29 outubro 2004

Como eu

Minha amiga e eu curtíamos um show num desses bares/boate com música ao vivo. Sujeito se aproxima dela e manda uma cantada. Ela dispensa, mas o cara é do tipo vendedor de seguros - não aceita não como resposta. Insiste. Um mala.

Ela vira pra mim:

- Pelo amoooor de Deus, me livra desse encosto.
- O que é que eu faço?
- Sei lá, qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo, mas me livra.

Solidariedade instantânea. Homem pegajoso é pior que sarna. Mas estou sem imaginação; pergunto a ela, outra vez, o que fazer.

- Sei lá, pô! Diz que a gente é namorada!
- Tá doida?
- Que é que tem? Muito comum, hoje. Manda essa, vai colar.

Eu, quando dou para ser cara-de-pau, é com dedicação esportiva. Me estiquei toda e mirei o rapaz. Um e setenta, se tanto. Eu + meu salto = 1,80m, e passando. Cheguei bem perto e olhei nos olhos dele:

- Boa noite. (Séria) Eu não queria ser indelicada, mas a moça tá acompanhada.
- Jura??? (Ele, olhando para os lados)
- Sim. E muito bem acompanhada, por sinal.
- Ué... mas estou aqui há meia hora, e ainda não vi ninguém...
- Tem certeza? (Olhando fixo) Ninguém mesmo?

Ele titubeou um pouco. Olhou para os lados. De repente, me olhou e deu um pulo:

- Ai meu Deus!!! Sério??? Não pode ser...
- Não pode ser o quê? (Aumentando o tom de voz, ameaçando me sentir ofendida).
- Não, quer dizer, não é isso, claro que pode ser, mas, você sabe, eu jamais ia imaginar, vocês duas, que dizer, nada contra, ou seja, mas é estranho, estranho não, diferente, quer dizer, hoje é muito comum, você olha e nem diz, veja bem, que coisa, eu, eu... me desculpe.

Dei um tapinha nas costas dele e uma piscaldela.

- Imagina, amigo... isso acontece toda hora. Esquece.
- É, deve acontecer mesmo (secando o suor do rosto, parecendo um pouco aliviado)... a propósito, que belo casal!
- Muito obrigada.
- E você tem muito bom gosto... aliás, como eu... (e, súbito, resolveu se corrigir) Ops! Quer dizer, COMO EU, não! Come você, que tem mais sorte. Hehe.

Depois dessa pérola infame, os três caíram na risada.

Mas ninguém comeu ninguém.