13 dezembro 2002

Ontem me deu vontade de sair de maria-chiquinha, mas não tive coragem. Eu tenho coragem para tanta coisa, desde escrever uma música boba e assinar embaixo até gostar de rúcula, mas me pelo de medo de um penteado infantil. Talvez eu tenha receio de que alguém ria de mim; mesmo assim é estranho, porque eu passo boa parte da vida fazendo ou dizendo ou escrevendo coisas para que os outros riam de mim. Mas, não sei, o penteado me pegou de jeito.

Claro que eu não fiz aquela maria-chiquinha inteira, sabe como é, deixei boa parte do cabelo solto, como quem diz que eu sou adulta e tal. Mesmo assim, quem olhasse de frente ia perceber que eu reparti com pente, e não reparto com pente há vários anos. Tanto é verdade, que não consegui deixar lá muito retinho. Pelo menos isso eu tinha a favor, o repartido estava meio indeciso, coisa de gente que não sai de maria-chiquinha todos os dias.

E ficaram uns fiapos rebeldes, escapando do elástico, e eu peguei uma presilha, mas uma só ficava assimétrico, peguei duas, não deram conta, peguei logo quatro, e o pior estava por vir, quando olhei no espelho, eu, ali, duas chiquinhas, uma de cada lado, quatro presilhas, duas de cada lado, putz!, não é que ficou ótimo?

Ficou tri bonitinho – eu diria.

Ainda assim, o espelho me encorajando, o horário da saída estourando, o rímel ajudando, o batom enfeitando, eu não pude, eu não sei, eu ando tão... sem chiquinhas.

Arranquei tudo num só golpe, e saí com o cabelo solto, como de adulta, como de praxe. Mas as chiquinhas foram comigo, só que do lado de dentro da cabeça. Como quase tudo que eu tenho.

Olhava no espelho, e não era mais uma mulher de cabelo solto. Era uma mulher sem maria-chiquinha. Havia um desfalque, sim, e não era coisa da minha cabeça, apesar de ser. Cadê que eu me sentia inteira, cadê que eu esquecia o acontecimento de não ter saído enfeitada?

Estava feia, velha e gorda. E pálida, e abatida, o sorriso era flácido, o olho cansado, o gesto era lerdo e o passo era torto. Sem brilho, sabe?

Também, com esse meu nome! Se eu me chamasse Kátia com K, talvez ficasse mais fácil andar por aí de maria-chiquinha, até porque, se for reparar, o próprio K já vem com esse penteado no desenho, olha aí. O Y é outro.

Quando resolvi voltar para a casa, com aquele ar fracassado e até meio doentio, ocorreu-me, de súbito, uma idéia que revolucionaria o meu passeio para todo o sempre. Não devo ser tão extremista, já diria minha terapeuta e o próprio Buda. Devo ir com calma, uma coisa de cada vez, uma coisa de cada vez, uma coisa de cada... vez!!!

Olhei-me no reflexo do vidro mesmo, não podia esperar um espelho. E puxei um naco de cabelo com a mão direita, e dei uma enroladinha com o dedo, e prendi com elástico, ali mesmo, em meio ao burburinho, dane-se.

Passei o resto da noite com meia-maria-chiquinha, um só belo rabo, assimétrico mesmo, feito um Y perneta. Uma coisa de cada vez.

Assim eu vou me acostumando e perco a timidez. Hoje, vou com o rabo esquerdo.

Por enquanto eu nem chamo atenção e ninguém ri de mim, ou, se ri, só pode rir pela metade. Mas eu vou me preparando, vai chegar o dia em que vou chutar o balde, não quero nem saber, saio de maria-chiquinha completa e minhas presilhas todas.

Se alguém olhar torto, ponho a língua mesmo. Aí vai ser um Y e um P.