23 junho 2001

A fábula dos irmãos ricos
Bíbi Da Pieve


O Edson Campos e a Ana Terra são irmãos. O sobrenome deles, na verdade, é da Silva.

Edson vem de Eduardo sonâmbulo (ed-son), porque ele tinha crises incríveis, até os 15 anos. De não poder dormir na cama de cima.

Ana vem de Mariana, que vem de Mário com Diana - os pais. A Mariana sempre dormia na cama de cima, claro. Caiu a Mari, ficou só a Ana.

Os dois irmãos têm uma banda de rock. Criaram nomes artísticos. Mudaram os sobrenomes.

Ana queria Terra, por causa do romance do Veríssimo. Edson não queria, de jeito nenhum, deixar de ser irmão dela. Então escolheu Campos - que, segundo ele, é sinônimo de Terra.

- Não existem campos sem terra, Ana. Assim, continuamos irmãos. Um não faz sentido sem o outro.

Ela achou esquisito, mas concordou.

A banda deles ainda não tem nome, não tem empresário, e não tem disco gravado. Mas está em vias de.

o Edson jogou na Loto:

- Ana, joguei na loto!

- Foi?

- Em três dias, vamos saber se ganhamos.

- Quanto?

- Muito.

- Ótimo!!

- É. Mas não vai mudar nada, né?

- Como assim?

- Só vamos ficar ricos.

- É...

- Talvez, pensando bem, a gente compre um apartamento.

- Ou dois.

- Melhor dois, mesmo. Aí a gente vai poder morar separado, sentir saudade, e ficar visitando o outro. Ficar mais perto, né.

- É, como agora.

- Sim. Bem como agora. E talvez a gente vá gravar um disco, sair por aí tocando, e depois...

- ... depois vamos gravar outro, mas antes precisamos compor mais
músicas.

- Como estamos fazendo agora.

- É, bem como agora.

- A gente pode ter dois carros...

- ... mas não vamos sair em comboio.

- Podemos comprar muitas roupas...

- ... mas aqui faz muito calor, vamos continuar usando poucas.

- Vamos poder ir a todos os cinemas e restaurantes do mundo...

- ... mas vamos continuar rezando para que não tenhamos tempo disponível pra isso.

- É, porque a gente vai querer tocar.

- Bem como agora.

- Pois é. Mas eu joguei, sabe, por desencargo de consciência.

- Fez bem. Vai que dá, né?

- É. Se der certo, azar!

O Edson e a Ana, irmãos de sangue, colegas de viagem e de sobrenomes sinônimos ficaram rindo do paradoxo "se der certo, azar". E resolveram fazer (mais) um pacto: se ficassem mesmo ricos, teriam que mudar alguma coisa muito importante. Não era possível que uma quantia imensa de dinheiro não mudasse a vida de duas pessoas!

Pensaram muito nisso. Depois de horas, tomaram a importante resolução - mudariam os próprios nomes. Mas uma vez. E foi a Ana quem impôs a drástica condição:

- Dessa vez, não vale sobrenome igual!

- Mas... nem sinônimo???

- Nem!!!

- E vamos deixar de ser irmãos, assim, de uma hora pra outra?

- Que besteira, Edson!! É só o nome!!

Contrariado, acabou concordando.

Ganharam na loto. Trato é trato. Ela se antecipou, e assinou:

"Anna Rica" (com dois "enes", que nome de gente rica tem
dupla consoante).

O Edson, coitado, todo jururu. Não queria deixar de ser irmão dela. Mas ela proibira homônimos e sinônimos! Refletiu; chorou um pouquinho, escondido. Irmão não pode valer sozinho. Um não faz sentido sem o outro. "Anna Rica", meu Deus, e agora?

Veio a idéia. Encheu-se de coragem, e não teve mais dúvida:

"Edsonn Também."