30 outubro 2004

Chiripá – Indumentária Gaúcha



A ilustração acima é do amigo Gilnei Silva, um publicitário de Novo Hamburgo. O cara faz de tudo um pouco, em se tratando de arte. Descobri o site dele meio por acaso, e adorei.

Quem quiser, é clicar para ver as outras ilustrações. Vale a pena!

***

“Felicidade se acha é em horinhas de descuido.”
(Guimarães Rosa)

***

“Eu sou bom de cama
sei fazer café
E ninguém reclama
Do meu cafuné
Mas
Artista é o caralho
É o caralho”


(Rubinho Jacobina)

***

Não sei com vocês. Pra mim, chega finados e é sempre assim, parece até piada de mau gosto: daqui a pouco, jaz o corrente ano.
Flores, please.

29 outubro 2004

Como eu

Minha amiga e eu curtíamos um show num desses bares/boate com música ao vivo. Sujeito se aproxima dela e manda uma cantada. Ela dispensa, mas o cara é do tipo vendedor de seguros - não aceita não como resposta. Insiste. Um mala.

Ela vira pra mim:

- Pelo amoooor de Deus, me livra desse encosto.
- O que é que eu faço?
- Sei lá, qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo, mas me livra.

Solidariedade instantânea. Homem pegajoso é pior que sarna. Mas estou sem imaginação; pergunto a ela, outra vez, o que fazer.

- Sei lá, pô! Diz que a gente é namorada!
- Tá doida?
- Que é que tem? Muito comum, hoje. Manda essa, vai colar.

Eu, quando dou para ser cara-de-pau, é com dedicação esportiva. Me estiquei toda e mirei o rapaz. Um e setenta, se tanto. Eu + meu salto = 1,80m, e passando. Cheguei bem perto e olhei nos olhos dele:

- Boa noite. (Séria) Eu não queria ser indelicada, mas a moça tá acompanhada.
- Jura??? (Ele, olhando para os lados)
- Sim. E muito bem acompanhada, por sinal.
- Ué... mas estou aqui há meia hora, e ainda não vi ninguém...
- Tem certeza? (Olhando fixo) Ninguém mesmo?

Ele titubeou um pouco. Olhou para os lados. De repente, me olhou e deu um pulo:

- Ai meu Deus!!! Sério??? Não pode ser...
- Não pode ser o quê? (Aumentando o tom de voz, ameaçando me sentir ofendida).
- Não, quer dizer, não é isso, claro que pode ser, mas, você sabe, eu jamais ia imaginar, vocês duas, que dizer, nada contra, ou seja, mas é estranho, estranho não, diferente, quer dizer, hoje é muito comum, você olha e nem diz, veja bem, que coisa, eu, eu... me desculpe.

Dei um tapinha nas costas dele e uma piscaldela.

- Imagina, amigo... isso acontece toda hora. Esquece.
- É, deve acontecer mesmo (secando o suor do rosto, parecendo um pouco aliviado)... a propósito, que belo casal!
- Muito obrigada.
- E você tem muito bom gosto... aliás, como eu... (e, súbito, resolveu se corrigir) Ops! Quer dizer, COMO EU, não! Come você, que tem mais sorte. Hehe.

Depois dessa pérola infame, os três caíram na risada.

Mas ninguém comeu ninguém.

27 outubro 2004

Curtinhas

* Conforme acabo de ser informada, este blogue está entre os destaques da semana no Jornal do Blogueiro.
Obrigada!

* O Orkut ressuscitou os meus 99 amigos. Logo, não eram 100, nem tampouco estou sem.
Foi só um deslize do servidor + minha TPM = genocídio.
Normal.

* Taxista me trouxe em casa. Deu oito reais, e ele não tinha troco para os meus cinqüenta. Eu: “O que é que eu faço agora?”
Ele: “Ah, me paga outro dia!”. (Nunca vi mais gordo).
Não consegui. Pedi que me levasse à padaria, comprei uma Coca, troquei o dinheiro e paguei na hora.
Ora, “me paga outro dia”. Te dei essa intimidade, nêgo?
Comigo, não.

* Mario Prata, hoje, no Programa do Jô. Sempre, sempre é bom.

* Tinha um belo compromisso em Copacabana, mas cancelei porque estava ameaçando chuva. Chama o meu analista, urgente: estou virando carioca. Se minha mãe sabe...
Cultura de salão


Perua 1 (entrando no salão): Oi, amiga! Você tem ido à academia?
Perua 2 (fazendo as unhas): Oi, querida. Faz tempo que não vou! Com essa gripe que está pegando todo mundo, fica aquele povo lá enfurnado no ar condicionado, eu sou doida? Quero esse vírus pra mim, não.
P 1: É... Também não vou faz tempo.
(Silêncio para reflexão de ambas).

P 1: O diabo é que começa a cair tudo, né?
P 2: Rapidinho.
P 1: Passou dos trinta, a corrida é contra.
P 2: Se é.
(Silêncio para reflexão de ambas).

P 1: Homem não tem isso, né?
P 2: Homem não tem nada! Deve ser uma festa ser homem.
P 1: Pode crer. E a gente aqui, fazendo cabelo. Homem lá faz cabelo? Se um homem não tem cabelo, pode ir a uma festa, normal. Mulher, Deus o livre!
P 2: Peruca! Mulher paga o mico da peruca, se for preciso.
P 1: Peruca. E mais, é capaz do sujeito fazer sucesso. Olha lá aquele careca, que charme!!
P 2: Fazer o quê. Nosso nível de exigência com eles é bem menor. E mulher se arruma pra mulher, também tem isso...
P 1: Tá certa. Já viu um homem olhar pro outro e fofocar com o amigo: olha que cara desleixado, olha a cor do sapato dele, nada a ver com nada, olha o cabelo...? Nunca!
P 2: E homem lá sabe diferenciar cor? Tudo daltônico!
(Risadas gerais).

Interferência totalmente inusitada da depiladora, que grita, lá do outro lado do salão:

- Broxa!!!!!!

(Interrogação geral).

- Homem fica broxa. É o castigo de Deus.

(Silêncio total, em respeito à verdade irrefutável. P 1 faz o sinal da cruz e bate na madeira. Isola.)

***

A manicure 1 está de saída, cumpriu o horário e vai embora. Sozinha, enche de fita adesiva uma caixa enorme escrito: Arno. Um ventilador.

Manicure 2: Vai levar isso, mesmo?
M 1: Se eu vou levar? É claro que vou levar! Ganhei na rifa, vou levar.
M 2: De ônibus???
M 1: Que jeito?
M 2: E o Henrique?
M 1: Não teve conversa. Fiz de tudo, ele não quis vir me buscar. Diz que é muito contramão.
M 2: E você vai de ônibus, com esse trambolho?
M 1: Vou sim. Mas vou ficar um mês sem dar pra ele.
M 2: Aaaah, bom!

De modo que concluo: o problema nem era levar uma caixa enorme no ônibus. O problema era continuar dando pro sujeito que permitiu isso.

E não é que faz sentido?

De cem amigos a sem amigos

Acreditem: o Orkut matou todos os meus amigos. Entrei lá hoje, e tive a ingrata surpresa de saber que estou sem amigos. Logo eu, que beirava os cem. Duvida? Entra lá. No campo dos meus amigos, aparece a singela expressão: “add friends”. Mais nada.

Olha a minha cara de quem vai sair pescando os amigos, um a um, pedir desculpas pelo incômodo e adicionar tudo outra vez. Se pudesse marcar um chopinho e reunir a galera, tudo bem. Mas é cada qual de um canto, vocês sabem, essa maravilha virtual que nos une a todos, o Orkut, tão caloroso, tão humano, tão... assassino. Matou cem. Para falar só dos meus!

Eu já soube de casos semelhantes, e você também deve ter ouvido falar – ou já lhe aconteceu, se é que você ainda não se encheu daquela porcaria e caiu fora. Era o que eu deveria ter feito há meses, eu sei. Mas não fiz.

Há coisas que eu deveria ter feito há anos e ainda não fiz; não seria a saída do Orkut um acerto isolado na minha vida, seria?

Agora com licença, que eu vou ali providenciar os jazigos.

Um a mais, pro meu finado bom humor.

23 outubro 2004

Pela hora da morte

A chuva aqui no Rio deu uma trégua. Hoje o sol brilha outra vez, e o vento está proseando com as árvores lá fora – vejo aqui, através da varanda, a pracinha. O fato de ter uma varanda e uma praça sobre o meu ombro esquerdo me conforta um pouco, parece que o apartamento (apertamento?) é maior. Ilusões de ótica muito úteis, já que o aluguel está pela hora da morte.

Mas vamos parar de reclamar, e pensar um pouco na hora da vida - que é a única coisa que se tem, afinal.


Pela hora do rock



Ontem à noite a Lagoa estava particularmente bonita, não sei por quê. Um climão. Assisti a um show de rock – anos 70, 80 e 90 – bem entrosado. O guitarrista era o Fernando Magalhães (Barão Vermelho); só ele já valeria o ingresso. O baterista e o baixista eram da banda do Gabriel O Pensador, cada qual melhor que o outro. O vocalista (e motivo da minha ida) era o amigo Márvio Fernandes, uma figura assídua no circuito rock cover aqui do Rio. É bom ver as feras afinadas, fazendo rock’n roll com um pé nas costas, com prazer e sem frescuras. O palco é míni, mas o prazer que proporciona...

O bar é muito charmoso, e tem um nome que já diz tudo: Partitura. E o cardápio é no mesmo tom. Tem lá um risoto de nome Sibemol (assim, tudo junto), e outro Sustenido. As massas: Rock, Reggae, Soul... Música para ouvidos e estômago.


Pela hora dos 2.7

Faltando quase um mês para esta blogueira fazer aniversário. Já coloquei a lista dos presentes nas melhores lojas do ramo. Do ramo áudio. Do ramo vídeo. Do ramo flores. Do ramo roupas. Do ramo jóias. Do ramo automóveis. Do ramo imobiliário, inclusive.

Viram como eu sou facinha de agradar? Qualquer coisinha à toa me satisfaz.
Hoho. (Do ramo cínica).

21 outubro 2004

Vovô viu a uva


Aprendia “vovô viu a uva” e ficava pensando o que raios vovô tanto via na uva, entrava dia e saía dia, vovô via a uva, e revia, e revia o diacho do cacho. Vovô ainda não decorou a uva? -, quis saber da professora, porque ela já não agüentava, nem o velho, nem a fruta, nem o desenho, nem o jogral.

Vovô gostava muito da uva. A professora achou que iria acalmá-la com essa revelação medíocre. Vovô gostava muito, e pronto.

Aí ela criou toda uma reação em cadeia. Se vovô gostava tanto assim da uva, que só fazia ver a uva, coitadinha da vovó, que não era vista, e nem havia no desenho ou no jogral. Solidarizou-se com a vovó, levou a sério aquela falta de atenção à velhinha. Como estaria passando a vovó, tia?

A professora argumentava que a vovó ia muito bem, obrigada, mas que não era assunto daquele dia. Concentrassem-se no vovô e sua uva. Mas ela não engolia um casamento entre velho e fruta. Queria saber da vovó, que era a mulher do vovô, que devia ser amada e acarinhada, muito mais que a uva. Uva não dorme junto, uva não beija, uva não pega na mão - e, pior, uva nem faz bolo!

Quando chegou na parte do bolo, os coleguinhas começaram a apoiá-la. Para desespero da professora, que tinha lá uma cartilha a ser cumprida. E não havia menção à velha, coitada.

Naquele dia, excepcionalmente, a aula foi desvirtuada. Vovó era popstar, não havia mais jeito. A professora encerrou o jogral e distribuiu folhas em branco. Cada um vai desenhar a vovó, como quiser. Na cadeira de balanço, na cozinha, fazendo tricô. Depois, vamos colorir a vovó. E o vovô vai ver, não uma, mas 32 vovós!

Todos acharam muito divertido desenhar vovó, e começaram os rabiscos. Os ânimos se acalmaram.

Minutos depois, a professora foi recolher as vovós. Quase todas. Todos tinham feito vovós, menos ela. Tinha desenhado um lindo cacho de uvas.

A professora se irritou. Não era ela quem tinha reivindicado a presença da vovó? Tinha enjoado de vovô vendo a uva? Tinha instigado os colegas? Tinha causado uma revolução? Tinha mudado o rumo das coisas?

Cadê a sua vovó, afinal?

Achou que, com tanta vovó, vovô ia sentir falta da uva. Afeiçoou-se à uva. Tantos dias repetindo, vovô viu a uva, vovô viu a uva... ia ter saudade. Até tinha começado a desenhar vovó. Iniciara pela bolinha do olho direito, depois fizera o esquerdo. Quando viu, já tinha enchido a folha de bolinhas. Decidiu fazer logo um cacho.

Também porque era mais fácil.

15 outubro 2004

Salão


Mais uma de salão de beleza (ainda faço um livro).

A senhora loura, proprietária do salão, desanda a desabafar com uma cliente antiga. Em tom, digamos, alguns decibéis mais alto que o aceitável para desabafos em frente às clientes – antigas ou não, tanto faz! Se é que há alguma aceitação para qualquer desabafo de proprietária para cliente. Sexta-feira. O salão, cheio. Eu, cheia. E cada vez mais.

- Eu acho assim, Fulana, a pessoa não pode ser boazinha o tempo todo. Não pode ser queridinha isso, queridinha aquilo, meu doce, benzinho. Sou empresária ou não sou? Montei esse negócio pra dar certo, oras! Quero todas as funcionárias uniformizadas, o material esterilizado, tudo limpinho, como manda o figurino. A cliente tem a obrigação de sair satisfeita! A cliente tem a obrigação de entrar aqui e sentir um cheirinho bom!!!

Essas duas últimas frases, então, foram pra matar. Eu me coçava, respirava fundo. Vontade louca de cutucar a perua:

- Desculpe... quer dizer que aqui a cliente tem a obrigação de sentir um cheirinho bom? Ótimo, eu não sabia. Da próxima vez que tiver de fazer as unhas, vou pensar assim: devo ir àquele salão onde tenho a obrigação de sentir um cheirinho bom, ou àquele outro onde eu sinto um cheirinho bom porque tudo realmente cheira bem?

Mas, me segurei, não disse nada. É cada uma que me aparece.


Intimidade italiana - tempos modernos

Havia uns dez anos que eu não falava com uma amiga chamada Carmem. Estudamos juntas em São Leopoldo. Hoje é designer da web, toda modernosa; casou-se com o segundo namorado e vive em Cachoeirinha (região metropolitana de Porto Alegre).

Agora, com esse negócio de Orkut, todo mundo reencontrando antigos amigos, eis que a Carmem ressurge. “Soube de você pela Época!” – ela me diz. Graaaaaande Carmem, bom te “ver”. Acabamos gastando uma grana em interurbano.

A irmã mais nova – deve estar hoje com uns 22 anos – é o assunto atual da Carmem. Que a menina não tem jeito, que é uma avoada, que não pára numa faculdade sequer. Já fez letras, administração, publicidade. E hoje, segundo a Carmem, faz turismo. Nas aulas de jornalismo – que freqüenta com assiduidade de baixa temporada.

- Agora ela me apareceu com mais um namorado, da internet. Coisa recente, saíram só algumas vezes. Eu fico espantada com a facilidade que a Juliana tem para dar intimidade para um sujeito que mal conhece. Mal conhece!

- Sabe o sobrenome?

- Sabe, sabe. Não se trata disso.

- Dar intimidade, é? Que tipo de intimidade?

- Intimidade da intimidade! Uma coisa assim, impressionante. Eu digo pra Juliana, mas ela não me ouve. Nunca me ouviu! Tem coisa que não se faz logo de início. O que os outros vão achar? O que o homem vai pensar, meu Deus?

Àquelas alturas, eu já estava me mordendo de vontade de saber dos detalhes sórdidos, da intimidade que a Juliana dava ao recém-chegado. Que “coisa” não se deve fazer logo no início? A Carmem sempre foi meio pudica, a mãe era linha dura. Que “coisa”? Doida para saber. Mas, lógico, não podia perguntar na lata. Fui me virando como podia:

- Carmem, hoje em dia é assim mesmo! As pessoas se conhecem pela internet, acabam pulando algumas etapas. Você sabe, pô, trabalha com isso! É natural. De mais a mais, a Ju não é mais nenhuma menina. Um mulherão daquele tamanho, maior de idade, vacinada. Tá na hora de saber o que quer, não tá?

- Pois é o que eu digo, tá mais do que na hora! Mas não sabe. Fica dando intimidade aí para esses caras da internet...

- Não quero me meter, mas... afinal, o que foi de tão grave que ela fez??? (Não me agüentei, escapou).

- Ela? Bom, tenho até vergonha de falar. Outro dia eu liguei pra lá, ela me contou que o sujeito tinha acabado de sair. FAZENDO O QUE NA CASA DELA?

- Ué, sei lá, uma visita... normal...

- Normal??? Normal, nada! Depois de meia hora de insistência minha, ela confessou!

- O quê? O quê??

- Que o cara tinha ido levar de presente uma cafeteira!

Broxei.

- Uma o quê?

- Uma cafeteira, não, pior: uma cafeteira italiana! Italiana! Com duas xícaras! Duas!!!

- Carmem, querida. E o que há de mal nisso?

- Porra, Bíbi! Mal conhece o sujeito!!! Cafeteira?? Cafeteira é demais! Achei que estivessem só trepando!


É, os tempos mudaram.
Inocência minha achar que a Carmem não teria mudando junto.

P.S.: Os nomes foram alterados para preservar a intimidade das amigas. Mas a cafeteira era italiana mesmo.

11 outubro 2004

Voltas


Ele chegou meio perto
ela se afastou.
Ele recuou meio metro
ela parou.
Ele se achou esperto
ela travou.

Ele empurrou
e ela pegou no tranco, e ele a viu avançando, e ela o chamou, e ele ia ficando, e ela ainda indo, e ele não conseguia, e ela só seguia, e ele espremia os olhos, e ela diminuía, e ele a queria perto, e ela já tão distante,

teria feito ele certo?

Não seria
melhor
ter ficado
só meio perto,
assim meio metro?

Nisso ele,
parado,
pensava,
coitado,
que ela tinha sumido,
acabado.

Nisso ela,
que tinha escapado lá adiante,
apareceu atrás dele,
de repente,
toda sorridente.

Bingo! - ela cantou
O mundo é redondo.
Demoraram um pouco,
mas se grudaram em cheio.

10 outubro 2004

Ferreira Gullar, às vezes


Ganhei um DVD do show “Brasileirinho”, da Maria Bethânia. Gravado em março deste ano no Canecão, elogiadíssimo, é mais um produto do selo Quitanda (da própria cantora).

O poeta Ferreira Gullar - cuja imagem abre o show, no telão, recitando “O Descobrimento”, de Mario de Andrade – dá um depoimento muito bonito na sessão de extras. Lá pelas tantas, ao falar da dificuldade que teve em escrever uma letra para “O Trenzinho Caipira” (de Heitor Villa-Lobos), sai-se com esta:

- É por isso que, quando me perguntam ‘você é o Ferreira Gullar?’, eu respondo ‘às vezes’. Porque às vezes eu tento botar a letra no Trenzinho Caipira e não consigo. Outras vezes, consigo.

Céus. Ferreira Gullar é às vezes, e me dá um arrepio ouvir isso do próprio. O papel do artista no mundo eu não me atrevo a palpitar qual seja; mas, aqui muito entre nós, não cabe a singela metáfora do “cair a ficha”? Olha, lá vai o poeta, provocando quedas de fichas nas cabeças dos passantes. Com a graça de Deus, ploft, ploft.

Afinal, quem aqui não já sentiu ser um “às vezes” de si mesmo? Genialidade à parte, quem nunca se estranhou num gesto, nunca se perdeu numa fala que não parecia a sua, quem nunca levou um tranco ou um branco da vida – e ficou sem reação, sem saber o motivo?

Eu era tão bom nisso, como fui travar justo agora? Ah, eu não sou disso! Já repeti esse número trezentas vezes; como é que fui me esquecer do principal? Nunca vou me perdoar por ter me ausentado de mim justamente nesse dia, logo hoje, eu me precisava tanto, tanto... judiaria.

Se não somos nós mesmos 100% do tempo, se nos ausentamos de vez em quando, se somos meio relapsos, se pecamos por incoerência ou inconsistência – então, afinal, quem somos (ou o que somos) nas outras vezes? Quem age por nós enquanto nós mesmos estamos dando uma voltinha até a esquina?

Quem será que somos na fatídica hora do cafezinho?

Uns idiotas, às vezes. Uns lapsos ambulantes, sem sotaques ou semblantes, uns restos de homens e mulheres, desconexos, deturpados. É, deve ser isso. Uns quaisquer, sem serventia alguma, pegos em flagrante no pior instante; uma vírgula deslocada, um texto vazio que nem lingüiça enche. Uns nada.

Ou, quem sabe, talvez, Deus seja tão camarada que nos faça pausar de nós mesmos vez por outra, que é para não enjoar. Que é para o povo aqui experimentar, vez em quando, súbitas sensações aparentemente meio desafinadas, mas que podem, sim, dar samba daqui a alguns compassos.

Lembra quando você não se reconheceu em alguma falha cometida; mas lembra também quando deu um salto mortal triplo e caiu firme, com o cabelinho ainda mais arrumado que antes. Não lembra? Ali você sorriu para a platéia e agradeceu, disfarçando a própria surpresa - nunca na vida que você sabia que teria força ou coragem ou ousadia ou talento para aquela acrobacia. Mas, olha aí, não deu outra: tinha.

Pode ser que o horário do cafezinho seja, não só uma ausência, mas uma boa oportunidade de trazermos à tona alguma coisa que estava submersa, e que pode vir a fazer a maior diferença. Talvez seja bom estar atento, não se irritar tanto com as escapulidas, deixar acontecer.

Pode ser que a vida esteja só propondo uma equação óbvia, do tipo: ausente-se = aumente-se.

Enfim: se Ferreira Gullar não fosse "só" às vezes, não seria Ferreira Gullar.

03 outubro 2004

FNAC

Café + quiche na Fnac do BarraShopping = minha alegria quase infantil, soterrada em livros, CDs e DVDs da loja mais deliciosa do mundo; não estou pra ninguém, não vejo pessoas – vejo interesses. Não vejo semblantes – vejo pontos de interrogação e exclamação esculpidos nos rostos dos mais diversos tipos (impublicáveis) que folheiam os mais diversos tipos (publicáveis).

Estou só olhando, aqui sentada. Aquele cabeludo de bigodinho cafajeste se aproxima dos periódicos, eu já sei, ele vai até as revistas de música, olha o tipo, não tem erro, braço fortinho, bermudão, conheço, bingo: baterista. O japa ao lado é mais do tipo Home Studio; nem preciso dizer que acertei. Vai um Pro-Tools, amigo? Açúcar ou adoçante?

A menina que está decidindo o que fazer na faculdade - elas dizem só facul - sai abraçada em meia-dúzia de revistas de moda. Quero ver o que o pai dela vai dizer - minha filha, nunca pensou em direito? Não enche, pai! – ela vai sair desfilando, e aí já era.

Uma coroa meio blasé pede um brownie aqui ao meu lado. Enxutérrima, tá podendo. Ela bebe o café, folheia uma revista e mordisca o brownie. Que coroa não morde; mordisca. Eis a sabedoria da maturidade.

Mas, qual foi mesmo o motivo da vinda? Não há um dia sequer que eu entre na Fnac e não me disperse do objetivo. Dessa vez, da Objetiva: ah, sim, o romance de estréia do Arthur Dapieve.



Que, aliás, trouxe para casa e li de uma só tacada, com pausa apenas para água (pela boca, adentro, e pelos ouvidos – o barulhinho da chuva lá fora, que delícia de trilha sonora).

O texto dele é de uma fluidez incrível, e curiosamente compatível com algum belo rebuscado literário – coisa de quem sabe o que está fazendo, afinal. A história começa no Rock in Rio III, e por aí o leitor, que não é surdo, já pode pegar o tom: vem rock’n roll pela frente. Como, aliás, não poderia deixar de ser. Ou poderia, mas seria um desperdício.

O personagem principal é um publicitário de 46 anos, carioca, casado, que se apaixona perdidamente pela estagiária, uns 20 anos, ruiva e gostosa como convém às estagiárias das agências dos publicitários quarentões casados. Ou não, porque a tal “relação” – se é que se pode chamar assim -, de conveniente, não tem absolutamente nada.

Do show do R.E.M. (janeiro/2001) em diante, portanto, o que se lê é uma turbulenta - ora hilária, ora patética, ora atrapalhada, mas sempre muito bem contada - história de amor-tesão-paixão-obsessão-ciumeira, ou o que quer que esteja no meio do caminho disso tudo, se é que alguém sabe definir o meio do caminho desse tipo de coisa. E o livro é sobre isso, também; sobre não haver um meio caminho para certas coisas que já nascem nos atropelando.

Eu recomendo a leitura, sim senhores!

01 outubro 2004

Santa ingenuidade, Batman!


E eu perguntei a ele:

- Escuta... impressão minha, ou tem um bebê aprendendo a falar?
- Onde?
- Aqui no prédio. Toda noite, mais ou menos essa hora, ele começa a repetir sempre aaaaééhhmmmm... aaaéééhhhhmmmm... tá ouvindo?
Pausa. Ele me olha.
- É gato, Bíbi. Trepando.

Ah, claro. (Um buraco na minha ardósia, urgente).

***

Maldade

Notinha no Globo dava conta do fim do casamento da Ivete Sangalo com o Davi Morais. Título: “Levantou poeira”.
Êta, povo gosta duma gracinha...

***

Guapo, pero no mucho

Ontem eu percebi que, nesta nova novela das 7h, a (belíssima) Natália do Vale é casada com o Werner Schünemann, mas dá mole mesmo é para o Marcos Paulo. Ok, o triângulo é crível.

Mas certamente não seria se ela tivesse conhecido o atual maridão nos tempos da Revolução - vasta cabeleira desgrenhada ao vento, bombachas, lenço vermelho no pescoço. Poderoso, destemido, guapo, Bento. E Gonçalves, ainda por cima.

Agora é apenas Werner, de cabelinho curto e camisa comportada.
Viu? Dá no que dá.

***

Tim-tim celestial

Com a chegada de mais uma frente fria, a temperatura no Rio caiu 15 graus. Comprei velas brancas. Pedro merece. Vou agradecer com toda pompa, e oferecer também o primeiro gole. E o segundo, e o terceiro, e quantos quiser. Por mim, que beba todas – desde que continue São.