key?) do sucesso; desde então, eu ouço rádios gagas e gagás, re-re-re-re-repetindo as mesmas paradas e babando, baby, babando no molhado.

Valha-me Deus, quisera isso tudo fosse apenas uma crônica ácida de alguma baixista solitária, rejeitada e mal amada, soterrada numa clave de fá. Seria menos dolorido, pois com a minha rabugice eu já me entendo há décadas.

O que não dá para entender é essa usina de re-novidades re-inéditas.
Re-voltante, não?

04 dezembro 2002


www.renatoborghetti.com.br

Agora que aprendi a postar fotos aqui, ninguém me escapa.
Confiram a beleza incalculável desse gaúcho talentoso (suspiros) e seu companheiro pingo (cavalo, em gauchês).
Não sei se tudo isso é saudade dos pampas, mas... BARBARIDADE, COMO DEUS É CAPRICHOSO !!!
Conflitos


Não tem graça nenhuma você, com a chave na mão, como quem vai embora, conferindo a carteira e os bolsos para ver se lembra onde escondeu a alegria.

Fosse eu mais romântica um pouco, tascava um beijo de despedida e mandava o outro olhar no espelho, ver se acaso achava ali a alegria perdida. Em vez disso, careço da meiguice apropriada; já nasci assim meio desajeitada, nunca sei o que fazer com as flores. Tenho medo de apalpá-las demais e aquilo me queimar, eu derreter, Deus me livre, derreter.

Pior você, que não ajeita nem desajeita, não parte e não ata, não chora, não implora e não se evapora logo embora. Pior você, pouco honesta, indo e vindo, a emoção balançando no céu e a razão atirando pra matar.

O último coração que amou e a cabeça mandava dizer que era mentira e era mentira, o pobre batucava mais que tamborim no sambódromo, mesmo assim era mentira e era mentira. Até que o vivente se achou exausto do bate-boca e ordenou: decidam vocês!

Não deu meia hora, saíram abraçados – cabeça e coração. Que briga sem platéia não tem graça.

Ora, o conflito sempre vai haver; o que não pode é ficar dando trela pra ele.

03 dezembro 2002


Os meninos e eu. :o)

Ana Lógica

só um teste.
Um pouco de abraço, em meio ao movimento, não cairia mal. Um laço solto, depois de tanto aperto. Uma brecha entre o alvo e a flecha, para não viciar no acerto em cheio – ficar um pouco no meio, para variar.

Se a gente deixasse o colo mais livre, sorrisse mais fácil, cultuasse o quente ao invés do frio. Se a vaidade permitisse um traço torto, se a pretensão cobrasse menos, se o orgulho nos liberasse mais. Se o compasso espichasse no final da canção, só para fazer uma graça; sem mania de perfeição, sem razão, sem nada.

Talvez não precisássemos repor as energias - se não as derrubássemos no caminho da angústia. Poderíamos, quem sabe, ir andando conforme o acaso ou o destino determinasse, tanto faria; estaríamos respirando lento e rindo frouxo, ao vento. Se ainda soubéssemos como se faz.

Alguém perdeu o acesso à suavidade dos dias, nalgum lugar de um remoto passado, e fomos atrás do atalho errado. A marcha foi ficando mais pesada, mais pesada, nossos coturnos foram engrossando, e nossa casca aumentando, nosso uniforme sufocando nossa emoção desbotada.

Seria útil pensar onde era, mesmo, que pretendíamos chegar.
OFFICINA

Saiu a nova edição da Officina do Pensamento - http://www.officinadopensamento.com.br/

Visitem! Estou na parte dos "musicais", com minha coluna e uma entrevista que me foi gentilmente cedida por um dos meus ídolos na música brasileira, o Luiz Tatit. Quem não conhece, vale a pena conhecer.

01 dezembro 2002

Aaaaaaai, minha Nossa Senhora do Recreio dos Bandeirantes, dai-me força e coragem e disposição para encarar este calor dos diab..., digo, com todo respeito, Nossa Senhora, este calor de derreter gaúcha branquela que há muito evita o sol na moleira.

E, já que estamos falando em forças, ó bondosa, dai-me também paciência para não me precipitar, violenta e desastrosamente, para cima de um carioca protagonista de cena como a que eu vi agorinha há pouco: imagine a Senhora, pleno meio-dia dominical de sol que racha, eu, saindo do supermercado, cheia de sacolas, suada, irritada e apressada, vou em direção ao meu automóvel, quando ouço uma sinfonia estridente de buzinas em pleno estacionamento. Que se passa? – indago às minhas sacolas, não sem acrescentar, ao final da pergunta, três ou quatro palavras de baixíssimo calão, coisa que aqui não me atrevo a redigir, visto que a Senhora pode se ofender e, pior, muito pior, ainda inventar de me punir.

Os buzinantes protestavam, acredite, contra um carro que repousava, inerte, exatamente no MEIO do único local pelo qual se poderia passar, caso alguém quisesse, por acaso, sair do supermercado e ir para casa. O motorista?, ausente.

Entrei no meu carro, que já mais parecia um forno elétrico que alguém esquecera ligado por dois dias, e fiquei ali, aguardando aquele boiol..., desculpe-me, aquele motorista se decidir e, enfim, remover dali o polêmico veículo.

Tinha gente querendo passar por cima, tinha gente buzinando, tinha gente cantando pneu para ver se o dono do carro se assustava. Chamavam-no, aliás, de todos os nomes feios que a Senhora possa imaginar. Tentaram bastante, mas acho que não acertaram, porque ele não atendia.

Como sou uma pessoa mui compreensiva e até serena, fiquei a imaginar que razão poderia ter levado o boiola (ops!) a largar o carro ali mesmo. Só poderia ter sido algo de urgência extrema, e, creio, algo muito pessoal e intransferível. Ou, por outra: o veado estava mijando, claro.

Relaxei um pouco. Urina é coisa séria, chega uma hora em que ninguém segura. Coitado. Fez o que pôde.

Foi eu terminar de perdoar o elemento, e já me arrependi. De repente, apareceu, com cara de que não era com ele, entrou no carro e foi-se embora. Tinha ido comprar flores na banca ao lado, e não quis estacionar numa vaga comum; preferiu parar o carro ali mesmo, que era mais perto.

O coro aumentou dez vezes; os outros motoristas estavam ainda mais indignados, mas aí o sujeito já tinha partido, e devia estar dando risadas ao conferir, pelo retrovisor, dezenas de babacas furiosos xingando ao vento.

Está certo, Nossa Senhora, tem aquele negócio da outra face. Eu entendo que deva ser também bondosa, e perdoar o motorista fujão. Está bem, está bem, vamos virar esta página, eu não guardo ressentimento algum do boiola, digo, do comprador de flores.

Coitadinho. Na certa, deve ser aniversário da mãezinha dele, e o pobre doce filho, ao perceber que se esquecera de levar uma lembrancinha, não pensou duas vezes: parou ali mesmo, juntou os últimos trocados, e foi comprar um bocado de flores.

Muito bonito da parte dele, uma vez que a mãe deve ter chegado em casa exausta, pela manhã, depois de mais uma duríssima noite de trabalho na Av. Atlântica, em Copacabana, onde ganha a vida.