15 julho 2009

Pessoas que dizem então

A pessoa senta na sua frente pela primeira vez na vida, olha para os dois (ou três) lados, bufa, pigarreia, mostra-se ocupada com alguma coisa anterior a você e insinua uma preocupação com alguma outra coisa, que virá a seguir. Ao deixar bem claro, através de gestos, que você é tão-somente um intervalo entre duas ocupações das tantas que ela tem na vida, inicia finalmente a conversa:

- Então.

Pessoas que dizem “então” no início do assunto são tão atarefadas que resolvem, de antemão, poupar a gente dos começos e dos meios, indo direto aos finais sem cerimônia. Cerimônia é para desocupados, pensam. O “então” é a inserção do contexto à força, ou como se diz: na marretada. Então.

Por outro lado, até que é bom. Quer dizer que o sujeito esteve lá, em um grande evento de comunicação interna com os seus próprios miolos, tecendo introduções que não me interessam acerca de temas inúteis para o rendimento da nossa conversa. Nada mais justo que ele me libere dessa, e me dê esses cinco minutinhos para um telefonema, um café, retocar o batom. E parta diretamente para a conclusão – que me inclui, por incrível que pareça! -, após disparar a senha: então.

A partir do então, sei que estou dentro. Afino os pensamentos e me preparo para o grande desenrolar do assunto em questão. Livro-me das amarras internas e dos meus pormenores subjetivos, afinal, é minha chance de compartilhar, integrar a vida daquele sujeito (ou sujeita) estafado, cheio de olheiras e com as bolsas palpebrais estofadas de tanta importância. Quanto privilégio. Não tenho a menor ideia do que virá, mas já sei que me serve.

- Então. É o seguinte.

Meu Deus, era o seguinte! Jamais imaginei que, depois do então, viesse o seguinte. Desculpe, honestamente. É que eu não trabalho com o seguinte. Jamais.

- Peraí, mas eu nem comecei...!

Para mim é o que basta. Veja bem, se vamos nos comunicar em poucas palavras eu preciso gostar de TODAS ELAS. Passa táxi aqui perto?

04 julho 2009

A filha e a mãe, de anilhas

A mulher atravessava a rua. Os ombros em formato de cabide, os cabelos espichados e os lábios inflados, assim a mulher atravessava a rua. A pedestre fez tanto exercício que ficou com cara de anilha.

Passava dos quarenta e poucos, mas só do nariz para cima e do joanete para baixo. As pernas de vinte, os braços de trinta.

Dentro da cabeça era teen, e pior: orgulhava-se.

***

A filha tinha 19 anos, usava vestido anos 50 e era fã de Truffaut. A mãe atravessava a rua, só.

Filha e mãe envelheceram juntas. A primeira concluiu a faculdade de cinema, foi se enfiar numa agência de publicidade, casou-se com um tocador de bongô de sotaque indecifrável e sobrancelha de taturana. Mudaram para Botafogo, onde adotaram um cão.

A mãe atravessava a rua e corrigia uma flacidez aqui, uma postura acolá. Pilates.

A filha fez 25, 30, 35... Já a mãe não fazia questão.

Quando a filha chegou aos 40, finalmente teve a oportunidade da sua vida e se mudou para Barcelona, a fim de concluir suas coisas. Aí aconteceu um negócio interessante. A filha, que a essa altura já estava mais velha que a própria mãe, deixou então duas heranças, que a mãe logo abraçou com cabides e joanetes: um pacote recém iniciado numa clínica estética, e um tocador de bongô recém divorciado. Ambos em Botafogo.

A mãe passou a atravessar a rua em ritmo caribenho, o que era muito mais divertido.