26 setembro 2002

O VARAL

Agora que percebo, esse varalzinho aí em cima é muito adequado, que
o texto, depois de feito, pede mesmo ar fresco. Sabia disso?

O ideal é centrifugar ao máximo, mas quem não tem máquina caça
com vento. De minha parte, prefiro as fases do tempo. Ora chove no
verbo, ora esquenta o sujeito, evapora o objeto e dá-se um jeito.

O varal é bom que é uma variedade de possibilidades. Outro dia
pendurei um verso que, depois de seco, virou canção. Passei a ferro,
ficou bem reto, fiz um refrão e ainda sobrou pro jantar. Tinha que ver
que delícia, misturado no feijão; um lá menor e um violão.

O varal é bom que a gente pendura e depois olha de longe pra ver que
jeito tem. Outras vezes, nem tem. Mas nunca se joga fora, que a
literatura não vem toda junta - a gente é que mistura, meia daqui, cueca
dali, e sai compondo, vai embora.

Meu sonho é me pendurar no varal, inteirinha, e ficar ali balançando a
arte, dia e noite.

Viveria de brisa e rima.
E acabaria rica, rica.


INSANO

Quase querido:
quase consigo,
o conflito é comigo,
não liga.
Quero mais que isso -
que torcer pela corrida
e morrer fazendo figa.
Quase te pego,
quase que chego,
quase me apresso,
quase dá tempo.
Quase te fisgo,
é quase um plano.
Quase te digo te amo,
mas aí já seria muito insano.


ELE ME AMA

O meu cabelo na cintura,
a minha pinta de madura,
a minha ardósia,
a rima óbvia,
o papo firme,
a boca fina,
a perna grossa
e a fala terna:
tudo frescura,
fachada.
Não valho o que como,
e não como quase nada.
E quanto a esse negócio de partitura -
quem pode, pode,
quem não pode, rock.
A vida não dura lá muito,
é pouco mais de um compasso,
eu acertando meio tempo já é lucro,
juro.
O mais é fase.
Cansou?, troca de clave.
Troca de tese, inverte, vê se consegue.
Faz outro cenário,
contrata um canário que não canta um ovo
e põe na Globo a vender disco,
diz que é novo.
E não reclama,
não reclama que pra tudo tem um jeito,
não vê eu?
Não vê eu?
Não faço sucesso,
nem sei se mereço.
Mas que Ele me ama,
me ama.
E o meu cabelo na cintura,
a minha pinta de madura,
a minha ardósia,
a rima óbvia,
o papo firme,
a boca fina,
a perna grossa
e a fala terna.
Tudo isso Ele ama, bem ama.