16 dezembro 2004

Meio cafona

É sempre assim. Chega essa época do ano, a cidade fica perua. Luzes, laços, fitas, bolinhas, arranjos – tudo junto, gritando. Reparou, não?

Até tolero esses supershoppings com mania de grandeza; ali a cafonice brilha e ofusca, mas é por uma boa causa: o consumismo desenfreado, claro. O que não pode é ser “meio” cafona. Isso é pra matar. Aqueles estabelecimentos de médio porte, que já não vão lá muito bem das pernas, e resolvem improvisar uma luzinha aqui, um brilhozinho ali – tipo da coisa que, além de não fazer efeito, faz defeito.

Quando chega a noite, o prédio some, e o que se vê é aquela precariedade natalina; mistura de muita boa vontade com pouca grana, você sabe no que dá.

Eu aqui não providenciei um sino sequer. Mas, a julgar pelo texto, vê-se que estou ficando com inveja.
(Pausa para reflexão).

Comprar umas bolas ali no Carrefour, e já volto.

***

O motivo da cobradora

A cobradora do ônibus - loura mel, penteado equivocado, sobrancelha grossa, unha lascada – ria fora de hora, e ria solto. Quanto é? Ela ria. Quer 20 centavos? Ela ria de novo. Passa no Barrashopping? Ela ria e confirmava, passava.

Sentei dois bancos atrás e fiquei observando, curiosíssima. Chegava a lhe escorrer um doce mistério qualquer pelo meio dos dentes; e sorria, a danada, como se ostentasse uma piscadela cúmplice a si mesma.

Não demora cinco quadras, entra no ônibus um negão de quase dois metros. Afoito e visivelmente alegre, dá dois pulinhos na direção da cobradora e tasca aquele beijo babado de novela; deixa a mulher sufocada e o povo todo besta, olhando. Salta no próximo ponto, a meio quarteirão dali, como se nada tivesse acontecido. Pela porta da frente.

Agora ela ria mais ainda, e o motivo estava bem revelado. Pois o negão trajava bermudas.