22 janeiro 2005

1 X 0

Então ele vinha
E me cochichava:
Sentia a minha falta.

(que modéstia –
eu apito!)

Falta
Ao pé do ouvido
É pênalti.


2 X 0

Então ele chutava
Minha cor preferida
Acertava
Meu prato
Acertava
Meu filme
Acertava
Bebida
Acertava
Carinho
Acertava

Parou na minha frente,
Ajeitou,
Concentrou,
Bateu.

Abri bem os braços
Errei o canto
Aliás, nem pulei
Não deu.

15 janeiro 2005

O sangue era de Patrícia


O elenco do meu salão de beleza favorito entrou na guilhotina: rolou a cabeça da minha manicure-nota-dez, Conceição, eu me lembro muito bem, uma negrona alta de traços belíssimos e cachos aplicadíssimos – do tipo olhando-ninguém-diz.

Que judiaria.

Mandaram embora também outras tantas, simpáticas, risonhas, um pouco indelicadas, é verdade, mas ninguém é perfeito. Indelicadas no trato, eu digo. Porque, no alicate – vamos ao que interessa -, eram todas muy competentes. Bife meu, ninguém jamais arrancou ali.

Hoje, mudado o time, tive o prazer de estrear uma novata. De nome Patrícia. E foi só o que ouvi dela durante o serviço todo; ainda assim, depois de muito esforço.

- Como é o seu nome?
- Patrícia.
(Sabe a pessoa que fala para dentro? Impossível ouvir).
- Hein?
- Patrícia...
(Agora, para dentro e com a cabeça baixa).
- HEIN??
- Patrícia.
(Corou. Que meigo. Enfim, ouvi o nomezinho da moça).

- Prazer, Patrícia, eu sou a Bíbi.

Mas ela nem tchuns pra mim.

Patrícia Hein?, para meu desespero ainda maior, levou uma hora e quinze minutos para fazer a minha mão. Eu bufava, sonolenta e quase criando remelas, quando ela foi ao pé.

Duas horas depois de eu ter sentado à sua frente (juro!), Patrícia finalmente terminava o serviço. E eu abreviava aquele tormento quanto podia:

- Deixa só a base, só a base mesmo. Tá óóótimo.

Aos 45 do segundo tempo, a pobrezinha se vê nervosa e fura o próprio dedo com o alicate de cutícula. E jorra sangue de Patrícia por tudo.

Então ela abre a boca, mais constrangida ainda:

- Desculpe... a senhora me desculpe... o alicate estava muito amolado, sabe como é... a senhora quer que eu pare? Não, por mim continuo, não dói nada. Eu termino rapidinho. É que tem gente que não gosta de sangue, digo, de quando sai sangue, né. Eu termino, nem dói.

Depois de perguntar se ela tinha certeza que não queria fazer um curativo (o sangue nem era tanto, e não encostava em mim), deixei que terminasse o serviço – que, afinal, já estava quase pronto mesmo.

- Só queria pedir, assim, se a senhora não se incomodasse... que avisasse à moça da recepção, na saída, que eu me cortei, e sujei a toalhinha de sangue, mas foi com o meu sangue, não o da senhora... isto é, que eu não machuquei a senhora, né... senão elas podem pensar... e eu comecei ontem no salão, sabe como é...

Claro, claro, sei como é.

Na saída, fui até a recepcionista – uma loura hiper-extra-maquiada que me olhava com dificuldade enquanto eu falava, como quem faz esforço para entender, sei lá, Sartre.

- ... então... o sangue é dela, não é meu.

Ela franziu a testa, e coçou a barba (ops!).

- Entende? A manicure pede para avisar que o sangue que está na toalha é dela...

Parece que caiu a ficha...

- Aaaaaaaaahhh! Sim...

... mas não caiu:

- Tudo bem, está avisado. Mas, também, se o sangue fosse da senhora... (faz uma cara de “não nos incomodaríamos, não somos preconceituosas, a senhora deixa o seu sangue onde quiser, não nos importamos”.

- Ok. Bom 2005 pra você.

11 janeiro 2005

Preferências


Dos dentes,
os da frente.

Dos defeitos,
Os visíveis.

Dos vícios,
Os indecentes.

Dos versos,
Os indizíveis.

Das cruzes,
As portáteis.

Dos credos,
Os mutáveis.

Das armas,
As esquecidas.

Das guerras,
As vidas.

09 janeiro 2005

A mãe fora

Descobri que este blog perde um pouco o sentido sem a minha mãe.
Volta logo, mãe!!!

Ou acha um cyber-café e vem me ler - entre uma bronzeada e outra. Hoho.


A mãe dentro

Minha mãe inventou uma brincadeirinha – e, como toda mãe que se preze, viu-se escrava dela em poucos dias. Era a brincadeira do “com o que é que parece”.

- Manhêêê! Diz com o que é que parece!!!

Foi assim. Um belo dia, tentando nos convencer a ir para a cama, ela anunciou: vistam o pijama e vão para a cama, que depois a mãe vai lá dizer com o que é que parece.

- Como assim???
- Vou dizer com o que cada um de vocês se pareceu durante o dia!

Uau! Nos empolgamos e vestimos o pijama, pronto, mãe, vem dizer com o que é que parece! E ela veio mesmo.

Disse que eu hoje pareci com uma coruja, sábia, concentrada – pois tinha passado o dia “estudando” (eu tinha uns 6 anos, aprendia a ler e rabiscava coisas ininteligíveis num bloquinho qualquer). O mano, por outro lado, tinha se parecido com uma formiga. Trabalhara duramente, ajudando o pai na organização das compras do mês.

Noite seguinte, a mesma coisa. Mas não valia repetir bicho (criança é exigente, você sabe).

Eu era uma cantante cigarra; o mano era um cão amigo. Eu era um dócil cordeiro; o mano era uma lebre veloz. Eu era um bicho-preguiça.

- Bicho-preguiça, mãe???
- Sim, senhora! Não fez nada o dia todo!!!

Sim, valia ralhar na brincadeira (mãe é implacável, você sabe).

Um dia ela ameaçou encerrar a brincadeira.

- Hoje é o último dia!
- É nada!!! (Em coro).
- É sim!!!
Beiços inconsoláveis. Fazer o quê. Se a mãe diz. Pijama. E cama.

- E então? Hoje parece com o quê??
- Hoje não parece com nada.
- ???
- Parece com nada! Não era o último dia? Então! Não parece com nada!
- Como assim, COM NADA???

Ela ficava nervosa, encabulada. Engasgava.

- Vocês são meus filhotes lindos, é isso. Não se parecem com nada, com bicho nenhum. Hoje é só pra dizer que eu amo vocês, que vocês são a coisa mais linda de mamãe, que eu tenho o maior orgulho de vocês, que nem mesmo a selva inteira seria bastante para representar quantas qualidades vocês têm, quantos carinhos vocês me fazem, quantas alegrias me dão. Nem sei o que dizer, olha, estou emocionada aqui. É que vocês são... su-pim-pas!!! E durmam bem.

E beijou a nossa testa, apagou a nossa luz, fechou a nossa porta. E saiu, de mansinho (mãe sai de mansinho, você sabe).

Cinco minutos de reflexão, no escuro. Um de nós quebra o silêncio.

- Ela não sabe o nome de mais nenhum bicho.
- Que nada, é má vontade mesmo. Tinha um monte, ainda.
- Tinha mesmo, eu sei...
- Pato, por exemplo. Pato já foi?
- Pato não foi.
- Sapo foi?
- Foi nada.
- E rato?
- Ui, rato é nojento!
- Tá, sei lá... mas é melhor que SUPIMPAS, não é?
- Ah... é, deve ser.

07 janeiro 2005

Coisa de mulher


Acho que esse calor que tem feito é uma coisa medonha, mas tem, sim, um lado feminino muito forte. E não estou falando de bundas e peitos à mostra. É outra coisa, muito mais sutil.

Quer uma imagem?

A mulher, com calor, prende o cabelo pra cima de qualquer jeito – com uma caneta, com um grampo, o que tiver pela frente. Fica aquele coque meio despetalado, improvisado; isso é feminino até o último fio. A gente sabe. Brincava de prender o cabelo assim quando estava sentada à frente do coleguinha mais bonito da turma. Sim, seduzir é isto: brincar de hipnotizar o coleguinha.

Algumas vezes na vida gente lembra que é mulher. E não é só na hora do trabalho pesado – depilação, exame preventivo, parto etc -, não. É também quando você se percebe leve como uma pluma, independente da densidade do ar. Do nada, cai na sua testa um cacho delicado que balança, e isso balança o coleguinha, que acaba balançando você de volta.

Lidar com a leveza feminina é uma delícia.
E, quase sempre, é também dureza.

06 janeiro 2005

***1 utilidade

Apareci, depois de muito tempo sumida, numa festinha entre amigos. A primeira amiga me avistou, e logo foi cumprimentando:

- Uau! Coisa mais boa te ver!!

Logo fiquei inchada.

- Ora, obrigada! Eu andava mesmo sumida...
- Verdade! Andava sentindo a sua falta!
- Jura???

E ela esclareceu:

- Juro! Até ontem, eu estava mesmo pensando que era a mulher mais branquela da turma; estava morrendo de vergonha! Não sabe como eu fico feliz em te ver! Me dá um alívio...

Tá bom.
A gente sendo útil para alguma coisa...

03 janeiro 2005

O Tempo

Quando passo a passo
É dança
Quando horas a fio
É trança
Quando em cima do laço
É pressa
Quando menos se espera
Criança

- Espera, tempo!
Apito.
- Espera, tempo!
Repito.
- Espera, tempo!
Insisto.

(O Tempo é surdo)

Desisto.

Levanto
E saio
Passado

Sento
E espero
Futuro.

02 janeiro 2005

Viramos (outra vez)


E então viramos. Quis passar aqui e desejar boas viradas a vocês, mas acabei virando antes, desculpem a minha gafe.

Virei 2004 de ponta-cabeça, agradeci a uns anjos - graça, bênção, flores no caminho etc. Em agosto, mês do cachorro-louco, virei foi o pé. No meio-fio. Fui ao chão mesmo; rompi ligamentos e me desliguei da vida uns 15 dias. Sabe que foi bom? Virei um pouco melancólica, um pouco reflexiva, pé para cima, cabisbaixa. A gente se vira como pode, né.

Em compensação, passada a virada do pé, veio a primavera. Achei até umas flores pela rua, e já virei um perfume goela abaixo. Mania de não saber contar gotas!

Veio outubro, viramos, passou novembro, viramos, e dezembro já vem meio virado. Pronto, viramos o ano outra vez.

E eu sigo achando que o mais interessante em virar as páginas não é propriamente o livro, mas aquilo que a gente vai virando depois da leitura.

Boas viradas, então, e que cada um vire aquilo que for mais divertido virar.
Beijos!