07 novembro 2009

Verão

Da janela espio o verão se insinuando lá fora, enrugando as testas de preocupação com os presentes de Natal e a silhueta (não necessariamente nessa ordem). Uma vez que a gente sobrevive ao feriado de finados, o diabo do trânsito empacota de vez qualquer esperança de fluidez – urbana ou intelectual, objetiva ou emocional. O calorão empapa as ideias, e quando começa a refrescar já estamos no happy hour, que ninguém é de ferro...

Novembro é o seguinte. Nós, mulheres, adoramos pintar as unhas de cereja, cabelos noz, hidratante amêndoas, xampu de chocolate. E esperamos o verão comendo alface, aguardando a revelação de um novo farelo incrível para o intestino.

10 outubro 2009

Minha neta Sofia e eu

Para fins literários, imagine que estamos em 2050. Estou com 73 anos, enxutérrima, e tenho uma neta de 13 anos chamada... Sofia.

Eu: Sofia, querida. Sabia que, no tempo em que a vovó era jovem...

Sofia: Isso foi no século passado, né, vó?

Eu: Foi antes da sua mãe nascer. Tínhamos uma maneira muito interessante de nos corresponder: o “e-mail”.

Sofia: Eu já li muito sobre isso. Incrível.

Eu: E era mesmo. Sem precisar de papel, caneta ou envelope, nós conseguíamos conversar com quem estava do outro lado do mundo. Sem esperar nenhum dia pela resposta!

Sofia: Pode crer. Mas o mais incrível, pra mim, era que vocês paravam tudo o que estavam fazendo para mandar esse tal de e-mail.

Eu:
Como assim, parávamos tudo?


Sofia:
Espera um segundinho, vó, que eu vou desligar a Joana.

Eu: Joana? Isso aí não é um chaveiro?

Sofia: É a Joana, vó. Que veio aqui no meu aniversário, lembra? Ela tá vibrando aqui. Xiii, agora a Mariana vibrou também. Deixa eu ver onde elas estão.

Eu: Elas estão dentro da sua bolsa, Sofia! Podemos retomar o nosso assunto?

Sofia:
Claro, vou desligar as meninas. Pronto. Tudo desligado.

Eu:
Melhor assim. Querida, quando duas pessoas estão conversando, o ideal é olhar bem nos olhos e...

Sofia
(de súbito): Amarelo não, Tom! Já falei que não fico bem de amarelo. Compra lilás, vai? Pleeeease...

Eu: O que é isso??

Sofia: Desculpe, vó. É que não tive coragem de desligar o Tom (tirando do ouvido um ponto eletrônico, e recolocando em seguida). Hoje é véspera do dia dos namorados e ele saiu para comprar o meu presente. Cismou com uma blusinha amarela.

Eu:
Sofia. Sua mãe sabe disso?

Sofia: Claro que sabe, vó. Eu, hein? É namoro firme, tá?

Eu:
Mas não é muita intimidade esse menino andar dentro do seu ouvido, não? Não tinha um lugar mais adequado para vocês namorarem? Sei lá, um shopping!

Sofia:
A senhora ficou maluca? Sabe quanto custa uma passagem para a Finlândia?

Eu: Você não conhece esse menino? Nunca viu mais gordo, é isso?

Sofia: Ô Vó, como é que eu vou parar tudo que eu estou fazendo?

Eu:
Tem razão, Sofia. A vovó vai ali comprar um pão de meio quilo e já volta.

09 outubro 2009

Meus pais (em gotas)

Ele teve que extrair um dente, mas acabou extraindo dois. Sobre isso, me escreveu um e-mail:
"Restaram poucos, porém sinceros...".

**

E ela, no perfil do Orkut, preenche assim:
Cozinhas - "limpas".

Hoho.

07 outubro 2009

Pecadinhos

Saí de casa pensando bobagens.
E invejei os quadris da colega 10 anos mais moça que fazia transport de marcha à ré.
E enforquei os últimos três minutos na esteira.
E comprei um queijo brie.
E não me arrependi.

Cheguei em casa e, além de pensar, comecei a escrever bobagens.
Soma tudo e me diz na lata: quantas Aves, Maria?

29 setembro 2009

O moço que adorava quebrar paredes


A descarga escangalhou de vez. Aliás, a válvula. Ou sei lá.

O moço esteve aqui e tentou o dia todo trocar as peças, mas a senhora sabe, o encanamento é antigo... E vamos ter que quebrar as paredes mesmo.

Revisando a cena (e acrescentando o diálogo final):

O moço entrou aqui dizendo que ia tentar “dar um jeito” e saiu afirmando: no seu caso eu tentei dar um jeito, mas isso aqui nem é mais caso para jeito, não.

“Ah, não?”

“Não. Vamos ter que dar é solução.”

Espera. Revisando a cena outra vez, para ver se escrevi direito (não estou crendo):

A descarga escangalhou de vez. Aliás, a válvula.

O moço entrou aqui dizendo que ia dar um jeito. Não deu jeito nenhum, gastou meu tempo, sujou as paredes, a pia, o meu sabonete francês e, àquelas alturas, o nome dele. No final, disse que não era caso para “dar um jeito”, mas para “dar solução”. Ou seja, quebrar as paredes da minha casa.

Agora vem a parte boa de se trabalhar com ficção:

O moço entrou aqui e (blá blá blá)...

Então, ele quebrou as minhas paredes, eu aproveitei que estavam quebradas mesmo e juntei um bocado de paredes, e olhei bem para o moço, a senhora sabe, o encanamento é antigo, o seu caso não é nem para dar um jeito e... Bem, sou meio ruim de pontaria, quis dar uma solução no moço todo, mas solucionei só uma orelha. Fim.


PS: todo o resto era verdade. À exceção do sabonete “francês”, que era um Protex básico ali da esquina, mas eu achei mais dramático se... Você entende.

24 setembro 2009

Para as mulheres chatas e rabugentas

As mulheres chatas e rabugentas merecem todo meu apoio e solidariedade. As mulheres chatas e rabugentas têm meu carinho e respeito, simpatia, inclusive. Na falta de outra coisa, levem até minha admiração. A pouca paciência que tenho, usarei generosamente com as mulheres chatas e rabugentas.

Façam suas reclamações nos meus ouvidos amplos; divulguem suas vicissitudes diárias pelas minhas publicações periódicas. O espaço que eu tiver, eu o cederei de bom grado às mulheres chatas e rabugentas.

Sempre achei terríveis as mulheres chatas e rabugentas. Fazia parte da minha rebeldia de adolescente – e vai ver tinha até seu charme – ridicularizá-las, espinafrá-las em público, alfinetar suas cabeças vermelhas de impaciência com a vida. Pensava mesmo que eu era só uma guria implicante e me divertia com isso.

Não sei exatamente quando deixei de ser uma guria implicante e me tornei uma mulher chata e rabugenta. Temo que já faça uns dias.

Temo mais ainda que não passe após o oitavo dia do ciclo.

15 setembro 2009

Meu ego

- Bom dia, meu Ego.

- Como assim?

- Faz um dia lindo.

- Poxa, obrigado.

- Eu não disse que você faz um dia lindo. Estou falando do sol!

- Imagina, peguei o primeiro vestidinho amarelo que vi no armário...

- Meu Deus!!!

- Tamos aí. Mas pode me chamar de Ego mesmo.

14 setembro 2009

Letras

Amo escrever. Amo escrever. Amo escrever.
Estou dizendo isso porque às vezes brigamos. Letras e eu, eu e letras.

Há dias em que perco o sono e tenho ganas de contar, mas me falta a coragem de sentar a bunda na cadeira e cumprir o doloroso processo: letras e eu, eu e letras.

(Chorosa): Amo escrever.
(Confessional): Amo escrever.
(Patética): Amo escrever.
(Irônica): Amo escrever.

(Definitiva): Amo escrever?

Bah, desde que deixei de ser adolescente venho me tornando pior ainda.

27 agosto 2009

Rogério, o pai solteiro

Rogério vive se queixando: a filha Bia, 16 anos, não dá mais as caras. Trancada no quarto o dia todo, amigos e amigas entram e saem como se o apartamento fosse um albergue. Rogério, pai solteiro, não sabe mais o que fazer.


SALA DE ROGÉRIO – INT./DIA


Toca a campainha, ele abre a porta. É Luana, a loirinha dos coturnos.

LUANA (de passagem): Oi, tio.

ROGÉRIO: Espera aí. Me faz um favor?

LUANA com as mãos na cintura.

ROGÉRIO:
Vou ao supermercado. Pergunta para sua amiga Bia se ela vai querer o achocolatado diet, me faz esse favor?

LUANA: Posso tentar, tio. Mas a Bia tá compenetrada numa poesia e.../

ROGÉRIO:
Com rima ou sem rima, diz para ela que, se não me responder em cinco minutos, vou trazer aquele que tem um coelho no rótulo. Sabor morango.

LUANA: Eca!

ROGÉRIO: O quê? Na última vez que eu falei com ela pessoalmente, era louca por esse do coelho. Acho que ela tinha uns oito anos.

LUANA ri sem graça e quer se livrar dele, mas não consegue. ROGÉRIO tira do bolso da calça um celular e, em seguida, tira outro do bolso da camisa. Põe os dois em cima da mesa de centro.

ROGÉRIO:
Diz pra ela me ligar, estou aqui na sala. Se não for dar muito trabalho, claro.

LUANA segue pelo corredor, em direção ao quarto de BIA. ROGÉRIO fica olhando no relógio.

***

QUARTO DE BIA – INT/DIA


Batidas na porta. BIA, ruiva, de franjão e saia xadrez, bufa e abre a porta. ROGÉRIO espia e vê MAURINHO (cabelão) e LUANA aboletados na cama da filha.

ROGÉRIO: Minha filha, você tá lidando com jardinagem agora?

BIA: Tá lembrado do Maurinho, pai?

ROGÉRIO:
Desculpa, rapaz. Não reconheci você aí debaixo desse... no meio desse cabelo.

MAURINHO:
Quanto tempo, tio.

ROGÉRIO
(avaliando o cabelo): Foi o que eu disse.

BIA:
O Maurinho vai botar música na minha poesia.

ROGÉRIO: Você é gay, meu filho?

LUANA cai na gargalhada. MAURINHO faz que vai responder, mas BIA corta.

BIA: Ele é músico, pai.

ROGÉRIO (para BIA, cochichando): Tadinho, minha filha. Não expõe o menino desse jeito.

LUANA: O Maurinho tem uma banda. É sério, tio.

ROGÉRIO:
É sério mas tem cura, eu também tive uma.

MAURINHO mal reage. BIA querendo se livrar do pai.

BIA:
A gente tem muito trabalho, pai. Se incomoda?

ROGÉRIO: Comprei aquele achocolatado sabor morango, do coelho. Se você quiser eu faço uma bandejinha.

BIA fecha a porta na cara do pai.

BIA: Eca!!

ROGÉRIO (off): O papai põe um canudinho, Bioca!

15 agosto 2009

Sandália assassina, entre outros

Mandei e-mail para o SAC de uma fábrica de calçados que eu adorava, reclamando que comprei uma sandália que simplesmente corta meu pé. Resposta deles: adoramos receber seu e-mail, patati, patatá... Depois:

Entendemos e achamos perfeitamente plausível que, não serão todos os produtos adequados para todas as pessoas. Pois cada ser humano é único e tem seu próprio estilo, gostos e até mesmo biótipo único.

(Texto impecável, tô arrepiada).

Sendo assim, um calçado pode estar perfeitamente ajustado para uma pessoa e não estar para outra.

(Graças a Deus me avisaram).

Por isso a necessidade de sempre experimentar-se o calçado antes de adquiri-lo em uma loja.

!!! A culpa é minha, claro, porque não experimentei a sandália.
Que eu experimentei, óbvio. Acontece que um dos pés da sandália – somente o direito – pegou raiva mortal pelos meus dedos e danou a cortá-los, sistematicamente, já na primeira semana de uso. Famosa sandália Kinder Ovo, veio com surpresinha.

E ainda:

Você poderá encontrar nas nossas lojas exclusivas produtos que lhe ajudarão em relação ao conforto dos calçados, como o amaciante de couro, palmilha meio número, proteção de calcanhar, apoio plantar, entre outros. Sugerimos que você vá em uma de nossas lojas, pois eles saberão indicar o melhor produto para você.


Agradeço muitíssimo pela gentileza da resposta. Não vejo a hora de passar numa de suas lojas exclusivas e desembolsar meus suados pilas nos seus exclusivos produtos – tais como o amaciante de couro, a palmilha meio número e, principalmente, o “entre outros”.

Quanto à sandália assassina, não se preocupem. Vou desligá-la da tomada e tornar a ligar, mas só quando for noite de lua cheia. Depois derramo um punhado de arnica em cima dela (é assim que se diz, punhado de arnica?) e faço-a pernoitar numa encruzilhada, rodeada de velas lilás, pés de caranguejo e pós de pirimpimpim.

E quanto à nossa antiga e doce relação, caríssima fábrica de sapatos, não se preocupe também. Tudo permanecerá como sempre foi: eu entro com a reza braba e vocês, com o entre outros.

04 agosto 2009

Salão express

Ontem eu li que um salão chique lá do centro está lançando a versão “express” dos seus serviços. Funciona assim: uma mulher com pressa põe sua cabeça, mãos e pés nas mãos (e também na cabeça, mas espero que não nos pés) de duas profissionais do ramo – que, por sua vez, também estão com pressa. Supõe-se.


Cabelos arrumados, cutículas extintas, unhas esmaltadas, a ideia é que a mulher com pressa tenha evoluído para uma categoria superior: a de perua (no bom sentido) com pressa. E lá vai a moça, toda arrumadinha, desfrutar de um croissant com queijo onde não há croissant, muito menos queijo, no balcão da padaria mais próxima. Que o trabalho a espera, com ou sem queratina.


Quera o quê? Consulte cabeleireiro da esquina. E não me diga que está sem tempo!


15 julho 2009

Pessoas que dizem então

A pessoa senta na sua frente pela primeira vez na vida, olha para os dois (ou três) lados, bufa, pigarreia, mostra-se ocupada com alguma coisa anterior a você e insinua uma preocupação com alguma outra coisa, que virá a seguir. Ao deixar bem claro, através de gestos, que você é tão-somente um intervalo entre duas ocupações das tantas que ela tem na vida, inicia finalmente a conversa:

- Então.

Pessoas que dizem “então” no início do assunto são tão atarefadas que resolvem, de antemão, poupar a gente dos começos e dos meios, indo direto aos finais sem cerimônia. Cerimônia é para desocupados, pensam. O “então” é a inserção do contexto à força, ou como se diz: na marretada. Então.

Por outro lado, até que é bom. Quer dizer que o sujeito esteve lá, em um grande evento de comunicação interna com os seus próprios miolos, tecendo introduções que não me interessam acerca de temas inúteis para o rendimento da nossa conversa. Nada mais justo que ele me libere dessa, e me dê esses cinco minutinhos para um telefonema, um café, retocar o batom. E parta diretamente para a conclusão – que me inclui, por incrível que pareça! -, após disparar a senha: então.

A partir do então, sei que estou dentro. Afino os pensamentos e me preparo para o grande desenrolar do assunto em questão. Livro-me das amarras internas e dos meus pormenores subjetivos, afinal, é minha chance de compartilhar, integrar a vida daquele sujeito (ou sujeita) estafado, cheio de olheiras e com as bolsas palpebrais estofadas de tanta importância. Quanto privilégio. Não tenho a menor ideia do que virá, mas já sei que me serve.

- Então. É o seguinte.

Meu Deus, era o seguinte! Jamais imaginei que, depois do então, viesse o seguinte. Desculpe, honestamente. É que eu não trabalho com o seguinte. Jamais.

- Peraí, mas eu nem comecei...!

Para mim é o que basta. Veja bem, se vamos nos comunicar em poucas palavras eu preciso gostar de TODAS ELAS. Passa táxi aqui perto?

04 julho 2009

A filha e a mãe, de anilhas

A mulher atravessava a rua. Os ombros em formato de cabide, os cabelos espichados e os lábios inflados, assim a mulher atravessava a rua. A pedestre fez tanto exercício que ficou com cara de anilha.

Passava dos quarenta e poucos, mas só do nariz para cima e do joanete para baixo. As pernas de vinte, os braços de trinta.

Dentro da cabeça era teen, e pior: orgulhava-se.

***

A filha tinha 19 anos, usava vestido anos 50 e era fã de Truffaut. A mãe atravessava a rua, só.

Filha e mãe envelheceram juntas. A primeira concluiu a faculdade de cinema, foi se enfiar numa agência de publicidade, casou-se com um tocador de bongô de sotaque indecifrável e sobrancelha de taturana. Mudaram para Botafogo, onde adotaram um cão.

A mãe atravessava a rua e corrigia uma flacidez aqui, uma postura acolá. Pilates.

A filha fez 25, 30, 35... Já a mãe não fazia questão.

Quando a filha chegou aos 40, finalmente teve a oportunidade da sua vida e se mudou para Barcelona, a fim de concluir suas coisas. Aí aconteceu um negócio interessante. A filha, que a essa altura já estava mais velha que a própria mãe, deixou então duas heranças, que a mãe logo abraçou com cabides e joanetes: um pacote recém iniciado numa clínica estética, e um tocador de bongô recém divorciado. Ambos em Botafogo.

A mãe passou a atravessar a rua em ritmo caribenho, o que era muito mais divertido.

13 junho 2009

Enquanto isso, na sala de... De que, mesmo?

A internet não tem um tempo; ela vive do “enquanto”. Lembra o enquanto de antigamente? Enquanto comíamos, conversávamos. Enquanto líamos, respirávamos. Enquanto tomávamos um cafezinho, até pensávamos!

Hoje estou aqui, aproveitando o enquanto de outras coisas modernas para escrever minhas velhas bobagens. Claro, sinceramente culpada pelo que estou perdendo na janela ao lado. Estou com o Twitter aberto direto, enquanto as notícias e os amigos e os recados e as reclamações e as dicas incríveis e a promoção imperdível que, infelizmente, não dá mais tempo de abocanhar. E eu nem sabia que andava precisando de botas novas, você vê. Ainda bem que o Google entra no meu e-mail, verifica meu solado detonado e manda logo uma oferta na barra lateral. Sem a qual...

O tempo, fragmentado desse jeito, lembra aquela bolachinha que vem com o café. Você come e nem viu, cadê? Já são seis da tarde? Oito e meia? Perguntinha cretina: se juntar 24 enquantos forma um dia de verdade?

Pois eu acho que a gente tem que cuidar é da memória (a da gente, não a dos trecos). Já dizia um querido professor de dramaturgia: o problema da fragmentação é conseguir dar a progressividade necessária para tornar sua narrativa interessante, instigante, boa de acompanhar. E uma coisa é certa, não se consegue progressividade sem uma ótima memória para lembrar os enquantos anteriores. Sem os quais...

Do que eu estava falando mesmo? Ah, a bolachinha do café. Açúcar ou adoçante?
Arrob@, ué.

12 junho 2009

Música triste

Sempre gostei de música triste, mas nunca parei para pensar no porquê.

Essa semana, assisti a uma palestra dele no Jockey e me apareceu Magdalena Kozená no telão, cantando essa ária da ópera Rinaldo, de Handel, chamada Lascia ch'io pianga (a tradução seria algo como “deixa que eu chore”, mas prefiro pensar em “me deixa chorar”). É das coisas mais tristes e belas que já ouvi.



E matei a charada do gosto pela música chorosa: se uma coisa desesperadamente triste pode ser tão absurdamente bela, então viver deve ser um bom negócio.
:o)

03 junho 2009

Ser vela em junho

Às vésperas do dia dos namorados, o mundo parece ser constituído por casais. Os solteiros se sentem marginalizados - indignos das promoções de telefone celular, dos sorteios de ingressos (pares, sempre aos pares!), até mesmo das folgas no trabalho.

- Você, que é solteiro, quebra essa pra mim...

Lá vai o solitário encarar mais um plantão noturno, para felicidade dos pombinhos. E uma pizza de calabresa nunca é tão grande como é em junho.

É por isso que eu faço questão de rachar o meu espaço junino com aqueles que, além de não se encaixar em panela, tampa ou laranja alguma, ainda por cima têm por hábito acompanhar os acompanhados. Um brinde às velas.

Muito já fui vela nesta vida. Sair com um casal é interessante - para uma mulher, por exemplo - por vários motivos. O primeiro é óbvio: você está acompanhada e desacompanhada ao mesmo tempo. Pode ficar com o melhor dos dois mundos. Quando convém, você é parte (de um trio). Quando convém, é à parte. E, quando convém, parte! Deita o pavio e cai fora, mesmo. Sem medo de deixar ninguém sozinho na festa.

Normalmente, o status da vela (parte, à parte etc) varia de acordo com os atrativos de um possível quarto elemento. A proporção é há muito conhecida: quanto maior a atração, maior a chama.

Mas nem tudo são luzes na vida da pessoa avulsa que acompanha um par. Velar desentendimento alheio, por exemplo, é fria.

- Marcelo, eu vi.
- Hein? Viu o quê?
- Nem adianta disfarçar. Eu vi.

Sua amiga viu. E você é quem começa a ficar nervosa, não sabe ainda por quê. Só sabe que vai sobrar.

- Você olhou para a bunda daquela mulher.
- Eeeu? Você está louca??

Eis a senha. E homem nenhum aprende: não se chama de louca uma mulher irritada que já bebeu mais de três chopes.

- O quê? Louca é a neurótica da sua mãe!!

Mulher nenhuma aprende: não se ofende a mãe do Marcelo, mesmo que ele só tenha bebido coca light. Pronto. Armada a quizumba. As agressões mútuas vão superar o limite do som ambiente, as pessoas vão notar, os garçons vão se alarmar – até que, fatalmente, a vela será lançada ao lugar de destaque da noite.

- E aí? Olhou, ou não olhou?

É com você mesma, amiga. E o cafajeste ainda apóia a idéia:

- É. Pode dizer. Olhei, ou não olhei?

O restaurante inteiro aguarda, observando a vela se aproximar da cortina. Olhou, ou não olhou? Se você diz que olhou, o Marcelo é safado. Fogo. Se diz que não olhou, sua amiga é doida. Fogo! No fim, os dois vão fazer as pazes, é batata. E você é quem vai ficar com fama de traíra – independentemente de quem acusar, porque isso ninguém vai lembrar mesmo.

- Sinceramente? Eu estava tão distraída com o menu... reparei, não.
Os talheres voltam às atividades, sob atmosfera de desprezo coletivo.

Alguém comenta, ao fundo:

- Vela mais sem graça. Em vez de incendiar logo o barraco... por isso é que está aí, encalhada.

Outra injustiça é achar que a vela está sempre à procura de uma cara-metade. Isso gera a pior praga das relações humanas: o “encontro às cegas”. Que sempre é anunciado no meio do caminho.

- Você vai adorar o Cristiano.
- Eu pensei que iríamos só nós três...
- Dentista. Um charme! Não é, amor?

O amor concorda.

- Na verdade, eu não estou a fim de conhecer ninguém...
- Dissemos a ele que você é divertida, linda e inteligente. Vê lá, hein?

(Risinhos amarelos).

- Se vocês não se incomodam, eu gostaria de...
- Seja espontânea, só isso. Seja você mesma. Vai arrasar!

Já que pediram, você resolve ser você mesma:

- Eu não quero arrasar. Eu não quero conhecer Cristiano algum. Estou ótima sozinha. Táááááxi!!!

E vai embora. No dia seguinte, você é uma vela excêntrica, mal agradecida e perturbada. E, se der o azar de sair com uma camiseta mais soltinha, é sapata.

* Crônica minha publicada na revista Época, junho de 2005

07 maio 2009

Corra, Forrest!

Um amigo manda uma mensagem via Twitter: “te vi agorinha na rua X. Acho que você ia correr ou algo assim.”

Uma coisa é certa: quando não estou – literalmente – correndo, estou algo assim. A vida é um grande empreendimento aeróbico sem finalidades fitnesstéticas. E quem não gostaria de poder passar o bastão de vez em quando, hein?

27 abril 2009

Microblogando

Curiosa modalidade esportiva que tem garantido o tônus da indústria fonográfica: lançamento de padres.
Hoho.

22 abril 2009

Erramos. Opa, de novo!

Nessa euforia da informação gratuita, as pessoas consomem tanto material não relevante quanto seu tempo livre permitir. E tempo livre é um bicho que espicha, espicha até se transformar em já-são-cinco-horas-e-eu-ainda-não-fiz-nada-de-útil.

Por outro lado, já que a informação não importa mesmo, há quem aproveite para produzi-la sem dedicar muito tempo ao conteúdo que transmite.

O resultado eu acompanho no Twitter, por exemplo: uma renomada empresa de comunicação dispara manchetes, a todo momento, oferecendo links para reportagens variadas sobre "cultura e entretenimento". Não demora (até porque nada demora!), e eles disparam também o clássico: "Erramos! Diferentemente do que foi publicado, blá blá blá...". E de novo. E de novo.

!!!

Se alguém reclamar, periga ouvir: "é de graça, meu filho, que falta de educação reclamar!". Bah.

15 abril 2009

A "cara" do Google, se existisse nos anos 50
Adorei!



14 abril 2009


Entrar no chocolate é fácil. Difícil é achar a porta de saída...
Por isso o ovo de Páscoa é redondo. Coelhos cretinos.

12 abril 2009

Busca

Nesses ares de relevo,
um pouquinho de respirar plano.

07 abril 2009

Importância e farelos

O sujeito que pesa os legumes finge que se distrai limpando farelinhos de alface lá no outro canto, a quilômetros da balança. Fico abanando minhas cenouras daqui, nada acontece. Sacudo também as abobrinhas e os tomates, lanço mão das batatas: nada, nada. Uma senhora para atrás de mim; outra avalia o preço das cebolas e comenta, bufa e estala os beiços se dirigindo a ninguém, depois vem se unir a nós nesse exercício do nada. O moço da balança finalmente se vira e faz cara de quem está surpreso porque acaba de nascer um pé de senhorinhas enfileiradas desejando pesar legumes. E a cara de importância do cretino?

**

Bom, não há quem empacote as compras. Essa notícia a moça do caixa me dá com um gesto nada discreto: empurra as sacolinhas de plástico para onde eu alcance e continua passando os produtos, pi, pi, pi, como se me dissesse “mexa-se! estou fazendo a minha parte!”, pi, pi, pi.

A farinha de trigo está estranhamente empapada de alguma coisa. O açúcar está melado com alguma coisa. O sal está úmido de alguma coisa. Na importante sequência da minha tarefa de empacotar, descubro que a água sanitária é esse “alguma coisa”. Vaza, livremente, através da tampinha de rosca amarela que promete conter até pensamento. E a garrafa de álcool líquido – que já veio furada – é o outro “alguma coisa”. Pronto, há dois itens de limpeza profunda se alastrando pelos meus sacos de alimento numa total falta de cerimônia.

Após breve reflexão, concluo: ao diabo!, eles que se entendam!, já estou fazendo a minha parte. Pi, pi, pi.

E finjo que me distraio limpando os farelinhos do meu pensamento - que, aliás, não veio com tampa de rosca amarela.

30 março 2009

No tempo do Info Zero

Estou maluquinha com esse negócio de
As pessoas agora escrevem e-mails como se fosse
Emendam conversas pulam vírgulas dizem coisas sem nenhuma
Entrei no Twitter (atrasada)
Ai que saudade do tempo em que
Não havia essa info info info
Bastava uma sombra, meia goiaba
e um assunto espichado
que ia até o fim.

24 março 2009

Razão e felicidade

Um desses e-mails que circulam por aí dá pequenas dicas de como viver mais. Uma delas é “pensar positivamente”. “Pessoas otimistas podem viver até 12 anos mais que os pessimistas.”

Se isso é verdade, significa (ou “pode significar”) que os pessimistas morrem 12 anos antes. O que, por sua vez, “pode significar” que eles tinham toda a razão. Hoho.

O que você prefere? Ser feliz ou ter razão?

Pensemos bem. É que a razão dá um prazer danado, e ela se sustenta até na preguiça, na improdutividade e no tédio, se for preciso. Ter razão consola quando a gente nem tenta porque não ia dar certo mesmo, e adivinha?, realmente não deu. Então, a razão dá uma ninhada de filhotes cheios de ventosas que grudam e ficam repetindo: eu te disse, eu te disse, eu te disse!

Já a felicidade é escorregadia e dá um trabalho danado administrar. É bem melhor de viver, mas muito pior de "ir levando".

Se você não disser nada, a razão diz ela própria. É cheia de cem por centos, totalidades, coerências mil. A única coisa que a felicidade diz é sobre a pessoa que a experimenta - que, por mais feliz que seja, é feita de buracos e incompletudes que não sabem ligar lé com cré. Pensa que a felicidade liga?

Se você empacar, a razão buzina convictamente e joga luz alta nas suas certezas milenares. Já a felicidade passa, sorrateira e displicente, e vai morar em alguém que leve a alma para tomar sol de vez em quando.

16 março 2009

Acordo psicortográfico

Estou achando muito estranho que "paranoia" não leve mais acento. Muito estranho.
Acordo ortográfico, sei. Muito, muuuuito esquisito.

14 março 2009

Origens e Modernidades

Todas as letras do meu computador aumentaram de repente, e eu não tenho a menor ideia de como fiz isso. Eu ia dizer “a fonte” (das letras) aumentou, mas, francamente, certas expressões não conferem muito com as minhas impressões sobre elas – sou do tempo que fonte era coisa de água e não de letra. O que é que a gente tem que engolir em nome das maravilhas de modernidade.

Por mais que eu tenha blogs há 7 anos e navegue na internet desde 1995 (!), continuo me achando uma pilota de carroça, chacoalhando e abanando as moscas enquanto – me parece – o resto do mundo faz “assim” com o dedo, e é o que basta para o bicho (a máquina) responder a contento sem pestanejar. Comigo é nos cascos; não sei se me falta uma mandinga qualquer ou se é coisa pessoal mesmo.

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No Sul, nós temos muito essa intimidade com os cavalos, por isso fiz a referência. Não digo nem o bicho físico. Mas a ideia, os termos, tudo isso que forma o imaginário equino do gaúcho e acaba orientando sua conduta pela vida afora, mesmo que vá trotar por outras bandas, como foi meu caso e de tantos conterrâneos que identifico pela bandeirinha na traseira do carro. Lá vai o(a) gaúcho(a)!, digo para mim mesma, como se de um primo se tratasse. Bah, nunca vi mais gordo.

É tão engraçado como nos sentimos unidos quando moramos longe dos “pagos”, e sobretudo quando guardamos distância segura uns dos outros – de modo a nos livrar desse tipo de piadinha irônica que acabo de fazer aqui, por exemplo, e de outras bem piores. Nós, gaúchos, temos o costume de nos espetar mutuamente quando estamos próximos, e só há um motivo para isso: é que, quando estamos distantes, não conseguimos.

Piadinhas à parte, ao contrário do que se pode imaginar, em inúmeros casos essa troca de farpas é sinal de carinho explícito. Ou não.

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Mas, voltando às patas do teclado, levo fé no entendimento que nos unirá, cedo ou tarde, em doce harmonia, já que me empenho sincera e humildemente em construir uma relação sadia e produtiva para ambas as partes. Olha que já se vão anos, e sigo me esforçando. É verdade que não tenho recebido muito apoio. Mesmo assim, persisto. Colaboração nenhuma. Apenas atitudes mesquinhas, egoístas (aumentar e diminuir o tamanho das letras sem me consultar, confundir maiúsculas e minúsculas, para dizer o mínimo). Não há de ser nada, não me abalo. Ainda que não receba consideração, sequer piedade...

(A coisa dos cavalos é mesmo de origem gaúcha; já esse dramalhão descarado vem do meu bisavô italiano e dos que dele descendem. Nada disso culpa minha, esclarecido.)

04 março 2009

Dentro

Ai, tem dia que acordo começando tudo com ai. Ai que não é dor. Ai que não é queixa. Ai que não é manha, charme, ai de Deus ou ai de mim.

Ai que é um gesto - e bem que sacudo, mas não cai.

Fora

Bolsas, pastas, gavetas, caixas de sapato, latinhas, bolsos, prateleiras: meu deus, descubro mariolas de goiaba em toda parte!

03 março 2009

O Garçom do Google

Só agora eu me rendi ao Gmail, e vou dizer uma coisa: ou eu sou mesmo muito caipira, ou tudo isso é meio assustador.

Escrevo um e-mail para a minha mãe convidando para ir à piscina, por exemplo. Na barra vertical à direita, “Anúncios Google” me dão as seguintes cantadas: Tudo para iluminar sua piscina. Móveis em alumínio, clique. Sua piscina está aqui. Etc.

No tempo do carimbo, a correspondência da gente era – supostamente – confidencial e sagrada. Agora, toma-se um assunto em família qualquer, pesca-se meia dúzia de palavras convenientes e aquilo vira massinha de modelar para o marketing alheio.

De um lado, assustador. De outro, profundamente redundante e chato esse garçom virtual a nos oferecer sempre os mesmos pratos – ou seja, essa publicidade “inteligente” (pretensiosa, na verdade) julgando que devo me interessar por aquilo que me interessei ontem, e anteontem, e semana passada... O cão mordendo o próprio rabo?

É como se o garçom estivesse ouvindo o nosso papo, e eu dissesse “suco de laranja, patati, patatá, suco de laranja, patati, patatá, suco de laranja”. Aí ele se aproxima, com a cara mais canastra do mundo, e diz:

- Agora vou te dar uma ideia genial que vai te surpreender: que tal SUCO DE LARANJA?

Uau, quanto charme.

28 fevereiro 2009

Procurando o número

Eu voltava do supermercado. Uma mulher – de short curtíssimo e coladérrimo, quadril avantajado, top listrado em cores do arco-íris, maquiagem forte e uma flor vermelha no cabelo - anda pela calçada e olha as fachadas dos prédios, indo e voltando, conferindo um papelzinho que tem na mão.
...
Como é o pensamento da gente, não?

26 fevereiro 2009

Quinta-feira de cinzas

Pergunta ansiosa: quer dizer que agora o ano começou de verdade? Ou devemos esperar segunda?
Ai...

25 fevereiro 2009

Publicidade na internet

Sequência de três anúncios na mesma página:

1. "Quer namorar?" (Conheça pessoas, etc)

2. "Separação e Divórcio."

3. "Deus te ama."

Isso é praticamente um conto: o sujeito (a sujeita) conhece pessoas, namora, casa, briga, separa, e acaba obtendo o consolo divino. Final feliz.

Da vida real à literatura - o Google, realmente, oferece de um tudo.

23 fevereiro 2009

Gênio oriental

Outro dia eu tive uma insônia horrorosa que contraria o senso comum; em vez de pensamentos horripilantes e preocupações com direito a previsão de desgraças na família, tive uma ideia genial atrás da outra. Incríveis as minhas ideias. Começaram às duas da manhã e se empilharam pela madrugada adentro, derrubando qualquer chance de um cochilo sequer. Vi nascer o sol no dia mais genial da minha vida.

Tomei o café da manhã, ainda insone, e já meio perturbada com tanta produtividade. E a minha memória ia dando sinais de cansaço – esqueci metade das ideias geniais, mas pensei: que mal há nisso? A fartura é tanta, me viro muito bem com 30% dessa enxurrada criativa. Escrevo dois livros, um filme e uma peça de teatro, e ainda sobra para compor um refrão, vá lá, de boa linha melódica. Um refrão razoável, está bem.

Antes das 8h, contudo, eu já estava zonza e burra outra vez, com agravante: olheiras de urso panda. Faço força, mas não lembro nem meia ideia genial. Saio na rua tipo um zumbi, encho a cara de coca-cola e não me conformo com a estupidez: há um gênio em mim, mas ele dorme em pleno horário de expediente.

Deve ser um gênio oriental, vem me visitar e não liga para o fuso. Grandes coisas.

A outra possibilidade é que, na tontura da insônia, eu tenha ficado generosa comigo mesma e as minhas “ideais geniais”, vistas à luz do dia, sejam mera bobice. Sendo assim, melhor que fiquem no escuro mesmo, ou ainda vão me dar mais trabalho do que já estão dando agora.

Que a burrice nos rouba tempo, é verdade, mas a "genialidade" (entre aspas) é capaz de nos tomar dinheiro grande.

19 fevereiro 2009

Francamente

Meu Deus, acabo de receber um e-mail de seleção de elenco para um longa-metragem de ficção. Meu Deus, eles dividem as personagens/atrizes assim:

- Mulheres jovens.
- Mulheres entre 30 e 45 anos.
...
Ainda bem que é de ficção. Não quero nem pensar se fosse de verdade.
(Uma cerveja e colágeno, please...)
Dia bom

Café com marido. Filha já brincando, outro café com marido. Iniciar uma conversa objetiva e prática sobre as tarefas domésticas, que evolui por considerações - já não tão objetivas - sobre educação. Que, por sua vez, evolui por um longo papo extremamente subjetivo, gostoso e rico sobre literatura.
Olhar a pedra lá fora. Céu azul. Nós.

17 fevereiro 2009

Cala-te, Claro

Meu celular apita uma melodia que interrompe o que estou fazendo para avisar a chegada de “uma nova mensagem”. Aperto o botão “ler” e descubro que tenho 30% de desconto para o show dos bec-strit-bóis.

Quaisquer que sejam os bóis que estejam em turnê pela vizinhança, o fato é que eu não pedi essa informação, jamais demonstrei a ninguém – nem ao Google, que tudo sabe sobre todos – nenhuma ambição ou mera curiosidade em conhecer de perto os tais rapazes, nem por suas músicas, nem suas roupas, géis nos cabelos ou purpurinas, nada, nada. No mundo ideal: eles lá, eu cá. Mas não, não posso, porque o mundo “Claro Ideias” não permite que eu tenha as minhas próprias ideais, sossegada e individualmente, em silêncio.

Perguntinha tola: por que é que meu aparelho (pessoal, que comprei com o meu dinheirinho) produz um ruído jamais solicitado para me informar essa e outras inutilidades? Já imaginaram se, numa sala com 800 pessoas juntas, todos os aparelhos resolvessem avisar a todos os seus clientes sobre os descontos imperdíveis a que cada um tem direito? O que é que me dá o direito de incomodar o direito alheio de não ouvir minhas sobras eletrônicas?

Devo levar a mão à boca e me desculpar?

Eu passo os meus dias lendo, escrevendo e escutando coisas. E não posso ter um aparelho de telefone para (apenas!) falar. Até porque o sinal é péssimo, e raramente consigo fazer ou receber ligações.

PS: Alguém poderia dizer “é só você configurar...”, ao que retruco: por acaso não deveríamos ter que “configurar” a opção contrária – a de solicitar barulhos e mensagens? No meu, começaram a apitar e enviar textos sem a menor cerimônia. E são muitos!

03 fevereiro 2009

Salsa capilar e reza

Meu cabelo e eu fomos parar nas tesouras de um profissional chamado Marcelo, que leva a fama de ser o melhor do salão. Conforme me confirmou a depiladora boa gente. Se esse é mesmo o melhor do salão, suponho que dance um bolero como ninguém. Ou a depiladora é que não é boa gente.

No meu cabelo deu foi uma salsa descompassada, e cheguei em casa nas tamancas, desafinando um miado meio indignado, meio lamentoso, bem como costumo fazer sempre que alguma coisa desanda e foge ao meu alcance. Não estou exagerando. Você olha para o meu rosto e tem vontade de pedir ajuda: orientação vocacional capilar. Um cabelo indeciso, impreciso e inseguro. Diria até, volúvel.

E eu que já não tinha muita coisa reta na cabeça, agora esse baião caribenho, olha, só rezando. Só rezando. Pai.

08 janeiro 2009

Acordo ortográfico

Ninguém vai dizer, então digo eu: não estou em condições de entrar em um acordo ortográfico que tira o acento das ideias e das estreias.

Ideia sem acento não vinga; estreia sem acento não inaugura. O ditongo aberto fecha as portas nas paroxítonas e eu esperneio, gostava mais antes!, gostava bem mais antes...

É injusto com a classe artística. Não bastasse, a porta da saída continua exibindo seu sinal agudo, direcionando o povo ao final sem cerimônia.

Isso para não falar na jiboia sem acento, um perigo.

(Filha minha, repara não: ocorre que a mamãe tá veia).